GABRIEL ALVES
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Nesta quarta-feira (22), no Rio, foi lançado oficialmente o Instituto Serrapilheira, primeira entidade privada brasileira que se dedicará exclusivamente ao fomento à pesquisa e à divulgação científica.
Os responsáveis pela boa notícia são João Moreira Salles e Branca Vianna Moreira Salles. Herdeiro do Unibanco, que foi fundido ao Itaú, João é uma das pessoas mais ricas do país, com fortuna estimada em US$ 2,8 bilhões pela revista Forbes. A família também tem negócios na área siderúrgica.
Para a constituição da nova agência de fomento, R$ 350 milhões foram doados pelo casal Moreira Salles para um fundo patrimonial. Os rendimentos devem garantir o suficiente para um orçamento anual de cerca de R$ 15 milhões para financiar projetos das áreas de matemática, ciências físicas, ciências da vida e engenharia.
Caso a iniciativa tenha sucesso nos primeiros quatro ou cinco anos, diz Moreira Salles, a ideia é fazer mais doações e ampliar o número de projetos contemplados. Também não estão descartados recursos provenientes de outras fontes.
E sucesso, para os envolvidos, como Edgar Zanotto, professor da Ufscar, que será o presidente do conselho científico do instituto, é obter quebras de paradigma científicos.
Segundo ele, a ciência no Brasil é feita de uma maneira quase uniformemente “incremental”, o que seria válido, mas a proposta do Serrapilheira seria outra. O plano é apoiar ideias realmente inovadoras, capazes de mudar uma área da ciência, atacando problemas centrais.
Segundo o cronograma do Instituto Serrapilheira, os primeiros projetos poderão ser enviados no segundo semestre deste ano.
IDENTIDADE
A palavra “serrapilheira”, aliás, foi escolhida por dois motivos, explica João Moreira Salles. O primeiro é a simbologia –serrapilheira é a camada formada pelo acúmulo de folhas e outras fontes de matéria orgânica no solo das florestas, sendo a principal via de devolução de nutrientes ao solo.
Nesse sentido, a ideia seria fertilizar a terra da ciência brasileira. O segundo motivo, diz o documentarista, é a sonoridade da palavra, que ele considera agradável.
A ambição é que a marca Serrapilheira esteja associada aos melhores pesquisadores do país. E ela serviria até mesmo para facilitar a identificação de destaques científicos por entidades estrangeiras.
Para chegar a esse nível de excelência, a palavra de ordem deve ser liberdade. Não haverá muitas regras de como o pesquisador gasta o dinheiro recebido. Coisas difíceis na conjuntura brasileira, majoritariamente financiada por entidades ligadas aos governos estaduais e federal, onde contratar pessoal ou complementar salário são acontecimentos extremamente raros e difíceis de acontecer.
Pelas regras dessas agências, diz Zanotto, não é possível ir a um importante congresso de uma área sem ter algum trabalho para apresentar. Até mesmo organizar eventos acaba sendo bastante complicado.
CONEXÃO FRANCESA
A ideia de tentar mudar o cenário da pesquisa científica no país nasceu de uma conversa que João Moreira Salles teve com o matemático e ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências Jacob Palis, em 2014. Desde então a ideia ganhou corpo e foram visitadas dezenas de instituições, no Brasil e no exterior, em busca de um modelo de funcionamento para o Serrapilheira.
Desde o começo do ano passado os Moreira Salles procuravam alguém para ocupar o cargo de diretor do instituto, que tinha o nome provisório XY.
O escolhido para comandar a agência de fomento e receber o salário bruto de R$ 35 mil foi o geneticista francês Hugo Aguilaniu, selecionado, entre 138 candidatos, por um comitê de busca do qual participaram representantes do meio acadêmico, onde Branca, linguista e professora da PUC tem boas conexões, além de elementos do meio empresarial.
Aguilaniu, 41, tem como linha de pesquisa o estudo do envelhecimento usando como modelo animal o vermezinho C. elegans. Ele quer entender questões como qual seria o prejuízo de estender a vida e o que isso acarreta para a performance (reprodutiva, por exemplo) do organismo. Agora residente da cidade do Rio de Janeiro, suas atividades acadêmicas no Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França devem ser suspensas. Seu mandato será de três anos, renováveis por mais três.
Não por acaso o lançamento oficial do Instituto Serrapilheira aconteceu no Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no bairro do Jardim Botânico, no Rio. Moreira Salles já fez vultosas doações para o Impa, onde atua o matemático brasileiro Artur Avila, ganhador da medalha Fields (o “nobel” da matemática) em 2014, de quem o cineasta e jornalista escreveu um longo perfil na revista “Piauí”.
IMAGINÁRIO
Ficaram de fora do guarda-chuva do Instituto Serrapilheira as ciências humanas. A explicação, diz Moreira Salles, é que especificamente a área das ciências naturais carece de personagens no imaginário brasileiro e na dramaturgia do país.
Na cabeça dos jovens, tornar-se um cientista não seria algo tão empolgante ou descolado. Ele cita um ano em que se formaram 30 alunos de cinema na PUC-RJ e apenas dois matemáticos na mesma instituição. “O Brasil será uma tragédia. Uma tragédia bem filmada, mas ainda assim uma tragédia”
Outro motivo é que a João e seus irmãos já comandam o Instituto Moreira Salles, que tem atuação mais intensa nas áreas de artes visuais, literatura e música. As sedes ficam no Rio e em Poços de Caldas (MG). Uma nova unidade deve ser inaugurada em julho, na av. Paulista, em São Paulo.