O governo de SĂ£o Paulo planeja fazer ajustes no plano de tĂºnel submerso ligando Santos e GuarujĂ¡, no litoral de SĂ£o Paulo, para atender a demandas de moradores da regiĂ£o. O Estado apresentou uma proposta de novo traçado durante reuniões com representantes do bairro Macuco na segunda-feira, 28, mas nĂ£o divulgou detalhes.

O novo projeto prevĂª a criaĂ§Ă£o de uma “superquadra” para reduzir o impacto na populaĂ§Ă£o do entorno durante as obras. SerĂ¡ um espaço equivalente a quatro campos de futebol entre as avenidas Rodrigues Alves e Senador Dantas, e as ruas JosĂ© do PatrocĂ­nio e Almirante TamandarĂ©, na regiĂ£o do Macuco, Ă  margem do estuĂ¡rio, em Santos. Foram propostas tambĂ©m mudanças na chegada do tĂºnel nas Ă¡reas urbanas das duas cidades para reduzir desapropriações.

No GuarujĂ¡, a saĂ­da do tĂºnel serĂ¡ desviada de uma Ă¡rea em processo de reurbanizaĂ§Ă£o e ganharĂ¡ uma extensĂ£o de 1,5 km atĂ© a rodovia CĂ´nego DomĂªnico Rangoni. Uma mudança proposta por tĂ©cnicos, de reduzir a profundidade do tĂºnel de 21 metros para 18 nĂ£o foi incluĂ­da na nova proposta, mas ainda pode ser avaliada. A menor profundidade reduziria custos, mas pode representar obstĂ¡culo no futuro para a entrada de navios de maior calado no porto.

Segundo a Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI), as mudanças serĂ£o validadas pelo grupo de trabalho integrado por representantes dos governos paulista e da UniĂ£o e pela Autoridade PortuĂ¡ria de Santos (ADS). Em seguida, serĂ£o revisadas e apresentadas ao Tribunal de Contas da UniĂ£o – a obra Ă© parceria dos governos estadual e federal.

O tĂºnel continuarĂ¡ com os 870 metros previstos, mas foram feitos ajustes geomĂ©tricos nos dois acessos, segundo as prefeituras das duas cidades. A “superquadra” em Santos, espaço com sinalizaĂ§Ă£o prĂ³pria, vai distribuir o trĂ¢nsito na regiĂ£o e serĂ¡ isolada do canteiro de obras para reduzir o impacto na populaĂ§Ă£o.

NĂ£o foi alterada a configuraĂ§Ă£o do tĂºnel, que terĂ¡ seis pistas, com trĂªs em cada sentido, uma delas podendo ser convertida para o VeĂ­culo Leve sobre Trilhos (VLT). A extensĂ£o total, incluindo os acessos, pode chegar a 3 km, se considerado o prolongamento na saĂ­da do tĂºnel em GuarujĂ¡.

O tĂºnel ligarĂ¡ o quadrilĂ¡tero formado pela “superquadra” em Santos ao distrito de Vicente de Carvalho, na cidade vizinha. A proposta de isolar as obras partiu da AssociaĂ§Ă£o ComunitĂ¡ria do Macuco, que reĂºne moradores, comerciantes e empresĂ¡rios do bairro. A nova alternativa reduziria o impacto em desapropriações, mas ainda assim devem ser desapropriados, somente no bairro, 65 imĂ³veis, entre residĂªncias e estabelecimentos comerciais. No total, incluindo GuarujĂ¡, sĂ£o mais de 700 desapropriações previstas.

Conforme a secretĂ¡ria de Planejamento do GuarujĂ¡, Polliana Iamonti, na nova modelagem da PPP foi acolhida a proposta de estender a saĂ­da do tĂºnel, que terminaria na Praça 14 Bis, por mais 1,5 km, atĂ© a rodovia CĂ´nego Domenico Rangoni. “SerĂ¡ uma via segregada para evitar que o trĂ¢nsito pesado cause impacto nas vias urbanas de Vicente de Carvalho”, disse ao EstadĂ£o. TambĂ©m foi solicitado, e estĂ¡ em estudo, um ajuste na saĂ­da da boca do tĂºnel para evitar que sejam desapropriadas famĂ­lias que acabam de obter os tĂ­tulos de regularizaĂ§Ă£o de seus imĂ³veis.

