A administração das finanças públicas assemelha-se, mantidas as proporções e a complexidade, à do orçamento de uma família; os recursos são quase sempre inferiores às demandas e seu uso deve ser dosado com responsabilidade. A compra de um novo televisor ou a construção de um “trem bala” só podem ser realizadas se forem prioritárias a outras necessidades. Uma prática comum é o contingenciamento de gastos previstos, sua suspensão temporária ou definitiva, condicionando-os às disponibilidades de caixa.

Nesse sentido, contingenciar recursos destinados às universidades públicas é medida que vem ao encontro da situação de penúria em que se encontra o Tesouro, e algo que praticamente todo governo faz, liberando as verbas de modo gradativo na medida da possibilidade concreta. O que se contesta é a distribuição perversa destes “cortes” e a forma ressentida e até punitiva com que foram levados a público; cortar linearmente 30% de recursos das universidades federais, além das outras reduções draconianas aplicadas em áreas de arte e cultura, está em evidente desproporção com o que se corta nos demais setores da economia, como se fossem menos relevantes que estes. Conhecimento, dissenso, criatividade, debates, estudo, pesquisa. Para que servem mesmo? Pelo visto, para alimentar um estapafúrdio “marxismo cultural”, deformação paranoica do pensamento de Antonio Gramsci, segundo a qual a inteligência e a cultura levariam necessariamente ao pensamento de esquerda; o contraponto a essa sandice seria a igualmente destituída de sentido teoria de que a burrice conduziria inevitavelmente à direita, mas o que são fatos perante argumentos?

No Brasil já se grita “viva a ignorância! ”, valorizando mais a esperteza que a sabedoria. Pelo que realmente importa num país, e para o futuro do nosso país, a educação não pode ser desconsiderada ou desvalorizada; parodiando o que foi dito alguns anos atrás: não é pelos 30%, é pela sobrevivência de valores que, embora intangíveis, são essenciais. Aparentemente professores, pesquisadores, estudantes não têm sido apreciados pelos dirigentes de nosso país. Contando de longa data com algum desrespeito de uma certa parcela da comunidade quanto à importância do conhecimento para nossas vidas, e não apenas para ganhar um melhor salário, mas também para nos conhecermos melhor como seres humanos, como coabitantes de um mesmo planeta independentemente da cor de pele, religião ou acesso a bens de consumo, cada vez mais professores ficam surpresos com discursos oficiais que declaram desconhecimento do sistema educativo.

Educação é diferente de Transportes, Saúde, Segurança, mesmo Economia, embora abranja todos estes setores; não apresenta resultados concretos imediatos, seu fim não pode ser inaugurado com fitas e discursos, e é um pouco caótico por definição. Junte-se intelectuais, professores, pesquisadores de várias áreas e com diferentes filosofias, ideologias e pensamentos, a jovens com a energia em alta, variadas expectativas de vida e as mais diversas formas de pensar o mundo e a si mesmos. O resultado é o proverbial caldo de conhecimento de onde sairá muito do melhor que o país possa ter e produzir, e talvez um pouco não tão bom, mas isto é parte inextrincável de toda atividade humana. Nada disso é compreensível facilmente por quem não é da área, e tem uma visão rasamente pragmática e imediatista de Nação e sociedade. Quando os franquistas estavam prestes a tomar Madrid, a combatente Dolores Ibáurri Gomez, “La Passionaria”, repetiu um antigo mote de resistência: “No pasarán! ” (não passarão). Infelizmente, a História registra que passaram, e a consequência foram quase quarenta anos de uma ditadura sanguinária em que a Espanha perdeu entre outras coisas muitos de seus melhores artistas e intelectuais, assassinados como García Lorca, exilados ou auto exilados como Buñuel, Salvador Dalí, Picasso e outros, no entanto o espírito espanhol permaneceu apesar de tudo. Esperamos ser melhor sucedidos.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.