Relator muda voto e exige participação familiar no custeio de tratamentos

Folhapress

NATÁLIA CANCIAN E GABRIEL MASCARENHAS BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello alterou seu voto no julgamento em que a corte decidirá se o Estado é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo a quem não tem poder financeiro para comprá-los. O julgamento, suspenso no último dia 15 por um pedido de visto do ministro Luís Roberto Barroso, foi retomado nesta quarta. Até então, apenas Marco Aurélio Mello, relator da matéria, já havia votado. Na ocasião, o relator defendeu a obrigatoriedade do fornecimento dos medicamentos, desde que o item seja registrado na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Nesta quarta, ele fez um aditamento à sua tese. Mello manteve o entendimento a respeito da necessidade de o Estado custear os tratamentos de alto custo. Ele acrescentou, porém, que o poder público deve arcar também com a importação de produtos sem o selo da Anvisa, desde que não haja similares no Brasil e que o remédio em questão tenha eficácia comprovada e seja registrado no país em que ele é comercializado. Dessa forma, o paciente deve apresentar um laudo médico para atestar que o acesso a determinado tratamento é indispensável à sua saúde.

Como a Folha de S.Paulo adiantou nesta quarta, Mello falou sobre a solidariedade familiar no custeio dos tratamentos. Para ele, caso se constate que o paciente tenha parentes com capacidade financeira para bancar o medicamento, o Estado pode requerer o ressarcimento. “O predicado solidariedade está mesmo em falta[…], à margem da vida das pessoas[…] O olhar do homem mostra-se egoísta[…]. Na maioria das vezes, o problema do próximo não é meu”, afirmou o relator.

Já Luís Roberto Barroso, que votou logo após Mello, defendeu que seja feita a diferenciação de duas situações: demandas judiciais por medicamentos já disponíveis ao SUS e aqueles não disponíveis no sistema de saúde. No primeiro caso, diz, “não há dúvida” de que o Estado deve fornecer o medicamento, desde que comprove sua necessidade e que tentou obter o remédio no SUS, sem sucesso. Já em relação à segunda situação, disse que o poder público não pode ser obrigado a disponibilizar remédios que não estão na lista do SUS, incluindo aqueles de alto custo.

Esse fornecimento, afirma, deve ocorrer apenas em caráter excepcional, observados cinco critérios: comprovação de que o paciente não tem condições de arcar com os custos; que a Conitec (comissão que avalia a incorporação de remédios no SUS), não tenha apresentado “expressa recusa” em incluir o medicamento; que não haja tratamento semelhante disponível no SUS; que o remédio tenha comprovação de segurança e eficácia e que a demanda ocorra também junto à União, e não apenas para Estados e municípios.

No que diz respeito a remédios sem aval da Anvisa, Barroso sustenta que, na grande maioria dos casos, o Estado não pode ser obrigado a fornecer produtos experimentais, sem segurança comprovada. Para ele, a exceção está no casos em que a agência tenha demorado um ano ou mais para apreciar a eficácia do item que o paciente está pleiteando. “O registro na Anvisa constitui proteção à saúde publica, atestando a eficácia, segurança e qualidade dos fármacos existentes no país, além de garantir o devido controle de preços”, justificou Barroso.

Assim como sustentou a AGU (Advocacia-geral da União) no plenário, Barroso diz não ser possível garantir tudo a todos. “É preciso reconhecer o esgotamento do modelo pelo qual é possível dar tudo para todos. Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos os remédios, independente do seu custo possam ser oferecidos a todas as pessoas”, concluiu.

CASOS

Dois casos motivaram a análise do Supremo. O primeiro é de uma paciente do Rio Grande do Norte com hipertensão arterial pulmonar. Em 2007, ela recorreu à Justiça para ter acesso a um medicamento de alto custo não disponível no SUS. Obrigado a custear o remédio, o Estado recorreu ao STF.

O segundo caso é de uma paciente de Minas com doença renal crônica que recorreu ao Supremo para o Estado custear o acesso a um remédio sem registro na Anvisa. Para o procurador do Rio Grande do Sul Tanus Salim, que representou os Estados na primeira sessão de julgamento, os governos não podem ser obrigados a custear remédios de alto custo que não estão previstos no SUS. “Senão o atendimento a poucos usuários, feito com muitos recursos, vai inviabilizar o tratamento a todos os usuários”, diz.

Segundo o procurador, se o pedido não for atendido, Estados esperam que haja ao menos critérios. “E aí poderia verificar vários fatores: se é o único tratamento disponível, se tem certificação quanto à segurança e comprovação de eficácia e se há possibilidade de conservação e estocagem.”