ApĂ³s a avaliaĂ§Ă£o, a documentaĂ§Ă£o do projeto serĂ¡ atualizada e encaminhada ao Tribunal de Contas da UniĂ£o (TCU) para aprovaĂ§Ă£o. Na terça-feira, 29, o governador de SĂ£o Paulo, TarcĂ­sio de Freitas (Republicanos), sancionou o projeto de lei que autoriza a contrataĂ§Ă£o da parceria pĂºblico-privada (PPP) para a construĂ§Ă£o, operaĂ§Ă£o e manutenĂ§Ă£o do tĂºnel.

O edital da PPP deve ser publicado em junho de 2025 e a licitaĂ§Ă£o estĂ¡ prevista para agosto do mesmo ano. O tĂºnel serĂ¡ construĂ­do embaixo do mar, atravessando o estuĂ¡rio de Santos.

A obra darĂ¡ mais agilidade para travessia entre as duas cidades, hoje feita por rodovia ou pelo sistema de balsas. Atualmente, as balsas transportam 78 mil pessoas e cerca de 20 mil veĂ­culos por dia. A travessia, que hoje demora cerca de 18 minutos, alĂ©m do tempo de espera de ao menos 15 minutos (depende das condições do clima e da passagem de navios pelo estuĂ¡rio) poderĂ¡ ser feita em 5 minutos.

O projeto, qualificado no Programa de Parcerias de Investimentos do Estado de SĂ£o Paulo e integrado ao Programa de AceleraĂ§Ă£o do Crescimento (PAC) do governo federal, custarĂ¡ cerca de R$ 6 bilhões. Desse total, 86% serĂ£o de aporte pĂºblico dividido igualmente entre Estado e UniĂ£o. Os 14% restantes provĂ©m da iniciativa privada. A previsĂ£o Ă© de gerar 9 mil empregos diretos e indiretos. O tĂºnel serĂ¡ o primeiro em modelo submerso da AmĂ©rica Latina.

Para o engenheiro TarcĂ­sio Celestino, professor da Escola de Engenharia de SĂ£o Carlos da Universidade de SĂ£o Paulo, a alteraĂ§Ă£o na profundidade do tĂºnel de 21 para 18 metros, melhoraria o projeto, reduzindo a extensĂ£o da rampa de acesso e a pressĂ£o da Ă¡gua sobre o conjunto. Especialista nesse tipo de construĂ§Ă£o, Celestino trabalhou no projeto original do tĂºnel pela empresa contratada pela extinta Dersa – Desenvolvimento RodoviĂ¡rio S/A, na dĂ©cada passada.

“Na Ă©poca houve uma solicitaĂ§Ă£o da autoridade portuĂ¡ria para que fosse com 21 metros a partir da camada de proteĂ§Ă£o, mas Ă© jogar dinheiro fora”, disse.

Ele lembra que o calado do Porto de Santos hoje nĂ£o chega a 15 metros, mas o porto tem projeto de dragagem para receber navios maiores. “Nas eclusas do canal do PanamĂ¡ que determinam o calado dos navios que circulam pelo continente a profundidade nĂ£o chega a 16 metros. Todos os tĂºneis imersos que estĂ£o sendo feitos nos portos mais movimentados do mundo, AntuĂ©rpia, Hong Kong, Oslo, AmsterdĂ£, nĂ£o tĂªm tĂºnel mais profundo do que 18 metros. Para que Santos precisa de 21 metros?”, questionou.

Para o engenheiro naval Casemiro Tercio Carvalho, que presidiu a Companhia Docas do Estado de SĂ£o Paulo (Codesp) e o Departamento HidroviĂ¡rio (DH), as mudanças pontuais nĂ£o alteram a essĂªncia do projeto do tĂºnel submerso, que ele considera muito bom. “Houve alterações nos encaixes da embocadura do tĂºnel nos dois lados, em Santos e no GuarujĂ¡, mas o projeto estĂ¡ mantido. EstĂ¡ havendo boa convergĂªncia entre as equipes do estado e a autoridade portuĂ¡ria”, disse.

A prefeitura de Santos informou ter participado da reuniĂ£o onde foram apresentadas as diretrizes preliminares do novo projeto e aguarda o envio oficial da nova proposta para avaliaĂ§Ă£o.

Quase um século

Uma ligaĂ§Ă£o seca entre Santos e GuarujĂ¡ vem sendo discutida hĂ¡ quase um sĂ©culo. Segundo o Sindicato dos Engenheiros do Estado de SĂ£o Paulo em Santos, em 1927 jĂ¡ se estudava a construĂ§Ă£o de um tĂºnel escavado para a passagem do bonde elĂ©trico. Em 1948, houve proposta do governo de SĂ£o Paulo de se construir uma ponte levadiça sobre o estuĂ¡rio. No ano de 1970, o governo estadual propĂ´s uma ponte com acesso helicoidal para manter o gabarito de passagem de navios para o porto.

