Apesar do aumento no nĂºmero de mĂ©dicos nos Ăºltimos anos, a distribuiĂ§Ă£o desigual dos profissionais entre capitais e cidades do interior persiste no PaĂs. De acordo com a nova Demografia MĂ©dica, divulgada nesta terça-feira, 15, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o nĂºmero de mĂ©dicos no Brasil passou de 304.406 para 575.930 entre 2010 e 2024, um crescimento de 89,19%. No entanto, essa expansĂ£o nĂ£o foi suficiente para corrigir as disparidades.
Atualmente, 52% dos mĂ©dicos estĂ£o concentrados nas capitais, onde residem apenas 23% dos brasileiros. Em contrapartida, 77% da populaĂ§Ă£o vive em municĂpios do interior, mas apenas 48% dos mĂ©dicos estĂ£o disponĂveis nessas Ă¡reas.
Em termos prĂ¡ticos, isso significa que, nos grandes centros, a mĂ©dia Ă© de 7,03 mĂ©dicos para cada mil habitantes, o que equivale a cerca de 142 pacientes por mĂ©dico. JĂ¡ nas cidades interioranas, um Ăºnico profissional precisaria dar conta, em mĂ©dia, de 529 pacientes.
Em algumas regiões especĂficas, como no Norte e no Nordeste, essa disparidade Ă© ainda mais evidente. No interior de Roraima, por exemplo, hĂ¡ registro de apenas 32 mĂ©dicos, resultando em uma mĂ©dia de 7.143 pacientes para um Ăºnico profissional. No interior do Amazonas, sĂ£o 0,2 mĂ©dicos para cada mil pacientes, o equivalente a 5 mil pessoas por mĂ©dico. JĂ¡ em Sergipe, hĂ¡ uma mĂ©dia de 2.703 moradores para um mesmo profissional.
Enquanto isso, em VitĂ³ria (ES), a situaĂ§Ă£o Ă© inversa: sĂ£o 18,7 profissionais de medicina para cada mil pessoas, o que resultaria, em tese, em carga de trabalho menos excessiva, maior facilidade para conseguir tratamento e menos fila de espera. Em capitais como Porto Alegre (RS), FlorianĂ³polis (SC) e Belo Horizonte (MG), a taxa tambĂ©m Ă© maior: sĂ£o 11,82, 10,49 e 9,7 mĂ©dicos para cada mil habitantes, respectivamente.
Causas da desigualdade
Na visĂ£o do presidente do CFM, JosĂ© Hiran Gallo, a desigualdade na distribuiĂ§Ă£o de mĂ©dicos vai alĂ©m da questĂ£o de remuneraĂ§Ă£o. Ela estĂ¡ ligada a aspectos estruturais e logĂsticos que dificultam a fixaĂ§Ă£o de profissionais para alĂ©m dos grandes centros. “Tem que ter laboratĂ³rio, tem que ter leitos de internaĂ§Ă£o, condições de trabalho e de vida”, afirmou. “NĂ£o Ă© sĂ³ de salĂ¡rio que nĂ³s vivemos. NĂ³s vivemos tambĂ©m de um contexto geral. E quando o mĂ©dico se desloca, ele se desloca com a sua famĂlia”, acrescentou Gallo.
O 2° secretĂ¡rio e diretor de comunicaĂ§Ă£o do CFM, Estevam Rivello, destacou que hĂ¡ algumas especialidades difĂceis de exercer em locais sem estruturas especĂficas e lembrou que, no Ă¢mbito da saĂºde pĂºblica, a responsabilidade pela contrataĂ§Ă£o dos mĂ©dicos recai sobre prefeitos e secretĂ¡rios municipais. Para ele, uma forma de lidar com a desigualdade na distribuiĂ§Ă£o de especialistas e a necessidade de encaminhamento para consultas especializadas seria ampliar o diĂ¡logo entre secretarias municipais e estaduais de SaĂºde, para melhorar o fluxo de filas, e utilizar soluções como a telemedicina.
“Hoje, quase 75% da populaĂ§Ă£o brasileira depende do SUS e 25%, da saĂºde suplementar”, lembrou Gallo. “Enquanto isso, hĂ¡ regiões em que os mĂ©dicos simplesmente nĂ£o ficam. RondĂ´nia, por exemplo, tem 12 faculdades de medicina, mas, assim que formados, os mĂ©dicos vĂ£o para outros lugares. No Acre, a mesma coisa: quase 70% dos mĂ©dicos formados se deslocam. Por quĂª? Porque o Estado nĂ£o promove ações de incentivo”, opinou.
A 2ª vice-presidente do CFM, Rosylane Rocha, sugeriu a implementaĂ§Ă£o de concursos pĂºblicos para atrair profissionais nas regiões com maior dĂ©ficit. Ela destacou ainda que Estados que adotam polĂticas voltadas para o desenvolvimento de planos de carreira tĂªm maiores chances de mobilizar profissionais. “NĂ³s vemos isso em profissões como magistrado e nas polĂcias federais”, exemplificou.
Quantidade x qualidade
Com o crescimento do nĂºmero de mĂ©dicos no Brasil, impulsionado principalmente pela expansĂ£o das faculdades de medicina, a mĂ©dia nacional de profissionais da saĂºde por mil habitantes atingiu 3,07 em 2024, superando paĂses como os Estados Unidos (2,7 por mil), JapĂ£o e Coreia do Sul (ambos com 2,6 por mil). Alguns locais tĂªm desempenhado papel significativo nesse aumento, registrando Ăndices superiores Ă mĂ©dia nacional, como Distrito Federal (6,3), Rio de Janeiro (4,3), SĂ£o Paulo (3,7), EspĂrito Santo (3,6), Minas Gerais (3,5) e Rio Grande do Sul (3,4).
No entanto, esse crescimento numĂ©rico nĂ£o reflete, necessariamente, uma melhora na qualidade da formaĂ§Ă£o mĂ©dica. Segundo Gallo, o aumento de cursos de medicina no PaĂs nĂ£o tem sido acompanhado de padrões tĂ©cnicos mĂnimos, como a obrigatoriedade de hospitais universitĂ¡rios para o treinamento prĂ¡tico. Para o CFM, uma das maneiras de garantir a qualidade dos profissionais que chegam ao mercado seria a aplicaĂ§Ă£o de provas de proficiĂªncia para avaliar os recĂ©m-formados.