Curitiba não tem mar, mas tem bar; e um deles é um verdadeiro monumento

Fundado em 1904, o Bar Stuart é o mais antigo não só da Capital, mas de todo o Paraná. Prestes a completar 120 anos, o estabelecimento ainda luta para superar os impactos da pandemia

Rodolfo Luis Kowalski

(Franklin de Freitas)

Uma célebre frase do poeta Paulo Leminski que ficou conhecida entre os amantes da boêmia curitibana diz que “O Rio é o Mar. Curitiba, o Bar”. E uma das inspirações do “samurai-malandro” para sua criação, possível e provavelmente, foi um estabelecimento que fica no Centro da cidade e era por ele frequentado diariamente: o Bar Stuart, que definitivamente não é só mais um dos tantos bares curitibanos, mas sim um verdadeiro monumento da Capital.

Fundado em 1904, o Bar Stuart é o mais antigo bar não só de Curitiba, mas de todo o Paraná. Idealizado por Joseph Richter e fundado pelo casal Stuart (origem do nome do estabelecimento), ficava originalmente na Rua Comendador Araújo e levava o nome de Bar e Confeitaria Stuart, pois também vendia doces, salgadinhos, sorvetes e outros quitutes. Desde 1954, contudo, a casa funciona no mesmo ponto onde está até hoje, em frente à Praça Osório, esquina com a Alameda Cabral, mantendo sempre um conceito mais bucólico e uma pegada de “bar raiz”.

Nas paredes do lugar, histórias que não acabam mais. São dezenas de fotografias, recordações de clientes e visitas ilustres, com personalidades do mundo artístico, do mundo jornalístico, do mundo esportivo e do mundo político, entre elas dois “reis”: Pelé e Roberto Carlos.

Não é só de memórias, no entanto, que vive o Bar Stuart. E o cardápio da casa não me deixa mentir.

Na parte de alimentação, as opções de petiscos são diversas, com sanduíche de pernil, quibe, bolinho de carne e pastel, por exemplo. Os carros-chefes, no entanto, são a curitibaníssima carne de onça – o estabelecimento, inclusive, foi um dos pioneiros no prato hoje típico – e o testículo de touro, servido tanto à milanesa quanto ao molho.

“Temos um belo cardápio, belas opções saborosas para atender aos clientes. Mas os carros-chefes são dois: o testículo de touro e a carne de onça. Fomos os pioneiros na carne de onça aqui na Capital, inclusive. Hoje temos muitos bares e restaurantes que fazem excelentes carnes de onça, mas a carne de onça do Bar Stuart é uma coisa especial”, propagandeia Luiz Carlos de Carvalho, que há 40 anos é cliente da casa e há cinco vem atuando como colaborador do bar.

Já na parte de bebidas, o chopp gelado é uma pedida obrigatória. “Mas também temos várias bebidas quentes que saem bem e temos duas batidas, uma de limão e outra de maracujá, que são batidas tradicionais, elaboradas aqui no bar mesmo e feitas com cachaça, não com vodka”, recomenda ainda Carvalho.

Tempos de dificuldade após a pandemia: “Lutamos para conseguir retornar ao que éramos”

Durante os momentos mais críticos da pandemia de Covid-19, um dos segmentos econômicos mais afetados foi justamente o gastronômico. E para o Bar Stuart a situação não foi diferente, com um toque a mais de dramaticidade: é que o empresário Nelson Ferri, que desde 2008 tocava o estabelecimento, faleceu na madrugada do dia 5 de abril de 2021. Ele vinha lutando contra um câncer nos pulmões e acabou contraindo a Covid-19, que o fez ficar dez dias internado e dois dias intubado.

