TEMPO FECHADO NUBLADO
Céu de Curitiba nublado na tarde de ontem: mudanças à vista para hoje (Franklin de Freitas)

A tragédia que vivencia o Rio Grande do Sul nas últimas semanas, com a ocorrência de enchentes em todo o estado devido ao excesso de chuva, vem chamando a atenção, uma vez mais, para as mudanças climáticas e seus impactos nas sociedades. E Curitiba, que fica a quase 700 quilômetros de distância de Porto Alegre (uma das localidades afetadas pelas enchentes no RS), não deve passar incólume pelas transformações ambientais. É isso o que apontam estudos feitos nos últimos anos pela própria Prefeitura de Curitiba, em esforços coordenados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).

Integrante desde 2011 do grupo C40, uma rede global que atualmente reúne quase 100 prefeitos das principais cidades do mundo para o enfrentamento da crise climática, a capital paranaense realizou ao longo da última década uma série de estudos que culminaram na criação do Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas (PlanClima), que foi divulgado em dezembro de 2020. Um desses estudos é a Avaliação de Riscos Climáticos da Cidade de Curitiba, também divulgado em 2020 e cujo objetivo era “ampliar o conhecimento sobre os riscos presentes e futuros das mudanças climáticas” em Curitiba, trazendo insumos para o “desenvolvimento de ações para aumento de resiliência da cidade”.

Basicamente, a pesquisa conseguiu, a partir de uma análise de risco (composta pela análise da exposição, da vulnerabilidade e das ameaças climáticas), identificar quais as ameaças futuras para a capital paranaense. E assim como muitas outras cidades, é provável que Curitiba também observe um crescimento dos impactos das mudanças climáticas nos próximos anos e décadas, decorrentes de ocorrências mais frequentes e intensas, principalmente, de chuvas e tempestades.

Além disso, a cidade encontra-se suscetível às secas e às ondas de calor em razão do alto grau de urbanização.

Temperatura média acima de 26ºC e dias com ‘calorão’ de 40ºC na Capital

O aquecimento de Curitiba, que já foi considerada uma das cidades mais frias do Brasil, já é uma realidade. Em 2019, por exemplo, a temperatura média na cidade (17,3ºC) já era 1,2ºC mais quente que seis décadas antes. Além disso, os dados históricos (do Inmet) mostram que a cidade teve um aumento no número de dias com temperatura máxima acima de 30ºC principalmente a partir dos anos 2000, enquanto as temperaturas negativas são cada vez mais raras.

A projeção do clima futuro indica a tendência dessas transformações climáticas se aprofundarem. Para 2099, por exemplo, o valor da temperatura média anual prevista para a cidade é de 26,1ºC, bem acima da normal climatológica oficial para o município, de 16,9ºC. Também os recordes máximos de temperatura na cidade devem ultrapassar 40ºC até o fim do século, enquanto os recordes de temperatura mínima devem ficar sempre acima de 0ºC.

Embora não exista uma tendência para aumentou ou redução do volume de chuva ao longo das próximas décadas, os dados também indicam que Curitiba deverá ter anos com chuva muito acima da média e com diversos dias consecutivos de precipitação (com ao menos um episódio de chuva considerada como muito forte por ano), além de uma forte tendência de estiagem, uma vez que poderão ser observados anos com muitos dias consecutivos sem chuva.

De acordo com o estudo, tais informações sugerem uma “maior probabilidade de ocorrência de eventos extremos de tempestades no futuro, com potencial para provocar enchentes e alagamentos. Além disso, dias consecutivos com chuva poderão causar mais deslizamentos, enquanto dias consecutivos sem chuva também serão frequentes e a cidade poderá observar longos períodos de estiagem, com reflexos sobre o abastecimento da cidade”.

Como as mudanças climáticas vão impactar o dia a dia?

Eventos climáticos extremos provocados por mudanças climáticas — alterações de longo prazo nos padrões médios do clima global ou regional ao longo de décadas ou mais — e/ou variabilidade climática (flutuações naturais e normais em torno da média que ocorrem no clima ao longo de períodos de tempo curtos e médios, que podem ser de meses a décadas) afetam toda a população e podem acarretar em problemas diversos, aponta ainda a agrometeorologista do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), Heverly Morais.

Segundo ela, questões como a saúde humana podem ser impactadas, porque há um aumento no risco de doenças relacionadas ao clima, como doenças transmitidas por insetos (por exemplo, malária, dengue), doenças respiratórias (devido à poluição do ar), doenças relacionadas ao calor (como insolação e desidratação durante ondas de calor) e lesões relacionadas a desastres naturais. Além disso, as alterações nos padrões de precipitação e temperatura também podem afetar a produção agrícola, levando à escassez de alimento, aumento dos preços dos alimentos e insegurança alimentar.

