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Foto: José Fernando Ogura/AEN

Uma reunião pedagógica com pais de alunos do Colégio Estadual do Paraná (CEP), convocada pela diretoria do colégio para discutir um episódio de racismo que ocorreu no ambiente escolar, terminou na delegacia na noite desta segunda-feira (20 de novembro), justamente no Dia da Consciência Negra.

Segundo nota divulgada pelo CEP, o “episódio lamentável” ocorreu após o pai do aluno que seria quem proferiu o ato racista chegar à reunião fardado (ele é sargento da Polícia Militar) e com arma no coldre, o que tornou o encontro tenso desde o início.

A situação, no entanto, escalonou mesmo após uma discussão, quando o policial resolveu dar voz de prisão contra a mãe de outro estudante, acusando-a de desacato e injúria. A mulher, assim como professores (e o próprio CEP, na nota divulgada), por sua vez, apontam abuso de autoridade por parte do policial.

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Reprodução Instagram

O caso viralizou nesta terça-feira (21) nas redes sociais, após o advogado Valnei França Fils, que acompanhou a mãe detida até a delegacia, divulgar um vídeo sobre a situação (confira abaixo).

Como tudo começou

Existe, dentro do Colégio Estadual, um grupo chamado Coletivo Preto do CEP, no qual os alunos discutem as questões da comunidade negra da escola. E na última terça-feira, antes do feriado da Proclamação da República, o filho do sargento teria proferido uma ofensa racista contra um colega.

Depois desse episódio, o Coletivo Preto resolveu passar nas salas de aula para falar com os alunos sobre racismo. E numa dessas salas estava novamente o filho do sargento, que acabou se envolvendo numa discussão com outro estudante, filho da mulher que foi detida ontem.

A direção, então, resolveu convocar uma reunião pedagógica, reunindo os pais dos estudantes envolvidos nas discussões anteriores. “A intenção, pelo que nos foi passado, era que se tirasse alguma coisa boa dessa situação, que nós, os pais, discutíssemos sobre o que fazer para educar nossas crianças, para fazer alguma intervenção dentro da escola e para essa situação ruim resultar em algo bom e ser propagado na escola”, conta a mãe do estudante vítima das ofensas racistas.

Na sexta-feira passada (antes da reunião, portanto), o pai do aluno que teria proferido a ofensa racista já havia estado na escola, onde compareceu também armado e fardado. Na ocasião, conversou com a diretora, que o informou da reunião na segunda-feira e fez um pedido, na frente da Patrulha Escolar, para que o Sargento da Polícia Militar não fosse armado ou fardado ao encontro, que seria só de pais. Ele teria concordado, mas não cumpriu: na segunda-feira, apareceu fardado e armado para a reunião.

“Falamos que estávamos intimidados com a postura dele, e ele falou que sentia muito, não podia fazer nada. Não se dignou nem a guardar a arma, então colocou um sentimento de pressão na grente”, diz ainda a mulher. “Conversamos, tentamos manter a decência durante a conversa. Falei que ia abrir BO, que comigo não tinha conversa quanto a isso, mas que eu achava necessário conversarmos para moldar nossas crianças”, complementa.

Quando o encontro se encaminhava para o fim, o policial se voltou para outra mulher, a mãe do estudante que participa do Coletivo Preto e com quem seu filho havia discutido dias antes, e aí teveinício, efetivamente, a confusão.

“Aí ele olhou pra mãe de outro garoto e perguntou pra ela do que o filho dela tinha acusado o filho dele. Aí ela falou que o filho dela disse que a atitude que o filho dele tinha tomado era uma atitude racista. Aí ele falou ‘então você está chamando meu filho de racista?’ e ela respondeu que ‘sim, ele teve atitude racista’. Aí ele deu voz de prisão”, recorda ainda essa outra mãe.

“Ela foi detida pelo próprio agressor e criminalizada”

Depois disso, a Polícia Militar chegou ao local para atender a ocorrência e encaminhou os envolvidos para a Central de Flagrantes da Polícia Civil, onde ambos foram ouvidos e liberados já de madrugada, depois de uma hora da manhã.

