
O número de processos por erro médico no Brasil segue em alta em 2025. Só no primeiro semestre, foram registrados 45.967 novos casos envolvendo pedidos de indenização por danos materiais ou morais causados por falhas na prestação de serviços de saúde, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
No Paraná, foram 998 novas ações movidas entre janeiro e junho deste ano. O dado chama atenção e reforça uma tendência preocupante sobre a segurança dos pacientes e a qualidade dos atendimentos médicos no país.
Além dos novos casos, o Brasil acumula atualmente 156.473 processos por erro médico ainda pendentes de julgamento. Outros 38.435 já foram julgados, mas os números não param de crescer. Para se ter uma ideia, em 2024 o país bateu recorde com 74.358 processos desse tipo, um aumento de 506% em relação ao ano anterior. A maior parte dos processos envolve alegações de diagnósticos errados, procedimentos mal executados, negligência e omissão de socorro.
Especialistas alertam que, por trás de cada processo, há histórias de sofrimento, perda de confiança no sistema de saúde e, muitas vezes, consequências graves para a vida dos pacientes e seus familiares. Os dados revelam a urgência de melhorar protocolos médicos, reforçar a humanização do atendimento e investir em mais capacitação nas redes pública e privada.
Entre agosto de 2023 e julho de 2024, o Brasil contabilizou 396.629 falhas na assistência à saúde, tanto na esfera pública quanto na privada. Esses dados foram levantados pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), com base em informações fornecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Para este ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1 em cada 10 pacientes sofra danos durante os cuidados de saúde, resultando em cerca de 2,6 milhões de mortes anuais devido a falhas na assistência. Aproximadamente 80% dessas falhas poderiam ser evitadas. Globalmente, mais de 134 milhões de pessoas sofrem consequências de danos assistenciais a cada ano.
Mas como está a segurança do paciente no Brasil?
Em 2013, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente, buscando promover melhorias nesse segmento. O tema ainda é relativamente novo no Brasil e, embora muitas instituições tenham aderido ao programa, o progresso ainda caminha a passos lentos. Entre os principais obstáculos encontrados para a ampla disseminação dos princípios de segurança do paciente é o sistema de remuneração do setor de saúde.
Segundo Salvador Gullo Neto, consultor de Segurança do Paciente da ONA, “o modelo de remuneração predominante no Brasil, conhecido como fee-for-service (pagamento por serviço) está presente em mais de 95% das relações comerciais entre prestadores de serviço e operadoras de planos de saúde. Ou seja, os prestadores de serviço recebem de acordo com o volume de procedimentos realizados, independentemente da qualidade do atendimento. Precisamos mudar esta cultura e implementar modelos de remuneração baseados na qualidade do serviço prestado, e não na quantidade. Sem incentivos financeiros para atender a este objetivo, as instituições tendem a focar mais no volume de atendimentos do que na qualidade e segurança. Se o incentivo for a qualidade e os resultados assistenciais, acredito que conseguiremos transformar essa realidade, colocando a segurança do paciente como prioridade máxima em todos os serviços de saúde”.
De acordo com Gullo Neto, os Estados Unidos estão em um nível mais avançado nesse aspecto. “Mesmo instituições de saúde mais simples conseguem realizar processos de acreditação, por possuírem uma preocupação forte sobre a segurança do paciente, que está muito ligada à judicialização. Todas buscam realizar os processos assistenciais de forma correta para evitar processos judiciais”, explica.
No Brasil, Gullo Neto observa que grande parte das instituições de saúde tem uma cultura punitiva e que o foco ainda é penalizar quem comete erros, sem analisar as verdadeiras causas do problema. Em geral, quando temos falha na assistência que resulta em dano a um paciente, as causas são múltiplas e quase sempre ligadas a processos mal estruturados ou inadequados. O mais simples é tentar encontrar um culpado pelo evento negativo e demitir esta pessoa como se fosse a solução do problema. Se não mudarmos essa cultura e não buscarmos entender as causas que levam aos erros, continuaremos estagnados e repetindo as mesmas falhas. As pessoas, por via de regra, não erram intencionalmente. O importante é identificar a causa raiz dos erros, aprender com as falhas e criar mecanismos para preveni-los. Isso demonstra um compromisso real com a meta de Zero Dano Evitável.”
Implementar um plano de segurança do paciente é um grande desafio. Segundo dados recentes da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, das mais de 380 mil organizações de saúde registradas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), apenas 9803 instituições contam com o Núcleo de Segurança do Paciente, o que representa apenas 2,57% do total.
“Se os gestores e equipes não estiverem preparados e focados na qualidade, o processo dificilmente avançará. E quando o sistema é implementado, a maioria acredita que os números de erros reportados diminuirão de imediato. Mas, na prática, o que acontece é o contrário: inicialmente, o número de eventos adversos aumenta, porque muitas falhas nem eram percebidas e estavam subnotificadas. Mas com um trabalho contínuo, a instituição atinge um platô mais estável, momento em que os números começam a melhorar”, explica dr. Salvador.
No Brasil, há hospitais – públicos e privados – focados em oferecer maior segurança ao paciente. “A acreditação é uma ferramenta que nos permite avaliar comprometimento das instituições com a segurança do paciente. Inclusive, o nível 1 de acreditação tem como foco os processos e métodos que garantam a segurança do paciente”, pontua.
Por onde começar com o plano de segurança do paciente?
Diversas medidas podem ser instituídas para reduzir os danos assistenciais. A portaria ministerial 529 de 2013 (Ministério da saúde) e a RDC 36 da Anvisa, também do mesmo ano, orientam os passos iniciais que seria a constituição do Núcleo de Segurança do Paciente e através dele, determinar um Plano de Segurança do Paciente.
Este plano de segurança do paciente deverá ser desdobrado para implementar as seis metas de segurança do paciente, o sistema de notificação de incidentes, a capacitação de todo o time assistencial, entre tantas outras medidas.
Quando a instituição estiver com seus processos iniciados e evoluindo na gestão da segurança do paciente, a acreditação hospitalar funciona como uma mola propulsora, acelerando o desenvolvimento da gestão na instituição de saúde, incrementando muito a qualidade dos processos e a segurança no cuidado aos pacientes.
“A obtenção da acreditação é um dos caminhos para a melhoria contínua. Os manuais da metodologia ONA acabam se tornando um grande guia para as organizações de saúde, mas exige comprometimento, disciplina e uma profunda mudança cultural dentro das organizações. Além de aumentar a segurança no atendimento médico e na realização de exames e diagnósticos, também promove maior precisão e confiança, tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde. O processo contribui ainda para minimizar riscos e reduzir falhas operacionais”, acrescenta Gilvane Lolato, gerente geral de Operações da ONA.