Famílias gastam 10% da renda com o pagamento de juros de dívidas

Folha Press, editada por Ana Ehlert

As famílias brasileiras têm comprometido quase 10% de sua renda para o pagamento de juros, um reflexo preocupante da má qualidade do endividamento no país. A maior parte dessas obrigações é constituída por dívidas de curto prazo, frequentemente associadas a taxas elevadas. O dado é do Banco Central.

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Em maio de 2024, o comprometimento da renda alcançou 9,86%, marcando o maior índice desde o início da série histórica em 2005. Este aumento é especialmente notável considerando o cenário de 2023, quando foi implementado o programa Desenrola, que tinha como objetivo facilitar a renegociação de débitos.

Cartão de crédito responde pela maior parcela das dívidas

Atualmente, cerca de 27,79% da renda familiar é destinada ao pagamento de amortizações e juros, evidenciando que os encargos financeiros correspondem a mais de um terço do total. Este percentual é alarmantemente superior à média observada em 17 países desenvolvidos, cujos dados são disponibilizados pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS). Nos Estados Unidos, por exemplo, as famílias dedicam apenas 8% de sua renda ao pagamento de dívidas, enquanto no Japão esse índice é de 7,8%.

O professor Rafael Schiozer, da FGV-EAESP, destaca que a diferença entre o Brasil e outros países se deve ao fato de que aqui a maior parte das dívidas é relacionada a cartões de crédito e empréstimos pessoais, que geralmente apresentam taxas muito mais altas. Em contraste, o comprometimento da renda com crédito imobiliário — que possui juros mais baixos e é acessível apenas a uma parcela menor da população — representa apenas 2,13%.

Estêvão Kopschitz, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), acrescenta que a maioria das dívidas no Brasil é composta por operações de crédito de curto prazo, as quais apresentam taxas elevadas. Em economias desenvolvidas, por outro lado, o endividamento das famílias tende a ser voltado para financiamentos habitacionais com garantias tangíveis e juros mais baixos.

Sinal amarelo para endividamento pelos juros

A análise dos dados do Banco Central indica que o peso dos juros no orçamento familiar teve um pico em 2023, seguido por uma leve queda em 2024; no entanto, desde então houve um novo crescimento. Essa tendência negativa pode ser atribuída a uma combinação preocupante: aumento das taxas de juros e ampliação do crédito disponível.

No último levantamento realizado em junho de 2024, a taxa média anual para crédito pessoal alcançou 58,3%, o maior nível desde maio do ano anterior. Simultaneamente, o saldo do crédito com recursos livres — excluindo-se os empréstimos imobiliários — cresceu impressionantes 23,4% nos últimos dois anos.

Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), explica que esse crescimento no crédito foi impulsionado por um cenário recente de emprego e renda mais robustos. No entanto, ele alerta para os riscos associados: “Embora o emprego e a renda estejam aumentando, isso pode criar uma percepção errônea no setor financeiro sobre a redução do risco associado ao crédito“, afirma Pina.

Recentemente, foi observado um aumento no calote superior a 90 dias entre pessoas físicas, que subiu para 6,3%, indicando um “sinal amarelo” em relação à saúde financeira das famílias brasileiras. Pina ressalta que os gastos com juros cresceram 20,5% em 2024 comparado ao ano anterior, enquanto a renda anual das famílias aumentou apenas 3,2%. Isso sugere um descompasso preocupante entre crescimento da dívida e capacidade financeira.

Especialistas apontam que uma educação financeira aprimorada é essencial para ajudar na redução do endividamento prejudicial; no entanto, esta não deve ser vista como uma solução única. Kopschitz enfatiza: “É crucial aumentar a conscientização sobre os custos elevados dos créditos de curto prazo.”

Por outro lado, Schiozer sugere que mudanças nos hábitos de consumo são igualmente necessárias: “Evitar o superendividamento implica em ter um consumo que seja compatível com a renda disponível“. Ele menciona ainda um estudo do Banco Central que revela que o incentivo ao crédito consignado pode levar a consequências negativas no consumo ao longo prazo.