Quem visita o Boqueirão hoje encontra um bairro cheio de vida, com comércio variado, restaurantes, bares, transporte fácil e opções de lazer para todos os gostos. Mas é difícil imaginar que, menos de 100 anos atrás, essa região era uma imensa fazenda nos arredores de Curitiba.
Com o tempo, o crescimento urbano transformou completamente a paisagem. De área rural, o Boqueirão passou a ser um dos principais polos residenciais da capital paranaense e atualmente ocupa o posto de quinto bairro mais populoso da cidade.
A Fazenda Boqueirão era uma extensa propriedade com mil alqueires (24,2 km²) que abrangiam os atuais bairros Boqueirão, Hauer, Xaxim e Alto Boqueirão, além de uma pequena parte da atual Regional Cajuru e do vizinho município de São José dos Pinhais. Caracterizava-se por ser um grande banhado. Na área, teria existido uma grande cova que os moradores chamavam de boqueirão.
Sua história é registrada a partir de meados do século 19, quando o nome do coronel Manuel Antônio Ferreira aparece em documentos oficiais como proprietário da área. Essa fazenda, que chegou a ter 400 bois e 100 cavalos, seguiu como uma grande área até o ano da Proclamação da República (1889), época em que um dos três herdeiros do coronel vende a sua parte. Cerca de 30 anos mais tarde, em 1933, descendentes dos compradores fundaram a Companhia Territorial Boqueirão – a mesma empresa responsável pelo início do loteamento que influenciaria o desenvolvimento da região.
O loteamento da fazenda
Toda a área foi dividida em 17 mil terrenos, que atraíram a atenção do público interessado em se estabelecer economicamente. A Curitiba de meados do século 20 tinha o local como promissor para o desenvolvimento da cidade. Foi fundamental nesse processo a chegada dos menonitas, homenageados com a denominação da maior praça do bairro: Praça da Colonização Menonita.
Os menonitas pertenciam a um grupo étnico religioso e se estabeleceram próximo à fazenda. Para a economia local, trouxeram a atividade leiteira. Foram eles, também, que construíram a primeira escola da região: a Escola Boqueirão. Mais tarde, em homenagem ao prefeito de Curitiba que morreu durante o exercício do cargo, em 1953, a unidade de ensino passou a se chamar Erasto Gaertner.
Também foi uma iniciativa dos menonitas a Cooperativa Mista do Boqueirão. O empreendimento foi fundado por David Tows, que denomina a importante via que liga as regionais Boqueirão e Bairro Novo.
O bairro-fazenda cresce
O censo populacional feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022 indica que o bairro Boqueirão é o quinto mais populoso de Curitiba. Nele moram 65.618 habitantes, distribuídos por 1.474 hectares cortados pelos rios Belém e Iguaçu.
Boqueirão perde apenas para CIC, o bairro mais populoso de Curitiba, Sítio Cercado, Cajuru e Uberaba. Seus moradores residem em 26,6 mil casas e 125 edifícios e condomínios.
Morador raiz
O violeiro, pesquisador e professor Rogério Gulin faz parte dessas estatísticas. Ele nasceu no bairro em 1961. Foi lá que Rogério cresceu, estudou no Colégio Estadual Victor do Amaral, conheceu a mulher com quem formou família e está casado até hoje, criou os quatro filhos e segue trabalhando, sempre na mesma antiga residência da Rua Carlos de Laet. “E não pretendo me mudar. O Boqueirão é o meu país”, avisa, brincando com o bordão nascido como sátira a uma antiga proposta de emancipação da Região Sul do Brasil e que, no caso do Boqueirão, tornou-se sinônimo de identidade afetiva e pertencimento.
O artista diz ser do tempo em que, de casa, via pedestres indo da Avenida Marechal Floriano Peixoto para a sua rua. As duas vias ficam a três quadras de distância uma da outra e são paralelas. Hoje, a visão é interceptada pelos imóveis que foram sendo erguidos, em especial a partir dos anos 80.
“As ruas eram de chão, havia valetas e passavam bois e carroças puxadas por cavalos. Era complicado sair e chegar no Boqueirão”, lembra Gulin.
De isolado a gourmet
Segundo Gulin, o isolamento a que o bairro estava submetido no passado, antes da chegada dos ônibus Expresso e da construção do terminal de ônibus, era motivo de constrangimento entre os jovens.
