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Curitiba aposta no Simase para transformar vidas de adolescentes em conflito com a lei. Foto: Sandra Lima

O Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo (Simase), em Curitiba, é referência no trabalho com adolescentes que cometeram atos infracionais. É através desse programa que os jovens em conflito com a lei são atendidos e reinseridos na sociedade.

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O Simase segue as diretrizes da Lei Federal nº 12.594/2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Ele determina como o município deve atender esses adolescentes, especialmente por meio das chamadas medidas socioeducativas em meio aberto.

Como é feita a reinserção dos jovens

Entre elas, estão a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e a Liberdade Assistida (LA), medidas que unem a responsabilização com o cuidado, com o objetivo de promover a reinserção social e a ressignificação de trajetórias de vida.

“Não se trata apenas de uma punição. O Simase é um caminho para que o adolescente compreenda os impactos do que fez, mas, ao mesmo tempo, possa reconstruir sua história. Trabalhamos para que ele desenvolva novas perspectivas de vida”, afirma o diretor de Proteção Social Especial da FAS, Jefferson Portugal Marchiorato, responsável pelo sistema em Curitiba.

Aprendizado

Moradora do bairro Novo Mundo, na Regional Portão, I.O.P., de 19 anos, é um exemplo de como as medidas socioeducativas podem representar um ponto de virada na vida de adolescentes em conflito com a lei. A jovem foi acompanhada pelo Simase entre março de 2023 e outubro de 2024, período em que cumpriu duas medidas: uma de Prestação de Serviços à Comunidade e outra de Liberdade Assistida.

Ela lembra que uma das medidas foi consequência de uma briga, que acabou registrada em um Boletim de Ocorrência. “Eu não fui depor quando fui chamada e, por causa disso, tive que cumprir a medida”, conta. A segunda infração ela preferiu não comentar.

Apesar da resistência inicial, I.O.P. afirma que o processo foi transformador. “Aprendi muito. Sobre onde eu não quero estar de novo, sobre pensar nas consequências antes de agir. Mudou a forma como eu vejo as coisas”, diz.

Hoje, com o apoio da família e o desejo de seguir um novo caminho, ela é mãe de um menino de 1 ano e 10 meses e empreende em casa como lash designer, profissional especializada em alongamento e extensão de cílios. Ela montou um pequeno estúdio em casa. “Eu me reencontrei nesse trabalho, me sinto bem, me sinto capaz”, afirma.

Responsabilização do adolescente

Na Prestação de Serviços à Comunidade, o adolescente é encaminhado para atividades gratuitas em instituições públicas ou organizações da sociedade civil, para que desenvolvam ações de interesse coletivo. “Essa medida é mais branda, mas tem um grande impacto simbólico e social. Ela mostra ao jovem que ele pode reparar o dano e, ao mesmo tempo, fazer parte da construção de algo positivo para a comunidade”, explica o diretor.

Já a Liberdade Assistida permite que o adolescente continue em seu ambiente familiar, mas com acompanhamento constante de uma equipe multidisciplinar. O foco é orientá-lo, fortalecer vínculos e desenvolver habilidades sociais. “A Liberdade Assistida cria um espaço contínuo de escuta, apoio e orientação. É um processo construído com o adolescente e com a família”, destaca Jefferson.

Atendimento humanizado e intersetorial

Curitiba conta com um modelo de atendimento intersetorial, que integra assistência social, educação e saúde no acompanhamento dos adolescentes. Nos dez Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) da cidade, há equipes especializadas que trabalham com base em planos individuais de atendimento.

“O plano é feito caso a caso, considerando a história, a realidade e as necessidades de cada adolescente. Não existe receita pronta. É um trabalho técnico e humano, que exige escuta ativa e sensibilidade”, diz Jefferson.

Atualmente, 938 adolescentes são acompanhados pelo Simase, em Curitiba.

A cidade também conta com um Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei, onde atuam em conjunto o Ministério Público, o Poder Judiciário e os órgãos da rede de proteção. Isso garante maior agilidade no encaminhamento.

Papel da família na reinserção do jovem

O Simase de Curitiba também aposta fortemente no acompanhamento familiar, entendendo que a transformação do adolescente passa pelo fortalecimento de vínculos. A equipe técnica realiza reuniões, orienta e faz encaminhamentos para outras políticas públicas, conforme a necessidade do jovem.

Para Jefferson, a família é parte do processo. “Não adianta olharmos só para o adolescente se quem está ao redor dele também precisa de apoio. Muitas vezes, o ato infracional é o sintoma de uma rede de violações já existente”, observa.

O término da medida socioeducativa não significa o fim do acompanhamento. As equipes continuam atentas às necessidades dos adolescentes e suas famílias, promovendo sua inclusão em outros serviços e políticas públicas ofertadas pelo município.