Franklin de Freitas – Obra parada na Linha Verde Norte

Operação Lava Jato, burocracia, crise econômica, atrasos em pagamentos e falta de capital de giro das empresas que restam entre interessadas em obras públicas são os motivos para uma escassez de prestadoras de serviços capacitadas para tocar grandes empreitadas. Um exemplo recente foi a desqualificação alegada pela prefeitura de Curitiba a respeito da empresa Terpasul para concluir trechos de obras na Linha Verde Norte. O rompimento unilateral do contrato pela prefeitura com a empreiteira deixou sem prazo para conclusão pelo menos três lotes de obras já paralisadas desde o ano passado. Mas o fenômeno não ocorre apenas em Curitiba e nem sempre pelos mesmos motivos. Somente relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Dilma Rousseff, cerca de 4,7 mil obras estão paradas no País, o que equivale a R$ 135 bilhões de investimentos.

A ausência do chamado “Clube das Empreiteiras” (Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e UTC Engenharia e outras), as gigantes multinacionais brasileiras flagradas em escândalos de corrupção da Operação Lava Jato, causou evidente mudança no mercado brasileiro nos últimos cinco anos, paralelamente à crise econômica vivida pelo País. “As médias viraram grandes e as pequenas viraram médias”, avalia Carlos Cade, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (Sinduscom-PR).

Quando o prefeito Rafael Greca (DEM) anunciou a tentativa de rescisão de contrato com a empresa executora da última etapa das obras da Linha Verde, no trecho entre os bairros Tarumã e Atuba, disse que ela não tinha capital de giro para manter a obra. “Colocaremos ali outras empresas com capacidade financeira para executar as obras. Os valores exigem que as empresas tenham capital de giro relevante”, destacou o prefeito. Antes da decisão, a prefeitura emitiu 144 notificações por descumprimento de prazos. Do conjunto, o trecho mais defasado é o que contempla a elevação do viaduto. As obras iniciadas em novembro de 2015 deveriam ser concluídas em um ano, mas após oito pedidos de prorrogação, foram atrasadas para 7 de novembro de 2019. Para as novas licitações, todos os lotes terão de passar por uma auditoria – trabalho que vai definir, além de um novo cronograma, o quanto as obras serão encarecidas .

Ao paralisar as obras, a justificativa empresa é de que houve erros nos projetos, licitados em 2009, que chegaram a ser apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2017, mas que teriam sido ignorados pela Secretaria de Obras. No relatório, o órgão federal descreveu ter encontrado um “projeto executivo deficiente e desatualizado para a execução da complementação da Linha Verde Norte em função da incompatibilidade dos quantitativos orçados com os verificados em projeto e da necessidade de diversas revisões e atualizações (…)”.

Para o vice-presidente do Sinduscom, empresas como a Odebrecht, por exemplo, estariam melhor preparadas para problemas como os relatados pela Terpasul. “Essas (grandes) se protegem. A Odebrecht se precavia de todas as formas de tudo isso. Tem empresa que ainda não recebeu até hoje (obras de 10 anos atrás). O Maracanã não pagou até hoje, tinha que desapropriar uma área para um shopping, tinha a Casa do Índio que não deixaram demolir, então havia uma quebra de contrato. Mas será que ela (empresa) não sabia e não se preparou contra isso?. Quanto maior a empresa, mais ela vai cobrar. Mais fácil enrolar um pequeno (empresário) que um grande”, ironiza.

As obras estão subfaturadas, coloca. “Hoje tem empresa pegando obra com 40% de desconto. Claro que vai entregar um produto de má qualidade. Capital de giro, quando vai fazer uma obra tem que ter os recursos, mais que o contábil, mas precisa outro recurso. (O poder público) fica três meses sem pagar, quatro meses sem pagar, aí precisa de grandes empresas (como a Odebrecht). Se vai ganhar uma obra e sabe que o órgão vai pagar, entra (na licitação) ‘com 100’ (de preço). Se sei que o órgão á mau pagador, vou cobrar ‘120’, porque é o risco que ela (empresa) assume”, explica.