“Ela [mãe do aluno] foi detida pelo próprio agressor. Ele quem abriu o Boletim de Ocorrência, ela foi ouvida como denunciada. Tanto que ela sai da delegacia com um termo circunstanciado e ele, com o BO”, relata ainda o advogado, destacando que professores do CEP e até o diretor pedagógico seguiram com a mãe até a delegacia, para prestar depoimento na condição de testemunha dela.

“A situação dela, o emocional dela, foi se intensificando como no final do vídeo, que ela fica chorando depois que o diretor pedagógico tenta abrir uma porta trancada. Aquele terror que acontece se estende na delegacia. Ela foi criminalizada, ficou nesse terror”, diz o advogado, fazendo ainda um desabafo sobre o racismo no Brasil e exigindo respostas sobre tudo o que aconteceu ontem dentro de um colégio estadual e por conta de um policial militar fardado.

“Vamos acionar o CEP, a Secretaria de Educação e exigir respostas. Também queremos explicações da Secretaria de Segurança Pública: por que um pai vai em reunião pedagógica se valer da posição de policial militar? Tivemos um caso recente em que uma PM em São Paulo, com arma no coldre, fardada, não agiu mesmo com uma criança ameaçada com arma no rosto. E aqui, um PM vai armado intimidar pessoas e dar voz de prisão contra a mãe deum aluno que foi lá denunciar um caso de racismo? Precisamos de explicações”

Valnei França Fils, advogado

Mãe relatam medo por possibilidade de represálias: “Ele fardado, com arma, anotou o nome dessas crianças no papel, tem meu nome completo…

Na tarde desta terça-feira (21) o Bem Paraná conversou com a mulher que foi detida ontem e que prefere preservar sua identidade. “Eu estou com medo, bastante medo. estamos bastante receosos de sofrer alguma represália da polícia ou do próprio policial”, explica ela. “Se na frente de várias pessoas ele tomou aquela atitude, fico pensando o tipo de atitude que ele pode tomar agora, principalmente contra meu filho”, desabafa.

Ela ainda recorda que tanto ela como a mãe do outro aluno (que foi vítima das ofensas racistas) reclamaram, desde o início, que estavam com medo pelo fato do pai do outro estudante estar não só fardado, mas também armado.

“A mãe do menino que sofreu racismo disse que faria BO contra o filho dele. Depois, ele insistiu ainda em discutir, veio pra cima de mim dizendo que meu filho chamou ele de racista. Falei que meu filho nem conhecia ele e disse que ele estava usando o Estado, o cargo de agente público, para proteger o filho dele dos atos racistas que ele cometeu.”

Após dar voz de prisão contra a mulher, no entanto, o policial militar não ligou para o 190, e sim para amigos da polícia. “Aí eu me retirei, liguei para uma tia que é advogada e ela disse que ele não poderia me manter presa, que aquilo seria cárcere privado, e me orientou a ligar para a polícia, para o 190. Ele [policial militar e pai do outro aluno] me empurrou, foi muito truculento. Quase tive crise de pânico, passei bastante mal.”

Ainda que temerosa por conta de toda a situação, ela promete lutar até o fim por justiça.

“Fechei minhas redes sociais por segurança, não sei o que esperar. O que mais está pegando agora é o medo, estamos com muito medo do policial. A escola está prestando apoio pra gente, professores e funcionários se disponibilizaram a depor. Vou entrar com representação contra o policial na Corregedoria da Polícia Militar.”

Já a mãe do outro estudante confirma que irá abrir um boletim de ocorrência contra o filho do policial, por conta das ofensas racistas proferidas contra seu menino. Ela também esteve hoje na Corregedoria da Polícia Militar e irá apresentar uma denúncia contra o sargento. E assim como acontece com a outra família, o medido persiste.

“Nosso único medo é que tenha alguma represália do pai dessa criança [o policial militar]. Ele não vai fazer nada hoje, mas não sei o dia de manhã. Ele fardado, com arma, anotou o nome dessas crianças no papel, tem o meu nome completo… Essa é a minha preocupação. Qual o poder que ele tem sobre nossas vidas?”, desabafa a mulher, resaltando ainda o suporte que o CEP e seus funcionários estão dando para os alunos e pais vítimas do racismo cometido pelo filho e da intimidação perpetrada pelo pai. “Não foram omissos, tiveram uma condução exemplar. Inclusive, a diretora da escola ficou até de madrugada com a gentena delegacia.”