Corredor de rua acumula milhares de quilômetros ‘rodados’ por Curitiba

Aos 74 anos, o taxista e corredor de rua Jorge da Silva está sempre em movimento, seja na direção ou na pista

Cecília Zarpelon, especial para o Bem Paraná
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Jorge da Silva: duas provas por mês, em média. Neste ano foram 20 em Curitiba (Fotos: Valquir Aureliano)

Com aproximadamente um metro e 50 de altura, Jorge da Silva é dono de um grosso bigode preto e de um bom humor contagiante. Aos 74 anos, o catarinense radicado em Curitiba acumula milhares de quilômetros rodados. Desde 1975 Jorge corre pela capital do Paraná, primeiro como taxista e depois como atleta de rua.

Nascido em 24 de fevereiro de 1949, em Salete, Santa Catarina, Jorge saiu da casa dos pais, o barbeiro João Bernardo da Silva e a dona de casa Rosalina Hillman, para morar com o tio no município de Tubarão aos 15 anos. Chegou em Curitiba na década de 1960, onde fez um curso técnico em Contabilidade e arranjou um emprego na antiga Companhia de Força e Luz do Paraná, a atual Copel. Foi aqui que Jorge criou os três filhos que teve com Beni Loch da Silva, com quem é casado há mais de 50 anos.

Hoje, a vida de Jorge se divide entre dois tipos de corridas: as de táxi e as de rua. Além de ser um dos 2.165 taxistas registrados pela Urbs de Curitiba, o catarinense é um atleta premiado e bastante conhecido na área. “Sou quase uma celebridade”, brinca.

Mas, enquanto na corrida de rua, o objetivo é ir o mais rápido possível, atrás do volante Jorge é “marcha lenta”: vai sem pressa e sempre com muita tranquilidade. “Quando estou correndo as pessoas me xingam porque bloqueio a rua, mas no táxi me xingam também porque sou muito devagar. Com isso aprendi a respeitar ainda mais os pedestres e ter muita paciência no trânsito.”

Profissão desde 1975, quando deixou a Copel

Jorge saiu do emprego da Copel em dezembro de 1975 para se tornar oficialmente condutor de táxi. Naquela época, a profissão era bastante rentável e, como autônomo, ele conseguia conciliar com mais facilidade o serviço e a família. “Eu sempre gostei de dirigir e de ter contato com o público. Sempre me senti realizado de estar fazendo uma coisa que eu gosto”, diz ele.

O primeiro táxi de Jorge foi um Fusca sem banco dianteiro, com taxímetro mecânico e uma corda presa à porta do passageiro para que o motorista pudesse fechá-la assim que alguém entrasse no veículo.

Das diversas memórias que tem com o Fusca, as favoritas de Jorge são as de quando precisou “dar uma de investigador de polícia”, nas palavras dele, durante as corridas. Certa vez, uma mulher chamou o táxi de Jorge com destino à rodoviária. Ela pediu que o motorista a aguardasse pois iria checar se havia passagem disponível para o Litoral do Paraná, mas, como elas já estavam esgotadas, a passageira perguntou se Jorge poderia ir dirigindo até lá.

“Passamos com o Fusca por todos os hotéis de Matinhos e Caiobá para procurar o marido, porque ela acreditava que ele estava fazendo coisa errada. Encontramos ele no serviço, no Porto de Paranaguá. A moça chorou muito, ele acertou a corrida e eu me mandei embora para Curitiba”, conta Jorge, dando risadas.

Início foi caminhando

Depois de 26 anos passando os dias sentado no táxi, Jorge decidiu começar a caminhar, para aplacar o desconforto que sentia devido à profissão sedentária. Ele estava completando 40 anos e fez caminhadas, durante uma hora por dia, até os 55.

Foi nessa época que o filho, então estudante de Educação Física, passou a estagiar numa academia e decidiu treinar o pai. “Aos 60 anos virei atleta e participei da primeira corrida de rua. Não parei mais”, comemora Jorge.

Hoje, o corredor coleciona mais de 300 medalhas e troféus. “Até poderia ter mais, mas quase todas as organizadoras de provas juntam as pessoas na categoria de 60 anos para cima. Isso desmotiva um pouco os corredores da minha faixa etária.” Por isso, Jorge e um amigo estão preparando um documento para ser entregue à Câmara Municipal de Curitiba (CMC), solicitando que os vereadores façam um projeto de lei que organize as corridas de rua da cidade. Só em 2023, foram mais de 20 provas na capital. “Curitiba tem uma febre de corridas de rua aos finais de semana. Mesmo fazendo chuva ou frio o povo vai.”

Jorge faz, em média, duas provas por mês. O corredor, que já foi patrocinado pela empresa de táxi onde trabalhava e depois pelo próprio cardiologista, costuma fazer percursos de 10 km. Aos 55 anos, quando estava no auge do atletismo, segundo ele, corria 30 km todas as semanas.

Este ano, Jorge completou a primeira meia maratona: 21 km na esteira em duas horas e seis minutos. Antes disso, a maior distância percorrida por ele de uma vez, com os pés no asfalto, havia sido de 15 km, na Corrida Internacional de São Silvestre, em São Paulo. “Juntando todos os quilômetros que eu corri acho que já dava uma volta ao mundo”, diverte-se.

Conhecido no meio esportivo como “o taxista do bigode mais famoso das corridas de rua”, frase cunhada por um locutor das provas, que grita sempre que vê o taxista na largada ou na chegada, Jorge fica extremamente feliz quando está correndo porque é um homem do povo. “Eu gosto muito de ver e interagir com as pessoas. Acho que tem um pouco a ver com o motivo de eu gostar tanto do táxi também.”

O taxista e corredor diz não fazer muitos planos para o futuro porque alcançou tudo o que gostaria na vida. Mas de uma coisa tem certeza: “Enquanto as pernas e os joelhos permitirem, vou continuar correndo”. Felizmente, Jorge se refere tanto às corridas de táxi como às de rua.