“A pandemia foi difícil. Ainda está fraco aqui [o movimento], meio parado. O pessoal não voltou ainda, também perdemos bastante freguês, porque na pandemia morreu um monte de gente, inclusive o próprio proprietário do bar. Mas estamos levando, empurrando com a barriga”, comenta o garçom Jorge Luiz de Almeida, conhecido como Alemão, que há quase quatro décadas trabalha no Bar Stuart. “Tínhamos uns fregueses que eram típicos, mas já se foram quase todos. Agora está começando a vir uma nova clientela, uma nova geração. Do pai passa pro filho, do filho passa pro neto e assim vai”, complementa ele.

Atualmente, o Bar Stuart é tocado por Carlos, filho de Nelson Ferri, que conta ainda com a ajuda de Luiz Carlos de Carvalho para manter viva e ainda sendo escrita a história do monumental bar curitibano. As dificuldades, no entanto, existem. Antes da pandemia, por exemplo, a casa atendia, num dia útil, um dia de semana, entre 100 e 150 pessoas. Hoje, costuma atender entre 50 e 60 pessoas nessas datas.

“Ainda estamos tendo muita dificuldade, até porque o estabelecimento tem um custeio caro. O imóvel aqui, por exemplo, é alugado. Acredito que seja um dos contratos de aluguéis mais antigos de Curitiba. Temos um custo alto com funcionário, energia, água… Isso tudo pesa. Mas o legal é que os curitibanos mais jovens estão começando a conhecer mais o Bar Stuart, estamos vendo essa renovação. Mas nossos clientes tradicionais também continuam vindo e sentindo alegria, prazer de vir, e nos feriados também temos uma frequência muito boa de turistas, porque Curitiba é uma cidade que tem um apelo turístico muito forte. Isso nos ajuda também”, afirma Carvalho, citando ainda que tem esperança de que as coisas voltem ao normal em breve. “A coisa está caminhando, pouco a pouco está melhorando.”

O centenário Stuart já “viu” muita história de Curitiba (Franklin de Freitas)

Da casa
As histórias de quem passou a vida no Bar Stuart

Como costuma acontecer em alguns dos estabelecimentos mais tradicionais de Curitiba, no Bar Stuart, além da tradição e do cardápio, outro destaque é também o atendimento. O garçom com menos tempo, por exemplo, trabalha há 33 anos na casa, mais de três décadas servindo o público. Já Jorge Luiz de Almeida, o Alemão, está há 38 anos no bar. Ele conta que veio do interior de São Paulo para Curitiba e na época não pretendia trabalhar em bares ou restaurantes, área na qual já atuava informalmente em território paulista.

“Mas quando vim para cá eu tinha um dinheiro guardado, acabei gastando essa reserva e fiquei sem dinheiro. Um dia eu passei aqui na frente e um amigo meu falou que tinha vaga para trabalhar. Aí eu aceitei só para esquentar a carteira, que é o primeiro emprego. Mas no final aqui acabou sendo o meu primeiro e o último emprego [risos]. Comecei trabalhando aqui no balcão e depois passei pro lado de lá”, conta o Alemão.

Com tanto tempo de casa, o que não falta para o garçom é história para contar, uma mais divertida e inusitada que a outra. “Um dia um cara chegou e falou assim: ‘Alemão, me vê uma carne de onça. Mas é carne de onça mesmo?’. Eu disse que sim e daí ele perguntou: ‘Você sabe com quem está falando? Está falando com um fiscal do Ibama’. Daí eu retruquei para ele assim: ‘E você sabe com quem você está falando? Com o garçom mais mentiroso de Curitiba.’”

Em outra ocasião, um cliente acabou exagerando nas doses de batida de maracujá, carinhosamente apelidadas de Rayovac por causa da cor amarela da bebida, que lembra a pilha. Ao todo, tomou oito copos da batidinha feita com cachaça e depois não conseguia lembrar onde havia deixado seu carro. “Daí eu chamei um táxi e coloquei ele dentro do carro. Meia hora depois, o táxi estava aqui de volta. Perguntei o que tinha acontecido e o taxista falou que o cara não sabia onde morava [risos]. Tive que ligar pra mãe dele, que passou o endereço e ainda falou assim: ‘pode mandar esse vagabundo pra cá’”.