PEC dos Precatórios: risco de transformar dívidas judiciais em “ciclo perpétuo” de pagamentos

Mario Akira
justiça

Precatórios e Justiça (Foto: Arquivo/Agência Brasil)

Após ter sido aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera as regras de pagamento de precatórios — dívidas judiciais que estados e municípios têm com cidadãos e empresas — vem avançando rapidamente no Congresso Nacional. Depois da Câmara, a PEC já passou em primeiro turno no Senado, e a votação final é aguardada para essa quarta-feira (20).

Precatório é uma ordem de pagamento emitida pelo Poder Judiciário contra a Fazenda Pública (União, Estados, Municípios ou suas autarquias), após decisão judicial definitiva (trânsito em julgado), referente a condenações de valores devidos em ações judiciais. Representa, portanto, o crédito do cidadão ou empresa contra o ente público.

Os pagamentos ocorrem de acordo com um sistema previsto na Constituição Federal denominado Regime Geral, no qual o valor dos precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano seja incluído para pagamento até o final do exercício seguinte, pagando-os de forma cronológica e integral, respeitando a ordem de apresentação e a natureza do crédito (alimentar ou comum), com prazos definidos e sem possibilidade de fracionamento, parcelamento ou quebra da ordem.

Entretanto, diversos entes públicos acumularam grandes atrasos e dívidas de precatórios. O histórico mostra uma sucessão de moratórias e prorrogações. A Emenda Constitucional nº 62/2009 criou o Regime Especial, com prazo de 15 anos para quitação.

Em 2016, a EC nº 94 reestruturou o regime e estabeleceu o prazo final de 2020. Pouco depois, a EC nº 99/2017 prorrogou esse prazo para 31 de dezembro de 2024. Já a EC nº 109/2021 concedeu nova moratória, empurrando o prazo final para 31 de dezembro de 2029. No mesmo ano, a EC nº 113 alterou o índice de correção, substituindo-o pela taxa Selic.

Essa repetição de adiamentos levanta dúvidas sobre a capacidade real de os entes públicos honrarem os compromissos assumidos, uma vez que, mesmo com prazos sucessivamente ampliados, o cenário de quitação nunca se concretizou.

Atualmente, com base na EC 113/2021, no Regime Especial esses débitos devem ser quitados até 2029. Com a nova PEC, no entanto, o horizonte se estende de forma incerta e, pode inviabilizar que milhares de credores recebam o que lhes é de direito.

A seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) encomendou um estudo à consultoria Grand Hill para avaliar os impactos da mudança. O levantamento, conduzido pelo cientista de dados João Muzzi, resultou em um simulador interativo que projeta a evolução das dívidas de todos os entes públicos do país diante das novas regras.

“Desenvolvemos um simulador nacional que permite enxergar de maneira clara como as dívidas dos entes públicos se comportariam ao longo dos anos. No Regime Especial atual, eles são obrigados a quitar seus passivos até 2029. Já com as novas regras, o cenário se altera substancialmente para quem espera receber seus valores devidos”, afirma Muzzi.

De acordo com o simulador, a PEC 66 impõe limites rígidos de pagamento, vinculados a percentuais da Receita Corrente Líquida (RCL). Enquanto hoje os estados e municípios são obrigados a quitar integralmente suas dívidas até 2029, a proposta estabelece tetos que variam de 1% para estoques baixos (menos de 15%) até 5% para estoques muito elevados (mais de 85%). Além disso, a PEC altera a forma de correção dos valores, reduzindo-a para IPCA + 2% ao ano (juro simples) ou Selic, o que for menor, o que tende a desvalorizar os créditos ao longo do tempo. Outro ponto central, explica o advogado Marcello Lauer, Senior Partner da Grand Hill, é “a revogação do prazo final para a quitação, abrindo espaço para que os precatórios se acumulem indefinidamente, transformando-se em uma dívida sem horizonte de liquidação”.

O simulador permite ainda comparar diferentes cenários a partir de variáveis como taxa de correção da dívida, crescimento da RCL e percentual de entrada de novos precatórios. No caso do Paraná, por exemplo, o estoque da dívida estimado em 2025 é de cerca de R$ 8,6 bilhões. Com a aplicação das novas regras, o modelo aponta que esse valor poderia superar R$ 19 bilhões até 2036, evidenciando o risco de deterioração da capacidade de pagamento do Estado e de frustração de expectativas para os credores.

O uso do simulador, disponível ao público na página da OAB/PR neste link, evidencia de forma clara como as mudanças propostas pela PEC podem comprometer direitos adquiridos de servidores, aposentados, empresas e demais credores. A OAB-PR já manifestou oposição à proposta, ressaltando que a medida afronta a segurança jurídica e amplia a incerteza sobre o recebimento de valores reconhecidos pela Justiça.

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