
De uma água mineral centenária às pipocas que viraram tradição curitibana, duas histórias familiares mostram como marcas paranaenses atravessaram gerações sem perder a essência. Nascida em 1898 em Campo Largo, a Ouro Fino, e criada em 1978 em Curitiba, a Pipoteca, provaram que tradição e família podem sim transformar produtos em parte da memória afetiva de milhares de consumidores.
Quem mora em Curitiba, região Metropolitana e Litoral do Paraná conhece a Pipoteca. E não importa a idade, de avós aos netos todos já comeram pelo menos uma vez um salgadinho da marca, que é quase um patrimônio curitibano.
Os salgadinhos estão em bancas, postos de gasolina, mercados e nas mãos de vendedores ambulantes. O que pouca gente sabe que a famosa Pipoteca, que hoje conta com uma linha de 50 produtos e 80 colaboradores, é resultado de uma indústria totalmente familiar que ultrapassou as fronteiras de Curitiba e já está no Paraná todo, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul.
A empresa começou com o “seu pipoteco”, Sebastião dos Santos, 91 anos, e sua esposa, senhora Plácida. Eles chegaram a Curitiba em 31 de julho de 1978 e logo no dia seguinte começaram a trabalhar na fábrica. Na época, eles venderam tudo o que tinham em Pouso Redondo (Santa Catarina) e compraram o terreno onde até hoje funciona a loja da fábrica, no bairro Fanny. O nome surgiu da combinação de “pipoca” com “discoteca”, em alusão às danceterias da década de 1970 e na onda da novela Dancin’ Days.
Hoje, a Pipoteca conta gerenciamento de sete dos nove filhos do Seu Sebastião, isso porque uma das filhas não trabalha e um morreu há seis anos. Três trabalham na loja da fábrica no bairro Fanny, em Curitiba, e outros quatro na fábrica que fica em Fazenda Rio Grande, na Região Metropolitana de Curitiba. Dois netos do Seu Pipoteco também atuam no empreendimento. Os bisnetos de Seu Sebastião, que são 18, também acabam ajudando, principalmente nas férias.
“Assim como eu fazia na minha adolescência, eles vem ajudar. É um aprendizado para eles. Meu filho trabalhou aqui e minha filha, Pauline é uma das bisnetas que trabalha aqui comigo”, conta Alcione dos Santos, 56 anos, filho do seu “Pipoteco”. Ele está na linha de frente do empreendimento desde sempre. A transformação de um projeto do Seu Sebastião em uma indústria familiar não foi planejada, mas natural.
“Foi algo natural. Eu nunca pensei em sair da empresa, assim como meus irmãos. Fomos plantando todos juntos e a continuidade do negócio foi natural”, conta ele. E não é pouco trabalho. “Fomos criados para trabalhar muito. Nunca fomos os filhos do dono, sempre fomos trabalhadores, de segunda a segunda. E o resultado continua a vir.”

Ele cuida hoje do lado “mais comercial” da fábrica. “Por ser uma empresa familiar, cada um foi direcionado para uma área. Eu fiquei com o lado comercial, principalmente na distribuição para os supermercados”.
Para ele, a empresa com administração familiar tem vantagens e desvantagens: “Somos mais pé no chão, somos mais cabeças pensando juntas. Tudo se decide junto e isso, para nós, é mais fácil, porque somos irmãos. Mas por outro lado pode segurar o desenvolvimento do negócio”. Segundo Alcione, na Pipoteca, o segredo do seu Sebastião continua a dar certo: “Seguimos o que pai nos ensinou. Dividimos as tarefas e as decisões”.
O segredo da Pipoteca? Responsabilidade e fidelidade
O segredo para um negócio tão duradouro e com tanta popularidade? Para Alcione, é a responsabilidade com todos os envolvidos que gera uma fidelidade.
“Uma indústria não se faz sozinha, ela depende de fornecedores, revendedores, supermercados, consumidores. E nós levamos tudo muito a sério, como o pai nos ensinou. Nós jamais prometemos o que não podemos cumprir. O negócio tem que ser bom para todas partes, tem que ser parceria. Levamos tudo a sério e podemos andar de cabeça erguida. Tanto que nossos fornecedores trabalham conosco há 40 anos”, diz Alcione.