A coisa, no entanto, não para por aí. Devido às mudanças nos padrões de precipitação, também é possível que a disponibilidade e qualidade da água potável seja afetada, aumentando o risco de escassez e contaminação da água, o que pode levar a surtos de doenças transmitidas pela água. Os eventos climáticos extremos também podem causar danos à infraestrutura, perda de propriedades e vidas, deslocamento populacional e migração forçada de pessoas de áreas afetadas. E tudo isso junto pode ainda afetar o bem-estar psicológico da pessoas, diante do estresse causado por eventos climáticos extremos, das preocupações com a segurança alimentar e hídrica e da incerteza sobre o futuro.

“Em episódios extremos, como o que aconteceu em Porto Alegre, não tem infraestrutura de nenhuma cidade que esteja totalmente preparada. Mas hoje, sem dúvida, Curitiba é uma das cidades mais preparadas por conta do que já vem trabalhando. Claro que os desafios são muito grande, mas Curitiba hoje está protagonizando as ações de enfrentamento das mudanças climáticas. E esse protagonismo, essa liderança, ela é importante e necessária. Mas as mudanças climáticas são um efeito que nós estamos sentindo de uma mudança global. Então é preciso que essa transformação aconteça em todas as cidades. E é nas cidades onde, efetivamente, os problemas acontecem”
Marilza Dias, secretária do Meio Ambiente de Curitiba

As principais ameaças das mudanças climáticas e os locais mais ameaçados em Curitiba

Inundação

  • É o transbordamento das águas de um curso de água que inunda uma região quando o sistema de drenagem não é capaz de conter a vazão da chuva. Este tipo de desastre é influenciado pela urbanização desordenada e pela impermeabilidade do solo, entre outros fatores.
  • Em Curitiba, as principais áreas com risco de inundação estão próximas às margens do Rio Belém quando corta os bairros Boqueirão, Hauer, Uberaba, Jardim Botânico, Rebouças e Centro. Algumas regiões ao longo do Rio Atuba também podem ser afetadas, sobretudo no eixo do rio ao longo dos bairros Cajuru e Tarumã. Há também presença de alguns pontos de risco ao longo do Rio Barigui, no eixo que corta o bairro Cidade Industrial de Curitiba, ao longo do Ribeirão dos Padilhas, principalmente nos bairros Xaxim, Alto Boqueirão e Sítio Cercado.

Alagamento

  • Entende-se por alagamento o acúmulo momentâneo de águas em determinados locais em razão da incapacidade do sistema de drenagem em escoar a água, podendo ter ou não relação com processos de natureza fluvial.
  • Toda a cidade se encontra ameaçada por alagamento, uma vez que existem canais que atravessam toda a cidade e que podem, potencialmente, não suportar a vazão de água em um evento de chuva extrema. Dentre as principais regiões com risco de alagamento estão os bairros da região central de Curitiba (Alto da Rua XV, Centro, Bom Retiro, Mercês, Cabral, Ahú, São Francisco, Centro Cívico, Batel, Jardim Botânico, Alto da Glória, Rebouças, Prado Velho e Juvevê). Outros pontos de riscos também foram observados nos bairros Tarumã, Cajuru, Capão da Imbuia, Uberaba, Boqueirão, Hauer, Xaxim, Alto Boqueirão e Cidade Industrial de Curitiba.

Ondas de calor

  • A suscetibilidade às ondas de calor é o potencial impacto que pode ser causado em razão de um evento de ondas de calor com origem em eventos meteorológicos de larga escala.
  • Há maior risco dessas formações nas regiões centrais e mais urbanizadas da cidade, como nos bairros Centro, Alto da Rua XV, Rebouças, Jardim Botânico, Alto da Glória, Juvevê, Mercês, São Francisco, Centro Cívico, Bom Retiro e Batel. Percebe-se também esse efeito em outros bairros como Boqueirão, Xaxim, Hauer, Uberaba, Jardim das Américas, Guabirotuba, Cajuru, Cidade Industrial de Curitiba, e porção leste dos bairros Capão da Imbuia e Tarumã. São, efetivamente, as regiões mais urbanizadas da cidade.

Deslizamentos

  • Entende-se por deslizamento o escorregamento de materiais sólidos como solos, rochas e vegetação ao longo de encostas. Ocorrem principalmente em áreas de relevo acidentado, principalmente em regiões com histórico de supressão da cobertura vegetal original.
  • Os principais riscos de deslizamento em Curitiba se encontram no vetor Norte da cidade, principalmente nos bairros Pilarzinho, Abranches, Cachoeira e Santa Felicidade. O grau de risco, no entanto, pode variar ao longo dos anos, principalmente em razão das mudanças do uso e ocupação do solo numa região, o que evidencia a necessidade de preservação da cobertura vegetal original na área, uma vez que elas podem reduzir os riscos de deslizamentos.