O fenômeno também é observado em âmbito federal. Empreiteiras de tamanho médio e companhias de capital estrangeiro aumentaram a participação nas licitações de obras públicas, ocupando o espaço aberto pelas grandes companhias. Em janeiro deste ano o Portal da Transparência mostrava uma mudança no perfil do ranking de contratações. Saíram os contratos robustos dominados por grandes conglomerados brasileiros da construção e entraram projetos com valores menores, num sinal de maior pulverização dos recursos entre empreiteiras médias, sobretudo aquelas focadas na área de construção e manutenção de rodovias. São as empresas desse nicho que mais avançaram no ranking de contratações este ano.

Em 2014, quando a Lava-Jato estava no começo, a lista era dominada por gigantes conhecidas do setor, como Odebrecht, Andrade Gutierrez, UTC, Mendes Junior e outras. Agora, figuram nos primeiros lugares empreiteiras como a paulista Ferreira Guedes, a mineira LCM Construção e a paranaense Neovia.

Tímida, a gigante tenta voltar com fôlego

Em 2012, antes do início da operação Lava-Jato, destacou o Jornal O Globo, a Odebrecht recebeu R$ 1 bilhão em pagamentos do governo federal. Em 2019, a empreiteira ganhou R$ 368 milhões, referentes apenas a um contrato — de construção e manutenção de cinco submarinos para a Marinha. Em 2018, a Odebrecht não fechou nenhum novo acordo com a União. As empreiteiras envolvidas na Lava-Jato lidam com a impossibilidade de serem contratadas pelo Poder Público antes de firmarem acordos de leniência com órgãos de controle.

No Paraná, mesmo reduzida e tímida em comparação à sua atuação no passado, a Odebrecht, com outro nome (OEC), reage ao protagonizar ao menos uma “grande obra”. A duplicação da Rodovia dos Minérios (PR-092), que liga Curitiba a Rio Branco do Sul, na região metropolitana, devem começar no fim de setembro, segundo o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER). No último dia 12 de agosto, a Odebrecht foi homologada vencedora da licitação iniciada em 2017 para a realização do trabalho, pelo valor de R$ 90,6 milhões. O edital da concorrência vencida pela empresa prevê a duplicação e ampliação da capacidade de tráfego de um trecho de 4,74 km da PR-092, no trecho entre a ponte sobre o Rio Barigui, em Curitiba, e Almirante Tamandaré.

E o processo licitatório também enfrentou entraves. A disputa teve como vencedor, em princípio, o Consórcio Triunfo-TCE, em resultado homologado em abril de 2018. Uma decisão judicial do fim de julho de 2019, no entanto, mudou o resultado do processo por considerar que a vencedora deveria ser inabilitada por ter descumprido item do edital. Nessa obra, por exemplo, essa licitação foi apenas um capítulo de uma novela ainda mais antiga. Em 2013, a duplicação de 28,7 quilômetros da Rodovia dos Minérios chegou a ser anunciada pelo governo, que previa o início da obra para 2014. A empresa Votorantim, que tem uma fábrica de cimento na região, faria a obra em troca de benefícios fiscais, com pavimento em cimento. Mas a empresa acabou desistindo do projeto.

No último dia 24 de agosto, um grupo de moradores fechou um trecho da Rodovia dos Minérios próximo a Almirante Tamandaré para chamar a atenção para acidentes e mortes constantes que ocorrem na região. A estimativa é que 300 pessoas tenham participado do ato. Foi depois disso que o governo do estado anunciou uma nova data de início para a obra, que será tocada então pela Odebrecht.

Envolvida no esquema investigado pela Lava Jato, a Odebrecht, que já empregou diretamente com carteira assinada mais de 185 mil pessoas, retomou o direito a participar de licitações e contratos com o poder público em 2017, após fechar acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF), segundo entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU). Mesmo assim sua atuação nem se compara aos “anos dourados”, período em que confessou ilícitos, mas que empregava centenas de milhares de pessoas direta e indiretamente.

Quem tem dinheiro não quer contrato público

Carlos Cade admite que grandes investidores estão abandonando o mercado de obras públicas. “O ambiente jurídico ainda não é bom. Tem muita gente que sim (desistiu de obras públicas). Tem pouco investimento hoje. A pouca obra que aparece é lei da oferta e da procura, disputam quantas empresas? Tem licitação de asfalto e estão dando 40% de desconto. Alguma coisa vai acontecer, o produto vai ser entregue de má qualidade. Quem tem uma boa empresa, de investimento, foge, sai do mercado e vai para o mercado imobiliário, vão fazer prédios. As empresas que têm condições não vão se aventurar e saem mesmo”, analisa.