Ele lembra que com essas parcerias fortes que, por exemplo, que a fábrica da Pipoteca tivesse os insumos necessários durante a pandemia de Covid, quando muitas empresas suspenderam a produção: “A gente tem uma parceria de anos, uma história construída. durante todos esses anos”.
O reconhecimento da marca é revelado todos os dias. “Quando eu falo que sou da Pipoteca, só recebo elogios. Conhecem a marca e isso dá um orgulho muito grande para nós”.
Pipoteca: novos produtos e meta de dobrar a produção
A Pipoteca era só a pipoca doce. Mas logo depois foi a vez de testar o arroz e o macarrão na mesma máquina, foi assim que surgiu o famoso caramujo doce da Pipoteca. E curiosidade: alguns dos salgadinhos eram testes que “davam errado” e no final foram um grande sucesso. É o caso do tradicional salgadinho de manteiga, da linha de milho, que, hoje, é o carro-chefe. Hoje, são mais de 50 produtos na linha de produção da fábrica em Fazenda Rio Grande.

E as novidades não param. A Pipoteca lançou recentemente uma linha de pipocas gourmet e novos sabores dos salgadinhos de milho. “O que está dando certo não podemos mudar, mas podemos melhorar, como é o caso de algumas embalagens. Vamos fazer uma embalagem metalizada para a linha manteiga. Meu pai sempre foi muito inovador, a empresa herdou isso dele. Também criamos sempre novos sabores, porque temos que atingir novos clientes”, conta Alcione. Segundo ele, a Pipoteca trabalha muito com testes. “Fazemos degustação na loja e pesquisamos a reação dos consumidores. De acordo com Alcione, a regra é que o que dá certo em Curitiba, acaba dando certo em outras cidades e estados: “O curitibano é muito exigente”.
Com os clientes, compradores e fornecedores fiéis à marca, a Pipoteca continua com planos de expandir. A planta de Fazenda Rio Grande é uma prova disso. A nova fábrica tem oito metros quadrados, cinco a mais que a da Fanny. “Por isso estamos conseguindo criar novos produtos com uma linha de produção maior. Agora é inovar sem perder a tradição. Podemos dobrar a produção”, diz Alcione. “Quem sabe daqui a 20 anos, o espaço na Fazenda Rio Grande seja pequeno”.
A Pipoteca também tem o plano de até 2026 colocar os produtos em 100% das redes de supermercados da Região de Curitiba. Uma diferença está neste perfil do nosso cliente. Antes, éramos um salgadinho de colégio e por isso demoramos a entender essa mudança que o novo consumidor está nas grandes redes de supermercado”, explica.
Onde encontrar a Pipoteca
A Pipoteca tem mais de 50 produtos hoje, incluindo os novos suspiros. Todos ficam disponíveis na loja da fábrica na rua Leonel França, 192 – Fanny/CWB. E, claro, os revendedores estão espalhados pelos mais variados terminais de ônibus, bancas e outros estabelecimentos pela cidade.
Ouro Fino: nova fase ainda paranaense e preservando o legado
Quem abre uma garrafa de Ouro Fino talvez não imagine a quantidade de histórias que correm junto com a água. Nascida em 1898, em Campo Largo, a marca atravessou gerações da família Mocellin, preservando não só a pureza da água, mas também os mais de 6 milhões de metros quadrados de mata que protegem a fonte.
Em março de 2024, a história da Ouro Fino entrou em uma nova fase. A marca passou a integrar o Grupo Zonta, conglomerado que começou no varejo e hoje reúne supermercados, indústrias de plástico, postos de combustível e outros negócios.
A aquisição da marca, que levou três anos de negociações sigilosas, surpreendeu até mesmo integrantes da própria família Zonta. Logo nos primeiros dias após a compra, o Grupo Zonta tratou de resolver pendências trabalhistas e de dar segurança aos cerca de 180 colaboradores. A maioria permanece na empresa, alguns até com mais de 30 anos de casa.
