Bar Mignon é testemunha da história da Rua XV e pioneiro do cachorro-quente em Curitiba

Ayrton Tartuce

Bar Mignon fica no coração da Rua XV: os “cinquentões” são a maioria dos clientes (Franklin de Freitas)

BAR MIGNON (Crédito: Frankllin de Freitas)

Comer cachorro-quente já é algo praticamente inerente ao ser curitibano. Em todo o município, por exemplo, há mais de 400 pontos de vendas legalizadas para ambulantes. Mas muito antes dos famosos carrinhos se espalharem, coube aos antigos bares, cafés e restaurantes iniciarem o processo que transformou o sanduíche quase que num patrimônio curitibano. E alguns desses estabelecimentos ainda existe e mantém, inclusive, o mesmo padrão de servir o prato. Um deles é o Bar Mignon, fundado em 1925 e localizado Rua XV de Novembro, número 42, bem ao lado de outro precursor da iguaria, o Bar Triângulo.

A bem da verdade, o debate sobre quem teria começado a vender cachorro-quente na cidade é uma disputa em aberto. Alguns dizem que foi o Bar Triângulo. Outros dizem que o sanduíche foi introduzido pela família italiana Amatuzzi, proprietária do Bar Mignon. Analisando-se jornais antigos, da década de 1930, contudo, verifica-se que existem outros concorrentes nessa disputa histórica.

No dia 23 de junho de 1932, por exemplo, o jornal Diário da Tarde trazia o seguinte anúncio: “Cachorro Quente! Só no Bar e Café Varsovia”. Nessa mesma época, havia ainda outro famoso estabelecimento em Curitiba cujo nome era, justamente, “Cachorro Quente”. Conforme o jornal ‘O Dia’, o estabelecimento ficava na Av. Marechal Floriano Peixoto, entre a Rua XV e a Praça Tiradentes, e seu proprietário era Miguel Urbanik. Em 1932, porém, o local sofreu um “violento incendio”, que começou no fogão, alimentado à querosene, e alastrou-se por todos os lados, apesar do esforço de vários populares para evitar que as chamas se espalhassem. A casa foi reaberta cerca de duas semanas depois, mas em 1933 o restaurante foi anunciado à venda: “Por motivo de doença, vende-se este conhecido bar, livre e desembaraçado. Preço de occasião”, anunciava o Diário da Tarde.

É certo, no entanto, que tanto o Bar Mignon como o seu vizinho, o Bar Triângulo, estão entre os pioneiros do cachorro-quente na cidade. Não à toa, ambos ostentam até hoje em suas placas, na identificação visual dos estabelecimentos, dois cachorros. “Os dois [Bar Mignon e Bar Triângulo] são pioneiros, né? Hoje em dia o cachorro-quente já é uma coisa diferente, então para saber como era o cachorro-quente original tem de vir aqui. O pessoal mais novo, por exemplo, não conhece. É bem diferente do cachorro que você come no carrinho, bem diferente mesmo”, conta Paulo Roberto Cordeiro, gerente do Bar Mignon.

Casado com Silvia Amatuzzi, filha de Heitor Amatuzzi Jr e neta do fundador do bar, ele conta que quando o Bar Mignon começou a servir Curitiba, em 1925, o formato do negócio era bem diferente. “Era um café, vendia salgadinhos, pastéris… Era diferente. Depois pegou fogo [o prédio onde a loja ficava] e daí eles vieram para esse ponto aqui, em 1946, onde já tinha o Bar Triângulo”, afirma Cordeiro, recordando as conversas que teve com o sogro.

Com a mudança de ponto, o Café e Pastelaria Mignon passou a se chamar Bar Mignon e também começou a mudar o cardápio. O cachorro-quente, então, é introduzido no menu. “Ele [Heitor Jr] me contou, por exemplo, que quando eles começaram a fazer cachorro-quente, eles faziam com linguiça mesmo, porque não tinha essa salsicha que existe hoje, a vina. Segundo ele, os cachorros-quentes com vina começaram a existir no mercado de Curitiba depois da Segunda Guerra Mundial, antes era só feito com linguiça”, comenta o gerente, destacando que o padrão da casa é o mesmo até hoje. “Disso não abrimos mão. E o cachorro-quente temos as duas opções, com vina e com linguiça”, complementa.


No começo, público era formado por homens
A mudança de endereço fez o Bar Mignon mudar de cara. Nessa época o bar começa a atender de noite, adentrando a madrugada. “Começaram a esticar o horário e não tinha mais hora para ir embora, atendia até o último cliente ir embora. Era um bar mesmo”, destaca Cordeiro, revelando que também nessa época a caça começou a implantar mais sanduíches no cardápio, como o proprio cachorro-quente e o igualmente tradicional perfil com verde.

Por muito tempo, o público do bar era majoritariamente masculino. As moças, quando iam ao local, estavam acompanhadas de seus companheiros e costumavam ficar no carro aguardando o namorado voltar com o lanche. Na época, a Rua XV ainda não havia sido fechada para a circulação de carros, o que só aconteceria em maio de 1972.

“De início, todo mundo ficou revoltado quando disseram que fechariam a rua, que seria só para pedestre. Os comerciantes achavam que isso seria ruim para o comércio”, recorda Paulo Cordeiro, comentando que nessa mesma época seu cunhado resolveu ir conversar com o prefeito Jaime Lerner para verificar a possibilidade de conseguir um espaço do lado de fora do bar para colocar algumas mesas e cadeiras para receber a clientela. “O espaço do lado de fora nasce justamente quando fecham a Rua XV. Foi dando certo e depois outros bares vizinhos foram repetindo o modelo, criando esses espaços do lado de fora. No final das contas, mudou e para melhor a Rua XV.

“Não voltou e nem vai voltar a ser o que era”
Meio século depois, o bar deixou a boêmia de lado: atualmente funciona das 11 às 22 horas, funcionando mais como um restaurante ou uma casa de lanches mesmo. Ao mesmo tempo, o perfil da Rua XV foi mudando ao longo das décadas. “A Rua XV de hoje e a Rua XV de 30, 40 anos atrás, são coisas completamente diferentes”, aponta o gerente do Bar Mignon, destacando que a famosa via era, verdadeiramente, o coração de Curitiba.

“Como a cidade era pequena, todo mundo se conhecia e aqui era um atrativo da cidade, com os dois bares lado a lado. O movimento era muito concentrado aqui na região, onde tinha teatro, cinema, as melhores lojas da cidade… Tudo ficava aqui. E o poder aquisitivo do público de antes também era bem maior, né?! Porque aqui antes ficavam todos os médicos, advogados… Estavam todos no Centro da cidade, antes a cidade girava em torno daqui. Agora pulverizou”, explica ainda o empresário.

A transformação foi ainda aprofundada pela pandemia, que foi um momento de muita dificuldade para o setor gastronômico. Ainda assim, o Bar Mignon resistiu e segue resistindo. “A gente está até hoje pagando o prejuízo da pandemia. Do dia para a noite o faturamento caiu 90%, mas as contas continuavam chegando: tinha aluguel para pagar, o salário dos funcionários… Agora retornou, mas não voltou e nem vai voltar ao que era o normal. O que acontece: muitas empresas saíram do Centro, muita gente passou a trabalhar em home office, então você tem menos pessoas circulando na rua. A gente, que estava acostumado com o movimento, sente a diferença”, lamenta ele, celebrando, no entanto, que o bar siga firme e forte com sua clientela fiel.