Por outro lado, Cade defende que há ainda muitas empresas qualificadas. “Não faria nunca essa afirmação (que faltam empresas). Não falta, categoricamente, empresas para fazer obras públicas no Brasil. Não precisa necessariamente que elas sejam grandes, só que ambas as partes cumpram o contrato”, pontua.

Para além da crise, da Lava Jato e da burocracia, Carlos Cade avalia que também um problema de comportamento entre poder público e empresas no Brasil compromete a qualidade das obras. “Período muito curto para fazer os projetos. No mundo desenvolvido isso não é assim. Nós temos o costume no Brasil de gastar pouco tempo em projetar e planejar – problema das incorporadoras e do poder público – para depois executar. Na prefeitura também ocorre isso. A gente tem que entender que [e uma verba que está lá e que se não pegar ela vai embora. (A solução é) mudança de postura, de cultura. É cultural. Tem que gastar tempo em ter uma turma para fiscalizar obras, mas tem que ter uma do mesmo tamanho para analisar e produzir os projeto, um bom projeto tem muito pouco aditivo”, recomenda.

Quando a concorrência também passa por uma “euforia”, a qualidade das obras tende a cair. “Pegam preços muito baixos, entrega de má qualidade, com projetos ruins, demora muito na execução. A legislação fala que só pode executar aditivos depois de assinado”, lembra.

Embora reconheça a existência de um divisor de águas, Carlos Cade não “culpa” a Lava Jato. “Nosso sindicato chamou (ex-juiz Sergio) Moro para uma palestra e deu uma medalha para ele apoiando e defendendo a legalidade, fizemos diversos cursos de compliance e de ética. Fizemos debates com Tribunal de Contas da União, levamos presidente do Tribunal de Justiça do Paraná e defendemos que o que é correto”, conta. “Eu acho que foi muito bom, porque tudo que se faz transparente é melhor. Quando as coisas e as regras que ninguém entende eram como eram a gente sabe que não é o certo. Foi benéfica (a Lava Jato).

Questionado se as obras investigadas na Lava Jato teria saído do papel se não fossem superfaturadas, Cade responde que sim, e mais baratas. “Era outro período. Teriam (saído do papel) e teriam gastado 30% menos. Se trabalhar dentro da lei. É ruim para o mercado uma empresa ser envolvida com isso (corrupção). A imagem fica ruim”, diz. Sobre o retorno da Odebrecht, Cade diz que bom para o mercado. “O empresário não pode defender ser único no negócio. Desde que as regras sejam iguais para todos. E que o compliance não fique só no papel”, pontua.

‘Solução é dividir grandes projetos e em parceirias público-privadas’

Carlos Cade enumera ao menos duas alternativas para o período de crise e pós-Lava Jato: dividir grandes obras entre diversas empresas e tambám Parcerias Público Privadas. “O Paraná tem empresas com condições financeiras. Quando se tem uma estrada de 100 quilômetros pode fazer ela com uma empresa ou com 10 empresas, ou com 20 empresas. Mas eu quero construir um aeroporto (grande) como o Afonso Pena, aí é difícil, mas pode fazer por etapas e com concorrência internacional. Mas o tamanho da obra pode ser partido”, sugere.

A outra solução, “que tem acontecimento muito” são as PPPs. “Essa é uma forma de inserir a iniciativa privada para arrumar dinheiro. Os grandes ou um grande somatório de médios a colocarem o dinheiro, para infraestrutura. Faz um programa, por exemplo, em uma estrada, investe um dinheiro e ganha com pedágio para recuperar esse dinheiro. Iluminação pública numa cidade e cobrar de quem esta usando para compensar o investimento. Presídios, fazemos uma PPP e tem toda uma regra, aberta para mais gente disputar, construímos, fazemos a gestão e cobramos do governo o valor por preso, mas quem pôs o dinheiro foi quem ganhou a PPP. É uma forma de alavancar o País. O governo não tem dinheiro. Quando vai ter dinheiro para fazer estrada, hospital, presidio? Então o governo paga aluguel”, diz.