Diferente do que costuma acontecer dentro do grupo, a condução da empresa não ficou nas mãos de um dos filhos do presidente Joanir Zonta, mas sim de seu neto, Brayan Zonta, de 33 anos.
Brayan cresceu entre prateleiras e corredores de supermercado. “Meu pai trabalha com grameira, e eu até queria seguir esse caminho. Mas ele sempre dizia que nós iríamos para o mercado. Então, com 18 anos, entrei no varejo”, conta.

Foram 13 anos de treinamento no setor administrativo, logística e expansão. Tudo para estar pronto no momento certo. E o momento chegou em março de 2024. De repente, aquele jovem que sempre se via no atacado e no varejo recebeu a missão de comandar uma empresa centenária, com quase 200 colaboradores e uma responsabilidade gigante: manter viva a tradição da água que faz parte do dia a dia de tantos paranaenses.
Marca está na memória afetiva de famílias
A transição não foi apenas empresarial. Ela mexeu com a memória afetiva de famílias. Afinal, quem nunca teve uma garrafa de Ouro Fino na mesa do almoço de domingo? Para Brayan, o maior desafio é equilibrar respeito e inovação: “A marca carrega um legado muito forte. Nossa missão é manter a qualidade e, ao mesmo tempo, colocar a Ouro Fino no patamar que já ocupou”.
A herança da família Mocellin também não foi esquecida. O cuidado com o meio ambiente continua sendo prioridade. Na prática, isso significa manter intactos os 6 milhões de metros quadrados de mata nativa que protegem a fonte e investir em tecnologia para garantir a qualidade. Dentro da fábrica, em Campo Largo, um laboratório próprio realiza testes diários que comprovam a qualidade da água.
A produção hoje varia entre 150 e 200 mil litros por dia, dependendo das condições climáticas. Mas, mais do que números, o que Brayan valoriza é a confiança do consumidor: “Queremos que as pessoas continuem levando a Ouro Fino para casa com a mesma certeza de qualidade que sempre tiveram”.
Quando o assunto é expansão, cuidar das origens da marca é prioridade. “Seu Joanir sempre fala: a gente tem que fazer um trabalho de casa bem feito aqui em Curitiba, na região metropolitana e no Paraná. Depois, aí sim, podemos olhar para outros estados”, explica Brayan.
O CEO diz que se inspira no avô, Joanir Zonta, que costuma repetir que quer apenas mais 15 anos de trabalho antes de se aposentar. “Quando cheguei aqui, tudo era muito novo, mas sempre tive em mente que a gente precisa sair de casa para trabalhar com amor e carinho, como ele faz”, afirma.
Ao falar da própria jornada, Brayan não esconde a transformação pessoal: foi uma mudança radical, que exigiu entregar resultados, evoluir diariamente e se dedicar ao negócio. “Hoje, se alguém me perguntasse se eu me vejo fora daqui, eu diria que não sei como seria”, completa.
Brayan destaca que o futuro da Ouro Fino está garantido dentro da própria família. Seus irmãos já estão assumindo funções no grupo, assim como a prima, o que mostra que há espaço para todos contribuírem. Para ele, não há dúvidas de que a família seguirá unida na condução da empresa, sem cogitar se desfazer do negócio ou abrir mão da tradição.
Estância Ouro Fino
O local está aberto para visitação. Lá, é possível se refrescar nas piscinas abastecidas diretamente pela fonte de água mineral, além de explorar trilhas ecológicas (mais de sete, com diferentes níveis de dificuldade), caminhar por bosques tranquilos, vislumbrar paisagens do mirante no Morro das Endoenças, visitar a Capela Nossa Senhora da Luz, e até ver animais silvestres.
Para visitar, o endereço é Estrada de Ouro Fino, s/n – Bateias, Campo Largo. O local funciona sábado, domingo e feriados, das 7h30 às 18h. O ingresso adulto (12 a 59 anos) custa R$ 40. Crianças de 4 a 12 anos e idosos a partir de 60 anos têm direito a meia-entrada.