“A gente tinha vergonha de dizer que morava aqui, como se fosse sinônimo de mato, de ser sapo. Agora é diferente: aqui tem tudo, não fica devendo nada pra outras regiões da cidade. Tem até o Boqueirão-gourmet”, brinca Gulin, referindo-se ao padrão dos imóveis que vão sendo erguidos do lado oposto da Marechal.
“Além disso, pode-se ir ligeiro pra qualquer lugar. Uma maravilha pra quem, um dia, esperou muito tempo pra entrar em um ônibus e até ajudou a empurrar alguns, na subida da rua de terra”, compara.
Saudade mesmo Rogério tem dos pais na velha casa da Rua Carlos de Laet e dos vizinhos. “Era uma relação de família. Quando precisava, a gente não ia na farmácia: tomava injeção na casa da vizinha. Uns morreram, outros venderam seus terrenos, mas ainda restam alguns.”, diz.
Apesar disso, Rogério vive o novo Boqueirão e suas facilidades. Quando não está em casa, compondo melodias para seus discos ou dando aulas, vai com rapidez a supermercado, banco e unidade municipal de saúde, uma das cinco mantidas pela Prefeitura no bairro. Também visita, com regularidade, um lugar que lhe é caro: o Santuário do Carmo, ao lado da Rua da Cidadania do Boqueirão, atual sede da igreja onde foi batizado.
A praça da Bárbara
Do outro lado do Santuário frequentado por Rogério fica a Praça do Carmo, uma das 24 que os moradores do bairro podem escolher para momentos de lazer ou prática de atividade física.
A maior delas, com 28 mil m², é Praça da Colonização Menonita – aquela que homenageia a comunidade que teve papel decisivo no desenvolvimento do Boqueirão e seu entorno. Era nesse local que a tricampeã pan-americana de ginástica rítmica Bárbara Domingos, de 25 anos, ia brincar quando criança.
Nascida e criada relativamente perto da praça, no Alto Boqueirão onde nasceu e mora até hoje com a família, era na Menonita que Bárbara gostava de ir com os dois irmãos.
“Gosto de vários lugares do Boqueirão, mas por causa da lembrança do meu pai levando a gente é que a Praça Menonita é especial pra mim”, conta Bárbara Domingos, que também estudou na Escola Municipal Leonor Castellano. A escola é uma das nove da rede municipal de ensino, que também conta com seis centros municipal de educação infantil e um centro de educação especializada na região.
O novo Boqueirão
Se o Boqueirão começou rural, entre as várzeas e banhados da antiga fazenda de gado leiteiro e madeira da qual sobrevive o nome, o perfil econômico local passou por grandes mudanças.
Hoje, somados os estabelecimentos classificados como indústrias pela Junta Comercial do Paraná, são mais de 16 mil unidades ativas nos vizinhos Boqueirão e Hauer. Lideram o segmento as áreas de transformação e construção tocadas, principalmente, por 10 mil empresas individuais e 6 mil sociedades limitadas.
Já no segmento comercial são 18 mil empresas ativas no Boqueirão e 5 mil no Hauer. A maioria são microempresas individuais atuantes nas áreas de promoção de vendas e varejo de roupas e acessórios. As informações são da Associação Comercial do Paraná.
O setor produtivo se organiza
A pujança do Boqueirão e adjacências inspirou, por volta da virada do ano 2000, a formalização da Aemgrab – Associação dos Empresários do Grande Boqueirão. A entidade é aberta à participação dos empresários em geral e reúne hoje cerca de 250 associados ativos.
“Estamos em uma região de alto potencial de crescimento, pois temos muitos terrenos que podem ser ocupados por empreendimentos imobiliários comerciais e residenciais”, diz o atual presidente da entidade, Evaldo Kosters, que responde pela direção da Berko Autopeças.
Situada no limite do Boqueirão e do Hauer, a empresa é uma das primeiras a acreditar no potencial econômico da região e endereço da primeira linha telefônica em toda a área. “Foi aqui que a Oficina Berko, fundada pelo meu pai, Edmundo Kosters, se tornou a Berko Autopeças e hoje gera 60 empregos diretos”, conta.
As instalações da Berko, como tantas outras empresas e empreendimentos residenciais, foram edificadas sobre parte do loteamento da antiga Fazenda Boqueirão.