Hidrelétricas na Amazônia podem prejudicar ecossistema

Folhapress

REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se forem em frente os atuais planos de construir centenas de hidrelétricas na Amazônia nas próximas décadas, o efeito dominó sobre a bacia amazônica será imenso: menos nutrientes para peixes e floresta, litoral menos produtivo e possíveis alterações climáticas que alcançariam até a América do Norte.
O prognóstico negativo vem da primeira análise integrada do impacto das usinas no maior rio do mundo, conduzida por uma equipe internacional de pesquisadores e publicada na revista “Nature”.
O grupo formulou um índice de vulnerabilidade dos rios amazônicos diante das obras atuais e futuras e concluiu que dois importantes afluentes que atravessam o território brasileiro, o Madeira e o Tapajós, estão entre os que mais sofrerão (e, aliás, já estão sofrendo) com as hidrelétricas.
Para o coordenador do estudo, o geólogo argentino Edgardo Latrubesse, da Universidade do Texas, não se trata de impedir a geração de energia na região, mas de levar em conta os impactos e pensar em modelos alternativos.
“O plano de energia tem de ser um componente a mais do manejo integrado da bacia, não algo imposto de cima, que obriga todo mundo a correr atrás dos problemas gerados por essa imposição”, diz Latrubesse.
A medida criada pelos pesquisadores, Devi (“índice de vulnerabilidade ambiental a represas”, na sigla em inglês), leva em conta fatores como a fragilidade de cada rio em relação a mudanças no uso do solo em seu entorno (desmatamento, por exemplo), a quantidade de sedimentos normalmente carregados por certo rio e a proporção do curso do rio a ser afetada por uma nova usina.
A área do Madeira é classificada como a mais vulnerável não só pela construção de duas hidrelétricas de grande porte (as de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia) nos últimos anos, mas também pelos projetos de usinas antes de o rio chegar ao Brasil, do lado da Bolívia, rumo aos Andes.
É algo importante porque a bacia do Madeira recebe as águas ricas em sedimentos e nutrientes vindas do território andino e as passa adiante. As grandes usinas, porém, retêm esses sedimentos -observações de satélite analisadas pela equipe mostram, por exemplo, que a construção de Santo Antônio e de Jirau diminuiu em 20% a concentração de sedimentos suspensos no Madeira. O efeito deverá ser maior com a multiplicação de usinas rio acima.
No caso do rio Tapajós, o principal temor está ligado ao grande número de empreendimentos hidrelétricos (90 planejados mais 28 já em funcionamento), bem como a fatores como a falta de áreas protegidas nas margens.
Podem acontecer efeitos negativos nos maiores manguezais ainda intactos na América do Sul, que ficam justamente na costa amazônica. “Além disso, há estudos indicando que a pluma de sedimentos trazidos pelo Amazonas regula a temperatura de superfície do oceano na região e, com isso, influencia as chuvas no Caribe, na América Central e no sul dos EUA. O problema é global”, resume o geólogo.
Os pesquisadores propõem que só uma gestão integrada e transnacional dos rios amazônicos será capaz de evitar o mau uso desses recursos. Para isso, o órgão ideal seria a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, que já reúne os países cujo território integra o bioma.