Historicamente associado de maneira preconceituosa à homossexualidade, o número 24 estava quase extinto do futebol de São Paulo no início do ano. Prova disso foi a primeira rodada do Campeonato Paulista. Um jogador entre os 334 relacionados para as oito partidas iniciais usou a numeração. O cenário pode mudar a partir de campanhas dos clubes contra a homofobia e em homenagem a Kobe Bryant, ex-jogador de basquete da NBA morto em acidente de helicóptero que usava a camisa 24.

O volante Flávio, do Bahia, personificou uma ação do clube contra a homofobia vestindo a camisa na Copa do Nordeste. Literalmente. Terça-feira, Nenê, do Fluminense, usou a 24 no jogo contra o Unión La Calera, pela Copa Sul-Americana. No último domingo, o atacante Tailson, do Santos, também aderiu ao número – o jogador vinha usando o 39.

O único camisa 24 da rodada inicial do Paulistão foi Kauan Tomé Firmino Silva, terceiro goleiro do Novorizontino. “Em alguns lugares, a discriminação existe, mas nunca percebi isso aqui. No Novorizontino, a gente não liga para isso”, disse o goleiro de 18 anos, formado na base do clube. “Não fiquei incomodado em usar o número. Foi a primeira partida na qual eu fui relacionado e isso tem um valor especial”, afirma.

No clube de Novo Horizonte, a escolha do número está inserida na formação das categorias de base, que inclui palestras contra discriminação, por exemplo. Além disso, a ação coloca em prática as ideias das campanhas educativas. “Nós conversamos sobre a adoção da camisa 24 e fizemos o que tinha de ser feito. O clube é contra qualquer forma de discriminação”, afirma Genilson da Rocha Santos, presidente do Novorizontino desde 2012.

A partir da terceira rodada do Campeonato Paulista, Kauan ganhou a companhia do corintiano Victor Cantillo. Mas a escolha revelou como a ausência do 24 pode ser uma manifestação velada de discriminação. Dono do número no Junior Barranquilla, seu ex-clube, o jogador foi tema de polêmica quando o diretor de futebol Duílio Monteiro Alves deu uma declaração homofóbica na apresentação do reforço. “Vinte e quatro aqui não”, disse.

Diante da repercussão negativa, o diretor usou as redes sociais para se desculpar. O clube, então, mudou de posição e decidiu deixar Cantillo com a 24. “Em 2012, quando eu também era diretor de futebol, fomos campeões invictos da Libertadores e nosso goleiro Cássio usou essa camisa”, disse.

O terceiro goleiro do Corinthians no início da Libertadores de 2012 era Cássio. Ele ganhou espaço com a camisa 24. No segundo semestre, passou a usar a 12. “Um esporte tão popular resiste a esse esforço civilizatório pela liberdade de gênero e opção sexual”, opina o psicólogo Hélio Roberto Deliberador, da PUC/SP.

Uma das explicações para a aversão ao 24 está associada ao Jogo do Bicho. Na loteria criada em 1892 e inspirada no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, a quadra estipulada ao animal veado é a 24.ª, contendo os números 93, 94, 95 e 96. Rogério Baptistini, sociólogo da Universidade Mackenzie, afirma que o número acabou se tornando um estigma. “Após a segunda metade do século 20, a dezena do jogo serviu para marcar os homossexuais. E o futebol, com a adoção da numeração nas camisas, sendo um ambiente carregado de preconceitos, não ficou imune”, disse.

CAMPANHA – O número 24 costuma ser utilizado pelos clubes somente em competições nas quais a numeração de camisas é fixa. Na Libertadores e na Sul-Americana, por exemplo, os 30 jogadores devem estar numerados com camisas de 1 a 30.

Nas últimas semanas, várias ações tentam combater a homofobia. A LiGay, liga de futebol LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais e assexuais), vestiu a estátua do Pelé, em Santos, com a camisa “proibida” em 16 de janeiro.

O movimento para que os atletas usem a camisa 24 esteve entre os assuntos mais comentados na última semana, ação ganhou o apoio da cervejaria Brahma e virou a campanha “Número de Respeito”. A revista Corner lançou a ação “Pede a 24”.