
O Paraná reúne, em sua população, mais de 30 mil pessoas que se reconhecem como indígenas. Presentes em nove de cada 10 municípios paranaenses, esses indivíduos possuem uma representação expressiva na Capital. Segundo dados do Censo, em Curitiba há 2.303 índios, o segundo maior contingente de todo o estado. E cerca de 10% dessa população vive numa das primeiras até hoje únicas aldeias urbanas de toda a região Sul: a Kakané Porã.
Localizada no bairro Campo de Santana, a comunidade reúne três etnias diferentes: Guarani, Xetá e Kaingang. Foi a segunda aldeia indígena urbana da região Sul – a primeira é a Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC), que é de 2001. Uma história que teve início em 2004, na antiga aldeia Cambuí, que se tornou a aldeia Kakané Porã em 2009, após a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab) adquirir e ceder o local aos indígenas.
Com 40 anos de idade, Carlos Ubiratã é o filho do Cacique Carlos, fundador e primeiro cacique da Kakané Porã. Ele conta que tudo teve início quando seu pai começou a ter dificuldades na comunidade tradicional onde vivia, em Mangueirinha, o que a levou a se mudar para a Grande Curitiba. Após dois anos ele conseguiu trazer a esposa e filhos para a cidade grande. Nesse meio tempo, teve contato com outros índios que viviam na região, o que o levou a iniciar a luta pela criação duma aldeia.
“Meu pai começou a achar os outros índios que viviam por aqui, foi conhecendo eles, e chegou um dia pra minha mãe e disse’ vou montar uma aldeia para esses índios’. Ele via índio passando necessidade, pessoas que ficavam na rodoviária com as crianças, dormiam embaixo de ponte… E aí começou a luta. Foram cinco anos correndo para lá e para cá, até conseguir o terreno onde hoje estamos. E daí nasceu a Kakané Porã”, relata Ubiratã.
Fruto bom da terra
Kakané Porã significa “fruto bom da terra” na língua caingangue, um nome que faz jus ao florescimento da comunidade. Quando surgiu, a aldeia somava 35 famílias. Hoje, já são 48 e cerca de 240 pessoas, que se dividem pelas 46 casas que ficam numa área de 45 mil m². As ruas ali, inclusive e curiosamente, são organizadas no formato de um maracá, instrumento de dança caingangue.
No terreno, além de um lugar para viver, os indígenas também conseguir um espaço para preservar a natureza. O imóvel onde fica a aldeia, conta o cacique Arykã de Paula, era antigamente uma serraria e depósito de cerâmica. Por isso, havia muito resto de material pelo terreno.
“Fizemos a limpeza de tudo e agora estamos reflorestando. Estamos colocando componentes nossos, de cada etnia, para poder receber colégios, faculdades, e fazer uma conexão, uma troca de saberes com a cidade”, afirma o líder. No local, um portal marca o início de uma trilha de 1.200 metros, que faz uma volta por toda a aldeia e serve como exemplo para trabalhos de conscientização ambiental.
Onde o tradicional e o urbano convivem
A Kakané Porã é uma comunidade fechada, ou seja, não recebe mais pessoas de outras localidades. Todos os indígenas que ali vivem, no entanto, são oriundos de aldeias tradicionais, algumas do norte do Paraná, outras do Rio Grande do Sul e também de São Paulo. A população local, no entanto, vem crescendo, tanto que já se está planejando a construção de, no mínimo, mais 15 casas para abrigar todas as famílias.
“Aqui, o tradicional e o urbano convivem. O Carlos [Ubiratã], por exemplo, faz artesanato, ele com o pai dele. Já a nora dele trabalha ao lado, com um salão de beleza. E aqui tem gente que tem pizzaria, um pessoal que empreende na construção civil, outros que trabalham fora da aldeia… Mas nem por isso deixamos de ser índios. Isso só nos agrega valor, nos agrega sabedoria. A gente se pinta, traz de volta os traços, a dança, todos os elementos culturais que são nossos e nos certificam como cultura viva de Curitibao. Temos nossa origem e a preservamos”, destaca o cacique.
Modelo de organização democrático
Desde 2021, a Aldeia Kakané Porã adota um meio de organização social interna democrática. Antes, explica Arykã, a posição de cacique passava de geração para geração, ou seja, de pai para filho. Mais recentemente, porém, a comunidade resolveu escolher um processo democrático, com a coletividade decidindo quem vai ser o seu líder.
“Entrei como cacique agora, em janeiro de 2025. Eu e uma comissão que fomos eleitos e estamos fazendo a gestão da aldeia, em 15 de dezembro que teve a troca. É uma votação igual uma eleição normal, todo mundo [da aldeia] vota”, explica o cacique.
Ele, que é de origen caingangue, tem como vice-cacique José Paraná, que é de origem Xetá. Um é formado em Contabilidade e o outro está cursando Engenharia Mecânica. Além disso, entre os indígenas da Kakané Porã há também advogados, médico, fisioterapeutas, enfermeira, pedagoga e uma jovem que está se formando em História.
“Estamos finalizando a construção do Instituto Kakané Porã. Queremos trazer todo esse pessoal com formação para dentro do instituto, para conseguir desembolar políticas públicas de forma muito mais rápida. Nossa aldeia tinha muita briga antes, muita demanda, mas não tinha a escrita para demandar as políticas públicas. Agora, estamos conseguindo colocar isso tudo no papel”, celebra Arykã.
Dia Internacional dos Povos Indígenas
No último sábado, 9 de agosto, comemorou-se o Dia Internacional dos Povos Indígenas. A data surgiu em 1994, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), e foi escolhida por marcar a primeira reunião, em 1982, do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Populações Indígenas. A celebração homenageia e reconhece as tradições dos povos indígenas, buscando promover a conscientização sobre a inclusão dos povos originários na sociedade.