O governo boliviano do presidente Evo Morales qualificou hoje de “ilegal” a formação de uma “junta autonômica”, no domingo à noite, por quatro governadores e líderes cívicos dos departamentos do oeste do país, região conhecida como “Meia-Lua”. Durante uma cerimônia de graduação de novos oficiais no Colégio Militar de La Paz, Evo conclamou as Forças Armadas a defender a unidade do país e deu a entender que mobilizará tropas para impedir que as reivindicações de autonomia derivem para um movimento separatista.

“Dividir a pátria é uma traição ao povo boliviano”, declarou Evo “Na pátria não se toca e as Forças Armadas a defenderão.” O presidente disse que a oposição ao seu projeto de “refundar a Bolívia” se concentra em “poucos grupos oligárquicos, agora tentam dividir o território do país”.

“Pretendem desintegrar a Bolívia e tomar o controle dos recursos naturais, da distribuição de terras e da administração dos impostos”, prosseguiu Evo.

Pouco antes, o Executivo divulgou uma nota na qual afirmava que o governo usaria todos os meios necessários para manter a unidade territorial do país. O vice-presidente, Álvaro García Linera, declarou que a possibilidade de um cerco a Santa Cruz de la Sierra – principal centro de reivindicação de autonomia e a região mais próspera do país – não estava descartada.

Apesar das diferenças culturais entre as regiões do leste da Bolívia – cuja população é majoritariamente de descendentes dos colonizadores espanhóis – e do Altiplano Andino, de maioria indígena, as Forças Armadas do país historicamente se opõem a toda ameaça de divisão territorial e seu comando é estrategicamente dividido entre oficiais “cambas” (do leste) e “collas” (andinos).

No fim de semana, o governo central admitiu ter enviado pelo menos mais 280 militares para reforçar as guarnições de Santa Cruz – uma medida qualificada pelos líderes locais como uma tentativa de intimidá-los e de militarizar o departamento.

A Junta Autonômica Democrática da Bolívia (JADB) foi fundada no domingo à noite pelos governadores Rubén Costas (de Santa Cruz), Mario Cossio (Tarija), Ernesto Suárez (Beni) e Leopoldo Fernández (Pando). Também tomaram parte do ato de fundação da JADC os comitês cívicos dos quatro departamentos – nos quais a maioria dos eleitores votou pelo “sim” no referendo de 2 de julho sobre a concessão de uma autonomia limitada.

Na prática a JADC desconhece a faculdade da Assembléia Constituinte – também eleita em 2 de julho, que permanece em tumultuadas sessões na capital, Sucre – de regulamentar o alcance da autonomia nos quatro departamentos. A junta foi fundada com o objetivo de buscar a “autonomia departamental plena” nas regiões.

De acordo com García Linera, os dirigentes da Meia-Lua se esforçam para manter o controle das riquezas do país. Santa Cruz e Tarija têm sob sua jurisdição grande parte das jazidas de hidrocarbonetos (gás e petróleo) da Bolívia – recursos cuja operação foi totalmente nacionalizada por decreto de Evo em 1º de maio.

A tensão no país volta a se elevar apenas horas depois de cerca de 2 mil filiados ao principal partido da oposição a Evo, o conservador Poder Democrático e Social (Podemos), terem abandonado uma greve de fome para exigir que os artigos da nova Carta sejam aprovados por dois terços dos deputados da assembléia e não pela maioria de 50% mais 1, como quer o Movimento ao Socialismo (MAS), partido do presidente.

O presidente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, Germán Antelo, no entanto, qualificou de “mentirosas” as declarações de representantes do governo federal de que a fundação da JADC tenha objetivos separatistas. “Nosso país é a Bolívia. E sempre dissemos de maneira clara que vencemos o referendo pela autonomia, que significa ter mais controle sobre o que produzimos, e estamos agindo nos limites de nosso direito”, disse.

Durante o ato de fundação da justa, o governador Rubén Costas qualificou de “sem-vergonha” o presidente venezuelano, Hugo Chávez. Na véspera, Chávez havia acusado a “oligarquia” boliviana de tentar derrubar Evo, acrescentando que “não ficaria de braços cruzados” diante desse fato. A declaração foi interpretada pelos opositores como uma ameaça de intervir militarmente na Bolívia. Costas exigiu que Chávez deixe de imiscuir-se nos assuntos bolivianos.