Na primeira fase de sua vida, Adriana Gumz não teve a alegria de ter o pai com ela, de verdade, embora ele morasse na mesma casa. Mas, nos anos que se seguiram aos primeiros doze de sua existência, a rejeição do pai biológico foi compensada com um amor que multiplicou o ditado popular. Se “avô é um pai duas vezes”, seo Raimundo, o vovô de Adriana, então, torna o resultado dessa conta um número infinito e incapaz de ser calculado. Basta ficar alguns momentos por perto desses dois para notar a intensidade  do afeto que ela recebeu dele e que retribuiu. Logo no portão da casa, ao receber a reportagem, ele diz: “A Adriana é nossa maior preciosidade”.

Um dos momentos mais comoventes nas duas horas em que a reportagem esteve na casa do dois, no bairro Capão da Imbuia, foi nas últimas fotos, quando se cogitou a possibilidade de seo Raimundo, que tem 69 anos, segurá-la no colo para a pose de “dia dos pais”. Um sorriso mudou a expressão facial da mulher que, por problemas com o retardo no parto, ficou debilitada fisicamente de  forma muito séria, com sua mobilidade toda comprometida a vida inteira. Mas isso nunca foi problema para o avô,  para a mãe, Lisete, ou para a avó, Ignês.

Foi ele quem desenvolveu equipamentos adaptados que permitiram a Adriana ser, hoje, a autora de 22 livros infantis, lançados de forma independente pela família, que também adaptou toda sua vida para dar mais conforto a garota — hoje uma mulher que, vaidosa, não quer que conte a idade. Ela já é conhecida nacionalmente como um exemplo de força de vontade e de como nenhuma rasteira da vida pode ser capaz de derrubar.
Foi quando Adriana tinha 12 anos que o avô a assumiu, depois que o pai sumiu. 20 anos depois, seo Raimundo diz que não se lembra se algum dia o odiou, porque hoje não perde tempo com isso.

A primeira empreitada foi criar um carrinho de passeio que ela usa até hoje. Depois, muitos inventos foram assinados por este “vovô Pardal”, que não se deixou abater com as negativas de empresas que diziam não ser lucrativo desenvolver um equipamento para a garota, pois não teriam demanda, e que o tornaria muito caro.
Depois que ela começou a escrever, foi a vez de repetidas editoras argumentarem que “ninguém ia querer comprar esses livros dela”. Mas, a família nunca entregou os pontos. E o avô, um ótico que estudou até a quinta série, foi além.
Criou dois curiosos teclados, um de computador e outro com controle remoto acoplado que a permite mudar os canais de televisão. O de computador foi o que deu mais trabalho, pois eram muitas teclas e ela apertava mais de uma ao mesmo tempo. Um software criado por um garoto de 15 anos, com o qual não têm mais contato, combinava dezenas, traduzindo-as em comandos de um computador.

O atual, permite a ela criar textos com movimentos de cabeça. Na verdade, a casa, quase toda construída por ele, tem por todo lado as adaptações de seu Raimundo, desde as rampas — pouco usadas hoje em dia —  até um elevador, passando por uma colher especial e cadeiras. Mas, o conforto nunca foi o único objetivo desse avô muito atento às necessidades especiais de sua neta. “Ela precisava ter sua independência, de alguma forma”, conta ele. O preconceito, diz ele, ainda é visível. “Mas, quando as pessoas conhecem a história dela, toda rejeição acaba”, conta o avô.