
Quem passa na rua São Francisco se encanta com os grafites que enfeitam e colorem as fachadas dos estabelecimentos. Ao chegar mais perto, também pode escutar o “Rap do Silva” que ecoa do estabelecimento “É Dino Cultural”, pois o dono toca costumeiramente às 9 da manhã para começar o dia com bom humor. Quem também se embala no rap enquanto limpa a calçada é o gari Davi Henrique dos Santos Pinto Dias, de 18 anos, que trabalha neste ponto há um mês. Em especial, uma fachada se destaca no meio de tantas. Com símbolos que remetem a cultura afro, o desenho pertence ao estabelecimento Brechó das Preta, que é administrado por quatro sócias há 6 anos e funciona das 10 às 18 horas.
Leia mais
- Encontro de brechós em Curitiba se transforma em arraiá neste fim de semana; quem for a caráter terá desconto
- Loja histórica no Centro de Curitiba abre as portas para ser o ‘brechó dos brechós’
Grafites de Rimon Guimarães
Uma moça de personalidade e com uma feição séria desce do Uber e abre a loja. É Caroline Alves Pessoa, de 36 anos, uma das fundadoras do brechó. Comento que fiquei encantada com os grafites presentes tanto na loja quanto na porta, assim, Caroline desmancha sua seriedade e abre um sorriso ao me explicar que foram todos produzidos pelo grafiteiro Rimon Guimarães, as obras criam uma identidade única para loja, quase nos teletransportando para um episódio da série “Um Maluco no Pedaço”.
Começo difícil
Antes de começar a empreender, Caroline trabalhava como auxiliar odontológica, e ao ficar desempregada, decidiu se juntar a um conjunto de brechós idealizado pela ex sócia e dona do brechó Cabrochas, Maria Gabriele Dantas. A vendedora relata que o começo não foi nada fácil: “As exposições foram feitas aqui na calçada durante 1 ano, em frente ao bar Lords. Sofríamos com a nossa segurança e a do público, inclusive, fomos denunciadas e impedidas de vender, mesmo sendo roupas de segunda mão”. Com o tempo, surgiu uma proposta do dono do bar Lords, Denis Nori, para que as mulheres do conjunto alugassem seu estabelecimento e dessem continuidade a suas vendas.
Brechó colaborativo
Assim, para se reerguer e alavancar o negócio, surgiu a ideia de tornar o espaço colaborativo, que começou contando com parcerias como: Brechó Kaw Black, Brechó Se Garimpô Levô, Makeda Brechó, brechó Debochadas e o brechó Cabrochas. Além disso, também expõem produtos da marca “ÍFÉ Personalizados” da cantora Janine Mathias, da loja “Preta Fina Acessórios” de Juliana Cidalia e da marca “Patuá” de Brenda Santos, todas têm como premissa empoderar mulheres pretas. A peça mais barata do brechó está na faixa de R$ 10,00, já a mais cara, um item de colecionador, custa R$ 699,00. Em geral, a média de preços é de R$ 59,90.
Enquanto ligava seu notebook para mexer nas planilhas do dia, Carol citou que mesmo depois de tanto tempo trabalhando com isso, ainda está aprendendo a ser comerciante. “Na verdade, empreender é um eterno aprendizado. Agora estamos fazendo consultoria, para tentar melhorar cada vez mais o nosso negócio, isso é muito importante!”.
Roupas sem gênero
Enquanto conversávamos, uma mulher com um sorriso de orelha a orelha e de muita atitude entra pela porta mexendo no seu black power. É Maria Gabriela dos Reis Ferreira, de 27 anos, também sócia do local. Desde que iniciou a faculdade de Artes Cênicas na FAP no ano de 2016, ela passou a se interessar cada vez mais pelo mundo da moda. Entretanto, a paixão por garimpar começou com sua mãe, a terceira sócia do brechó, Elza dos Reis Ferreira, de 55 anos, que vendia roupas na loja de uma amiga, assim, ela conta que passou sua infância rodeada por moda. A moça sorridente começa a me mostrar a loja, e me explica que o conceito do brechó é trabalhar com o estilo de roupa Vintage e Streetwear, e que o negócio foi idealizado com objetivo de integrar mulheres pretas e empreendedoras da comunidade. “Nossas roupas não possuem gênero, nós vendemos roupas para que as pessoas se sintam confortáveis e empoderadas”, explica Maria.




Segundo andar e mais histórias
Uma escada estilo caracol me leva ao segundo andar. Quando piso no último degrau, me deparo com uma mulher: o sorriso não nega, é a mãe de Maria Gabriela, a dona Elza. Enquanto a moça que sorri com os olhos realiza o trabalho de curadoria nas roupas da loja, também me confirma a história contada pela filha: “Sempre gostei e consumi brechó. Antes de vir vender ali na rua, vendíamos roupas lá perto de casa, na lojinha da minha amiga. Mas era apenas aos sábados de manhã, porque o lugar era simples e não tinha luz. Quando começava a entardecer, a gente corria pra ir embora”.


Quem ajuda Elza no trabalho de costura das roupas é uma mulher reservada, de poucas palavras. A feição também não nega: é a irmã de Caroline e a quarta sócia, Patrícia Alves Pessoa, de 34 anos. Enquanto converso com Elza, Patrícia ouve atentamente as histórias e complementa ou corrige quando necessário. Quando o empreendimento ainda não andava totalmente com suas próprias pernas, Patrícia já participava do conjunto como proprietária do Makeda Brechó.
Rap
Uma batida de rap com saxofone começa a tocar, já sei que é a hora das meninas começarem a trabalhar. Assim, me despeço delas e saio escoltada por sorrisos e com um “Volte mais vezes”.