MARIANA ZYLBERKAN E PAULO GOMES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Caía a noite de terça-feira (18), quando foi registrada a segunda tarde mais fria dos últimos 13 anos em São Paulo, e o idoso Juarez Guimarães Fonseca, 66, estava no terceiro endereço em busca de abrigo para passar a noite.
Morador de rua há mais de dez anos, ele costuma dormir sobre papelões na rua Barão de Duprat, no centro, mas devido ao frio decidiu sair em busca de uma vaga em um lugar mais quente.
“Estou com pneumonia”, insistia ele às assistentes sociais em frente ao contêiner montado na rua dos Gusmões que faz parte do programa anticrack da prefeitura e oferece pernoite aos usuários de droga da cracolândia.
Na tarde de terça (18), o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou temperatura mínima de 10,2ºC na capital paulista e a fila por uma das cem vagas de pernoite no contêiner dobrava a esquina.
A aglomeração de pessoas em frente à estrutura não é comum, já que os próprios usuários tratam de garantir suas vagas junto aos assistentes sociais que circulam pela região. Além do idoso, a usuária Viviane Marlene Araújo, 38, ficou do lado de fora. Funcionários da prefeitura confirmaram a maior procura devido às baixas temperaturas.
Antes de tentar uma vaga no contêiner, Fonseca procurou abrigo em um centro de acolhida na Barra Funda, que também estava lotado.
Por volta das 19h, ele foi orientado a tentar a estrutura de contêineres montada há poucos dias na rua General Rondon, a poucos metros da praça Princesa Isabel, onde o fluxo de usuários de drogas da cracolândia se instalou após ação policial que desmantelou a feira de drogas ao ar livre no fim de maio.
Chegando lá, o idoso e Viviane se depararam com uma fila de cerca de 15 pessoas aguardando por vagas extras. Todas já haviam sido ocupadas. “É muita humilhação. Deveriam respeitar o Estatuto do Idoso”, disse. Funcionários da prefeitura negociavam colocar colchões extras nos quartos devido à alta na procura.
Para conseguir uma cama para dormir em um dos três contêineres instalados na região da Luz, muitos usuários dedicam suas rotinas ao cronograma da estrutura.
Rafael de Araújo Vitor, 32, por exemplo, bate ponto no endereço diariamente às 10h para conseguir com os assistentes sociais o papel que dá direito à vaga no fim do dia. Ele dorme no contêiner na rua dos Gusmões há três semanas.
“Se não tiver alcoolizado ou drogado, é impossível dormir na rua”, diz ele que faz tratamento no Caps (Centros de Atenção Psicossocial) contra o vício em crack.
Há 18 anos sem teto, ele conta que costumava ir para o interior quando o frio apertava na capital. “Em lugares menores, as pessoas são mais solidárias e dá para conseguir mais ajuda.”
Andressa dos Santos Nakabayshi, 19, também costuma dormir na mesma estrutura. Ela conta que ficava no vale do Anhangabaú até ser levada ao contêiner por um amigo. “Dia de frio é quando eu mais de humilho para conseguir abrigo”, diz ela.
“Aceito fazer programa por até R$ 30, que é o preço do pernoite em hotéis no centro. Me recuso a passar frio na rua”, conta, enquanto arruma uma bota preta de salto alto dentro de uma sacola. Apesar de reclamar de estar com os pés “congelando”, com apenas um par de chinelos, ela se recusava a colocar a bota.
“Sei que vão querer roubá-la de mim aí dentro. Por isso, vou dormir calçada e com toda minha maquiagem dentro da bota. Eu me garanto na rua quando estou arrumada.”
Questionada, a gestão João Doria (PSDB) da Prefeitura de São Paulo não comentou a situação dos abrigos até a conclusão desta edição.
FRIO CONTINUA
As baixas temperaturas devem continuar nos próximos dias, após uma queda de mais de 17ºC em 24 horas na capital entre segunda (17) e terça (18).
Há previsão de novo recorde de frio para a tarde desta quarta (19). A mínima prevista é de 7ºC, com máxima de 14°C, e deve garoar, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências, da prefeitura). No restante do Estado o frio deve seguir até o próximo sábado (22).
Em Santa Catarina, o Inmet registrou -7,4°C em Bom Jardim da Serra, região serrana do Estado. É a temperatura mais baixa do ano no país, informou a Agência Brasil.
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