
Por volta das onze horas da manhã, é possível avistar uma senhora, delicada e baixinha, subindo a Rua Bruno Filgueira, no bairro Bigorrilho, em Curitiba. Chung Sook Rim, 73 anos, levanta a cortina de metal, abre a geladeira e guarda os produtos que traz em três sacolas plásticas.
Todo dia, nesse horário, de uma rotina de domingo a domingo. É metódica, enquanto espia a rua para ver se tem cliente chegando. E costumam chegar cedo, mas ela lembra que o atendimento somente inicia por volta do meio-dia. “Espera ali no carro”, balança a mãozinha, avisando que ainda tem o que adiantar para atender os fregueses. Cada pedido é preparado na hora, de acordo com o desejo do cliente, entre as poucas opções da cozinha oriental disponível no folhetinho do balcão; divinas, conforme os frequentadores.
O espaço não tem sinalização e, há 17 anos, ocupa em torno de 12 metros quadrados de uma garagem. O restaurante figura entre os indicados, em redes sociais, como um dos melhores lugares para comer um Yakissoba, macarrão com legumes, um Rolinho Primavera, feito de massa de arroz, ou um Guioza, que é o pastel de massa fininha, à base de farinha, recheada com legumes. E tem gente que vem de longe. “Daqui e de outros estados”, lembra ela dos turistas.
Costuma atender durante dois horários, do meio-dia às quatro da tarde; e das seis e meia da tarde até quando acabam os produtos. No fim de semana vem mais gente, que se divide em seis mesas de plástico ou aguarda na calçada. Não tem ideia de quantas refeições por dia, sabe que são muitas. “Ah, sim,sim”, no hábito de repetir duas vezes uma resposta. E para isso é preciso ter paciência. Dona Chung recebe e prepara o pedido, entrega o prato e ainda cobra. Nada de ajudantes, nada de pagamento em PIX ou cartões. Só dinheiro.
“Tem gente que fica sem o pedido. Só no outro dia”, responde com o sotaque característico. Tem quem não entenda e saia batendo boca, mas a senhorinha não se abala, e com o meio sorriso tímido que reflete nos olhos apertados, ela dá por encerrada a conversa sem antes lembrar que “os amigos conhecidos e os desconhecidos que vão virar amigos, voltam”.
Com o tempo, clientela virou família
O gosto pela culinária vem de longe. Ela e a família vieram de Seul, na Coreia do Sul, na década de 50, no pós-guerra. Chegou de navio no porto de Santos, em São Paulo. Antes de vir para Curitiba, trabalhou em um restaurante chinês na capital paulista. E por aqui já são duas décadas no Bigorrilho.
Dona Chunguinha, como é chamada carinhosamente pelos vizinhos e comerciantes locais, mora na quadra de baixo, com dois cães, atualmente. Da família, só uma irmã. No entanto, diz não sentir solidão. Muitos dos clientes, de mais de uma década, se transformaram em mais do que isso. “Tudo é amigo e virou uma família. Eles me cuidam”, fala com orgulho e carinho, indicando no quadro na parede as fotos de alguns deles.
E aí que alguém fale mal dela, lembra uma funcionária de um restaurante vizinho. “É motivo de briga porque não tem quem não goste e se preocupe com ela”, comenta Ana Faria. Na época da Copa do Mundo chegaram a fazer uma camiseta do Brasil com o nome Chung gravado nas costas, usado com alegria pela senhora durante o trabalho.
E quem não teve sorte de ser atendido uma vez, volta até conseguir. É o caso do casal de Ponta Grossa que veio três vezes. Eles gostam de fazer tour gastronômicos e a Senhora Chung surgiu como indicação de comida chinesa. “Hoje, não saímos daqui”, determina Kamila Lasquevski, 37 anos, na manhã do último sábado. Os dois filhos, de 13 e 9 anos, aguardavam no carro dos tios, moradores de Curitiba, que também estavam curiosos para experimentar o Guioza. ˜Vale a pena esperar só pelo prazer de experimentar uma comida oriental, original”, afirna Rafael Costa, Desenvolvedor de Sistemas. E em menos de meia hora, mais dois novos carros estacionaram na rua estreita e de bairro à espera da cortina de ferro voltar a subir e dona Chung iniciar na lida da cozinha, no seu tempo, com seu jeitinho e esmero em cada prato. “Faço por prazer. Sou comerciante e por isso tenho minha obrigação de fazer bem feito e atender bem”, finaliza.
O pequeno restaurante fica na Rua Bruno Filgueira, 2296, no Bigorrilho.