
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta quinta-feira, 28, que o governo editará uma medida provisória até o fim deste ano com três iniciativas para recuperar receitas perdidas com renúncias tributárias e com o pagamento de créditos judiciais. Na mais importante delas, o governo decidiu revogar a lei que havia prorrogado a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores econômicos. Em vez disso, as empresas terão desconto na tributação referente ao primeiro salário mínimo pago aos seus funcionários.
O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que os setores serão divididos agora segundo as atividades que desempenham. O primeiro grupo, formado por 17 classes de atividades, passará a recolher a contribuição patronal de 10% sobre o primeiro salário mínimo de seus funcionários. Se o trabalhador receber, por exemplo, o equivalente a cinco salários, o desconto valerá somente sobre o primeiro salário recebido.
No segundo grupo de 25 classes de atividades, as empresas recolherão 15% de contribuição patronal sobre o primeiro salário mínimo de seus funcionários.
A regra geral é que a contribuição patronal é de 20% sobre o salário dos trabalhadores. Dessa forma, o Ministério da Fazenda entende que esses setores seguirão com vantagem tributária, ainda que o cálculo seja feito de forma diferente. Barreirinhas também disse que os grupos foram divididos de forma a conceder mais descontos aos que utilizaram mais do benefício para gerar empregos, segundo avaliação feita pela SPE (Secretaria de Política Econômica).
As regras passam a valer a partir de 1º de janeiro e vão vigorar para os 17 setores já atendidos pelo programa de forma facultativa. Quem aderir, segundo Barreirinhas, terá que se comprometer com a manutenção de empregos. Segundo o secretário, o texto da MP dirá que o patamar de empregos deverá ser equivalente ao de 1º de janeiro de cada ano. O texto também ditará quais são as atividades em cada um dos dois grupos selecionados.
Lista dos setores
Os 17 setores que podem realizar a desoneração da folha são:
confecção e vestuário
calçados
construção civil
call center
comunicação
empresas de construção e obras de infraestrutura
couro
fabricação de veículos e carroçarias
máquinas e equipamentos
proteína animal
têxtil
TI (tecnologia da informação)
TIC (tecnologia de comunicação)
projeto de circuitos integrados
transporte metroferroviário de passageiros
transporte rodoviário coletivo
transporte rodoviário de cargas
Haddad já havia antecipado essa espinha dorsal para a desoneração da folha quando começou a discutir com parlamentares uma alternativa à prorrogação do programa. Ele queria que o tema fosse tratado como parte da reforma da tributação incidente sobre a renda.
Mas o ministro acabou sendo atropelado pelo Congresso, que não só decidiu pela prorrogação do benefício até 2027 mas também derrubou o veto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia imposto à desoneração.
O governo alegou que a medida era inconstitucional e se mostrou disposto a questionar a decisão do Legislativo no Supremo Tribunal Federal. Mas Lula recomendou ao ministro que buscasse uma saída negociada. A MP tem efeitos imediatos mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até seis meses para não perder a validade.
Na coletiva de imprensa para apresentar as medidas, Haddad disse esperar que o Congresso receba bem a MP, além de apontar que estará disponível para explicar as propostas. Em sua visão, as alternativas apresentadas pela equipe econômica não representam uma “afronta” ao Parlamento.
“Sempre alertamos que medida de desoneração era inconstitucional”, disse Haddad. “Sou muito grato até aqui por maneira que o Congresso trata assuntos da Fazenda”, disse.
Prefeituras
Além de alterar as regras para os 17 setores, a MP vai revogar por completo a desoneração para prefeituras com até 142 mil habitantes, dispositivo inserido pelo Senado e que para o governo também era inconstitucional. Isso porque a reforma da Previdência proibiu a concessão de novos incentivos tributários por meio do desconto das contribuições que financiam a seguridade social.
Haddad disse nesta quinta que a SRI (Secretaria de Relações Institucionais) vai iniciar uma negociação com prefeitos para ver como tratar do tema. O assunto é delicado pois 2024 é ano de eleição municipal.
Segundo Barreirinhas, a desoneração da folha de pagamentos dos 17 setores teria um custo de R$ 12 bilhões em 2024. Com a mudança via MP custará R$ 6 bilhões, que serão compensados com a extinção do PERSE (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos). O programa foi originalmente desenhado para compensar atividades prejudicadas pela pandemia da covid-19, mas em 2022 foi prorrogado por cinco anos.
Haddad alegou que, durante a tramitação no Legislativo, o combinado era que o programa custaria cerca de R$ 4 bilhões por ano, mas extrapolou estes valores. Só de isenções no pagamento de PIS/Cofins, as empresas deixaram de pagar cerca de R$ 16 bilhões neste ano, sem contar Imposto de Renda. Com a extinção, o governo pretende limitar essa renúncia em 2024 e usar R$ 6 bilhões “economizados” com o fim do programa para bancar a desoneração da folha.
A extinção será gradativa, uma vez que será necessário cumprir os requisitos legais de anterioridade. O fim da isenção no IR para essas empresas, por exemplo, só será aplicado em 2025.
Abatimento de prejuízo em impostos
A medida que vai gerar mais economia, nas contas do governo, é a criação de um teto para que as empresas que obtenham vitórias judiciais contra o Fisco possam descontar este valor do que devem na hora de pagar seus impostos.
Hoje, elas não têm esse limite e Haddad voltou a mencionar o caso da Souza Cruz, que conforme mostrou reportagem do Estadão, obteve decisão para deixar de recolher R$ 4,8 bilhões em impostos neste ano.
Neste ano, essas compensações retiraram dos cofres da União cerca de R$ 60 bilhões. Com a mudança, a estimativa da Receita é que elas fiquem ao redor de R$ 20 bilhões no ano que vem.
A MP deverá fixar um limite ao redor de 30% do crédito que a empresa poderá usufruir por ano. O teto valerá para dívidas judiciais que superem R$ 10 milhões. Segundo Barreirinhas, a ideia da Receita é fazer com que estes pagamentos ocorram em até cinco anos. Empresas que tiverem a receber menos do que o valor de corte de R$ 10 milhões vão receber mais rápido, disse o secretário. As empresas também poderão optar pela via do precatório – pagamento de títulos judiciais.
Apesar de Haddad ter citado a ‘tese do Século’ para exemplificar o problema – que corresponde a cerca de 90% desse tipo de compensações judiciais -, a limitação será aplicada para qualquer decisão judicial que abranja a possibilidade de encontro de contas via crédito acima de R$ 10 milhões.
As três iniciativas serão objeto de uma única MP, que já está na Casa Civil, e cuja data de publicação depende do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com o ministro, as propostas anunciadas não criam receita adicional, mas repõem recursos em renúncias que não estavam inicialmente previstas no projeto de lei orçamentária enviado pelo governo em 31 de agosto, já aprovado pelo Congresso.