NĂ£o existe um lugar no Brasil em que nĂ£o haja a presença e a atuaĂ§Ă£o de organizações criminosas. A afirmaĂ§Ă£o Ă© do FĂ³rum Brasileiro da Segurança PĂºblica, que mapeou a presença de 53 grupos no PaĂs. É este levantamento sobre a crise em que se transformou a Segurança PĂºblica no Brasil que mostra o tamanho da mais antiga e segunda maior organizaĂ§Ă£o criminosa do PaĂs: o Comando Vermelho (CV).
A facĂ§Ă£o voltou a ganhar destaque no debate pĂºblico nesta semana, depois que o EstadĂ£o revelou que Luciane Barbosa, mulher de um dos lĂderes do CV, foi recebida duas vezes MinistĂ©rio da Justiça de FlĂ¡vio Dino. Mas a atuaĂ§Ă£o da organizaĂ§Ă£o criminosa jĂ¡ tem mais de 40 anos.
A histĂ³ria da facĂ§Ă£o carioca Ă© conhecida: nasceu no fim dos anos 1970 no antigo presĂdio da Ilha Grande. Foi criada por oito presos do FundĂ£o, a Galeria da LSN (Lei de Segurança Nacional). Entre eles estava William da Silva Lima, o professor e autor do livro Quatrocentos Contra Um. No presĂdio, a facĂ§Ă£o travou uma guerra contra a Falange JacarĂ© pelo domĂnio da cadeia. O CV precisou de uma dĂ©cada para conquistar morros e dominar o trĂ¡fico de drogas, associando seu nome ao de assaltantes de banco, como JosĂ© Carlos GregĂ³rio, o Gordo, e ao de traficantes, como JosĂ© Carlos dos Reis Encina, o Escadinha.
Foi quando a facĂ§Ă£o deixou de ser conhecida como Falange Vermelha para passar a ter o nome atual: Comando Vermelho. Nos anos 1990 ela viu a ascensĂ£o de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar que com seus aliados buscava drogas diretamente no Paraguai e na ColĂ´mbia para abastecer os negĂ³cios do grupo. A facĂ§Ă£o, porĂ©m, nunca obteve o monopĂ³lio do crime no Rio, sendo desafiada por rivais que disputavam territĂ³rios e influĂªncia, como o Terceiro Comando e a Amigos dos Amigos (ADA).
Na Ă©poca, o CV chegou a atuar na Baixada Santista, em SĂ£o Paulo, em um acordo com o Primeiro Comando da Capital (PCC), depois rompido em razĂ£o da disputa pelos pontos de venda de drogas. O conflito entre as facções na primeira dĂ©cada do sĂ©culo deixou mais de 20 mortos, entre eles Sandro Henrique da Silva Santos, o Gulu, apontado como um dos homens da cĂºpula do PCC favorĂ¡veis ao acerto com os cariocas do CV. Ronaldo Duarte Barsotti de Freitas, o Naldinho, outro aliado do CV na regiĂ£o, desapareceu em dezembro de 2008. Na dĂ©cada seguinte, a guerra entre as duas facções seria retomada em outros Estados.
Hoje, de acordo com mapa traçado pelo Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a facĂ§Ă£o domina 24,2% dos bairros do Rio, ficando atrĂ¡s do poder das milĂcias, que controlam 25,5% dos bairros cariocas, enquanto o TCP detĂ©m o domĂnio de 8,1% e a ADA 1.9%. Recentemente, o grupo se uniu a dissidentes das milĂcias da zona oeste para expandir seu domĂnio por Ă¡reas como a comunidade GardĂªnia Azul, sob o comando do traficante Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, apontado como o principal lĂder da facĂ§Ă£o em liberdade.
Teria sido Abelha o responsĂ¡vel por ordenar em 5 de outubro o julgamento e a morte de quatro milicianos que se aliaram ao CV e assassinaram, por engano, trĂªs mĂ©dicos em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio. Um dos mĂ©dicos – Perseu Ribeiro Almeida – foi confundido com o miliciano Taillon de AlcĂ¢ntara Pereira Barboza, preso recentemente pela PolĂcia Federal.
É na regiĂ£o Norte e no Centro-Oeste do PaĂs, onde disputa o domĂnio do trĂ¡fico local e das rotas usadas para se trazer da ColĂ´mbia, da BolĂvia e do Peru, que o CV teve maior sucesso fora do Rio. A facĂ§Ă£o conseguiu se tornar hegemĂ´nica em Mato Grosso e estĂ¡ presente em todos os Estados do Norte. No Acre, por exemplo, ela domina o Vale do JuruĂ¡ e Cruzeiro do Sul, prĂ³ximo da fronteira com o Peru e com a BolĂvia. A regiĂ£o Ă© rota de passagem para a cocaĂna peruana.
No Amazonas, a facĂ§Ă£o teria promovido em junho de 2021 ataques a delegacias, bancos e Ă´nibus como represĂ¡lia em razĂ£o da morte de um de seus integrantes, que estaria sendo extorquido por policiais corruptos. É justamente no Estado em que atua o traficante Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, cuja mulher, Luciane Barbosa Farias, de 37, foi recebida duas vezes neste ano por auxiliares do ministro da Justiça, FlĂ¡vio Dino, em BrasĂlia, conforme revelou o EstadĂ£o.
A facĂ§Ă£o teria promovido ainda ataques a agentes das forças de segurança no ParĂ¡. Em 23 de março deste ano, policiais do Rio mataram Leonardo Costa AraĂºjo, conhecido como LĂ©o 41, de 37 anos, apontado como o chefe do trĂ¡fico de drogas no ParĂ¡. Ele estava escondido com outros bandidos do estado no Complexo do Salgueiro, em SĂ£o Gonçalo, na regiĂ£o metropolitana do Rio.
A presença de LĂ©o 41 na cidade revela uma tĂ¡tica cada vez mais comum do CV: usar o Rio como refĂºgio para bandidos de outros estados. Em janeiro, policiais cariocas detiveram em SĂ£o Conrado, na zona sul, o traficante Messias Tales de Souza Izidio, o TalibĂ£, um dos chefes do trĂ¡fico no CearĂ¡. Bandidos da Bahia, Rio Grande do Norte e Mato Grosso tambĂ©m foram localizados no Rio. A estratĂ©gia atual da facĂ§Ă£o passaria pela expansĂ£o de seus negĂ³cios pelo PaĂs, mantendo a disputa de quase uma dĂ©cada pelo mercado da droga.