
O Comitê Norueguês do Nobel anunciou nesta sexta-feira (10) que a líder opositora da ditadura de Nicolás Maduro, María Corina Machado, venceu o Nobel da Paz de 2025 por sua atuação pela democracia na Venezuela. Ela afirmou que a conquista é um impulso para a liberdade de seu país. E dedicou o prêmio ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que estava em campanha aberta pelo Nobel e ainda não a parabenizou.
“Estamos no limiar da vitória, e hoje, mais do que nunca, contamos com o presidente Trump, o povo dos EUA, os povos da América Latina e as nações democráticas do mundo como nossos principais aliados para alcançar a liberdade e a democracia. Dedico este prêmio ao povo sofredor da Venezuela e ao presidente Trump por seu apoio decisivo à nossa causa!”, escreveu ela na rede social X.
A homenagem ao presidente americano ocorre no momento em que os EUA fazem manobras militares perto da Venezuela sob a justificativa de combater o tráfico de drogas na região. O gesto tempo apoio de María Corina e é visto amplamente como uma forma de ampliar a pressão sobre Maduro.
Em seguida, ela publicou uma carta na qual diz receber o prêmio em nome do povo da Venezuela, “que lutou por sua liberdade com admirável coragem, dignidade, inteligência e amor” em “26 anos de violência e humilhação”, como caracterizou a Venezuela pós-Hugo Chávez.
Prêmio
María Corina completou 58 anos na última terça-feira (7). De acordo com o anúncio, a láurea foi concedida pelo seu “trabalho incansável promovendo os direitos democráticos para o povo da Venezuela e pelo seu esforço em alcançar uma justa e pacífica transição da ditadura para a democracia”.
Ainda não se sabe se María Corina vai comparecer à entrega do prêmio, que consiste em uma medalha de ouro, um diploma e US$ 1,2 milhão, na cerimônia do dia 10 de dezembro, em Oslo desde o fim do ano passado, ela vive na clandestinidade em seu país natal.
O momento em que a líder soube do prêmio foi registrado pela organização, que divulgou um vídeo do secretário do Comitê Norueguês do Nobel, Kristian Berg Harpviken, ligando para ela pouco antes do anúncio ou seja, madrugada na Venezuela.
“Meu deus. Eu não tenho palavras. Muito obrigada, mas eu espero que você entenda que é um movimento, uma conquista de toda a sociedade. Eu sou apenas uma pessoa. Certamente não mereço”, disse ela, após alguns segundos de silêncio. “Eu acho que tanto o movimento quanto você merecem”, respondeu o secretário, com a voz embargada.
Antes disso, a líder havia afirmado estar em choque com a notícia durante uma ligação com o também opositor Edmundo González, candidato à Presidência da Venezuela em 2024 e exilado na Espanha desde que Maduro proclamou sua vitória no pleito.
“O que é isso? Não consigo acreditar”, afirma María Corina em um vídeo publicado por González no X de González, que entrou na disputa após ela ser declarada inelegível pelo regime. “Estamos em choque de alegria”, responde ele.
Na Venezuela
Quem ligasse a televisão estatal da Venezuela, a TVT, no final da manhã desta sexta, porém, poderia ver Maduro falando sobre esforços para deter a crise climática, participantes de um congresso fazendo críticas ao imperialismo norte-americano e um general dando detalhes de uma operação militar, mas nada ouviria sobre o primeiro Nobel dedicado a uma pessoa venezuelana.
Durante a ditadura, mais de 400 veículos de comunicação foram fechados, de acordo com levantamento de junho de 2024 do Colégio Nacional de Jornalistas da Venezuela. Em abril do mesmo ano, a Sociedade Interamericana de Imprensa afirmou que o país vive um “apagão informativo quase total”.
Nas últimas décadas, o regime avançou contra quase todos os órgãos do Estado e da sociedade civil, incluindo o Tribunal Supremo de Justiça, a Assembleia Nacional e os partidos de oposição. A repressão aumentou ainda mais após as eleições do ano passado, quando a ditadura prendeu mais de 2.200 pessoas em meio a uma onda de protestos. O próprio regime reconheceu a morte de 25 pessoas durante as manifestações.
Nesse contexto, o comitê caracterizou María Corina com uma “figura-chave e unificadora em uma oposição política que antes era profundamente dividida”. O presidente do comitê, Jorgen Watne Frydnes, ainda citou os esforços “inovadores e corajosos, pacíficos e democráticos” da oposição nas eleições de 2024 na Venezuela, quando o antichavismo reuniu as atas de votação ao longo do dia em uma tentativa de contestar possíveis fraudes do regime.
Embora os documentos, atestados por diferentes órgãos independentes, tenham apontado vitória de González, Maduro declarou sua terceira reeleição horas após o fechamento das urnas, sem apresentar as provas exigidas pela lei venezuelana.
Anormalidades
O episódio foi apenas uma das anormalidades do pleito. Cerca de um ano antes, María Corina havia sido declarada inelegível ao lado de outros opositores pela Controladoria-Geral do país que, assim como a maioria dos órgãos públicos da Venezuela, está aparelhada.
Na ocasião, o regime atribuiu a decisão a irregularidades administrativas da época em que ela foi deputada, de 2011 a 2014. A medida, imposta em 2015, tinha vigência de apenas um ano, mas foi estendida porque ela apoiou sanções dos EUA contra Maduro, segundo o órgão.
“A oposição recebeu apoio internacional quando seus líderes divulgaram as contagens de votos coletadas nos distritos eleitorais do país, mostrando que a oposição havia vencido por uma margem clara. Mas o regime se recusou a aceitar o resultado das eleições e se agarrou ao poder”, disse o comitê nesta sexta.
O prêmio pareceu também ser uma forma de jogar luz ao avanço do autoritarismo em diferentes partes do mundo nos últimos anos.
“Observamos as mesmas tendências globalmente: Estado de direito violado por aqueles que o controlam, imprensa livre silenciada, críticos presos e sociedades empurradas para o regime autoritário e a militarização. Em 2024, mais eleições foram realizadas do que nunca, mas cada vez menos eleições são livres e justas”, disse o comitê.
Os dez vencedores anteriores do Nobel da Paz
- 2024: A organização japonesa Nihon Hidankyo, que atua pela abolição das armas nucleares e reúne sobreviventes das bombas de Hiroshima e de Nagasaki
- 2023: A ativista dos direitos humanos iraniana Narges Mohammadi, 51, por apoiar a luta das mulheres pelo direito de elas terem vidas plenas e dignas
- 2022: O ativista da Belarus Ales Bialiatski, o Memorial, grupo de direitos humanos da Rússia, e o Centro para Liberdades Civis da Ucrânia, por demonstrarem a importância da sociedade civil para a paz e a democracia
- 2021: Os jornalistas Maria Ressa (filipina) e Dmitri Muratov (russo), pela defesa que fazem da liberdade de expressão, pré-requisito para a democracia e a paz duradoura
- 2020: Programa Mundial de Alimentos (PMA), por atuar como uma força motriz nos esforços para prevenir o uso da fome como arma de guerra e conflito
- 2019: O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, que assinou acordo de paz que pôs fim a duas décadas de hostilidades com a Eritreia
- 2018: O congolês Denis Mukwege e a iraquiana Nadia Murad, que denunciaram a violência em relação a vítimas de violência sexual como arma de guerra
- 2017: Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares (Ican), por chamar a atenção para o risco de armas nucleares
- 2016: Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia que negociou o acordo de paz com as Farc
- 2015: Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia, pela contribuição decisiva na construção de uma sociedade plural no país