JĂ¡ neste sĂ©culo iniciou-se uma discussĂ£o entre ponte e tĂºnel, atĂ© que em 2011 o governo estadual decidiu pelo tĂºnel submerso, apresentando os projetos bĂ¡sico e executivo. Mas a ponte continuou sendo defendida e o processo para o tĂºnel foi cancelado em janeiro de 2015.

Em fevereiro deste ano, nas comemorações dos 132 anos do Porto de Santos, o governo de SĂ£o Paulo e o governo federal anunciaram uma parceria para a transposiĂ§Ă£o do canal do estuĂ¡rio, com largura mĂ©dia de 400 metros, atravĂ©s de um tĂºnel submerso.

O porto Ă© formado por um conjunto de terminais de armazenagem e movimentaĂ§Ă£o de cargas e passageiros instalados ao longo do estuĂ¡rio que divide os dois municĂ­pios, alĂ©m de CubatĂ£o. Atualmente, o trajeto de uma margem Ă  outra principalmente para veĂ­culos pesados tem a opĂ§Ă£o rodoviĂ¡ria, pela rodovia CĂ´nego DomĂªnico Rangoni. O fluxo de carros, motos, ciclistas e pedestres Ă© atendido pelo sistema de balsas.

Os dois sistemas estĂ£o saturados, sobretudo na alta temporada, devido Ă  demanda de turistas. A travessia Santos-GuarujĂ¡ por balsas Ă© considerada a maior do mundo. O tĂºnel reduziria a saturaĂ§Ă£o.

O acordo de cooperaĂ§Ă£o tĂ©cnica entre os dois nĂ­veis de governo foi assinado no dia 16 de fevereiro e envolve, pela UniĂ£o, o MinistĂ©rio dos Portos e Aeroportos e, pelo estado, a Secretaria de Parcerias em Investimentos, alĂ©m da APS. Participam ainda como intervenientes a AgĂªncia Nacional de Transportes AquaviĂ¡rios (Antaq) e a Artesp. Em março, foi aberta consulta pĂºblica para receber sugestões da sociedade sobre o projeto, que agora recebe adaptações.

Etapas da construĂ§Ă£o

– PreparaĂ§Ă£o do solo: uma trincheira Ă© cavada no fundo do canal para abrigar os mĂ³dulos que formarĂ£o a estrutura. SerĂ£o instaladas placas de concreto na vala para suportar os elementos (peças de concreto) do tĂºnel.

– ConstruĂ§Ă£o: as peças construĂ­das em doca seca prĂ³xima do local onde ficarĂ¡ o tĂºnel contam com piscinas provisĂ³rias no interior. Os reservatĂ³rios fazem com que a estrutura nĂ£o afunde na Ă¡gua em um primeiro momento.

– Transporte: Prontas, as peças passam por testes de vedaĂ§Ă£o e impermeabilidade. Na sequĂªncia, a doca seca Ă© inundada. Por conta das piscinas provisĂ³rias, as pelas flutuam para serem transportadas para o local da montagem do tĂºnel.

– Posicionamento: Os elementos (peças) sĂ£o fixados em pontes flutuantes e posicionados por sistemas eletrĂ´nicos no ponto exato onde devem ser imersos.

– SubmersĂ£o: A Ă¡gua presente nas piscinas provisĂ³rias dos mĂ³dulos Ă© bombeada, fazendo submergir lentamente os elementos do tĂºnel. O processo Ă© monitorado por sensores.

– LigaĂ§Ă£o dos elementos: Por meio de guinchos hidrĂ¡ulicos, as peças de concreto sĂ£o aproximadas atĂ© o contato entre elas.

– Acoplagem: A uniĂ£o final dos mĂ³dulos de tĂºnel contĂ­guos Ă© feita pela diferença de pressĂ£o atmosfĂ©rica no interior do elemento jĂ¡ posicionado e a pressĂ£o que a Ă¡gua exerce no novo elemento.

– Nivelamento: Em uma das extremidades da peça sĂ£o ancorados macacos hidrĂ¡ulicos que movimentam pinos de aço para nivela o mĂ³dulo. Os pinos sĂ£o soldados e os macacos retirados. Em seguida Ă© injetada areia na base, formando uma “cama” para assentar o elemento de tĂºnel.

– ProteĂ§Ă£o: Por fim, uma camada de pedras Ă© utilizada para recobrir e proteger o tĂºnel contra impactos de embarcações e o enganchamento de Ă¢ncoras soltas.