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Projeto conta com rede de voluntários de diversas áreas (Matheus Freitas)

De julho de 2024 até o momento, 402 crianças foram registradas em Curitiba sem o nome do pai, segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil. Mas esse número revela apenas parte da realidade, muitas outras mulheres criam seus filhos sozinhas e sem rede de apoio, mesmo com o nome paterno no documento.

Por trás dessas estatísticas, há histórias de sobrecarga, solidão e invisibilidade. Para acolher parte dessas mães e ajudá-las a reconstruir suas trajetórias, nasceu o projeto “Re-existir”, uma iniciativa voluntária que oferece encontros psicoterapêuticos gratuitos, voltados exclusivamente para mães solo em Curitiba.

Idealizado pela psicóloga Daniele Figueiredo dos Santos, o projeto se propõe a ser mais do que um espaço de escuta e sim um espaço de fortalecimento coletivo e redescoberta de si.

“Essas mulheres muitas vezes não têm tempo, rede de apoio ou recursos para cuidar de si mesmas. Os problemas se sobrepõem, e é difícil identificar dentro de si uma solução. O grupo surge como possibilidade de resgate, pertencimento e recomeço”, explica Daniele.

Assim que abriram as inscrições, o interesse foi imediato. Muitas mulheres entraram em contato. E não só mães solo, mas também mães em outras situações de vulnerabilidade, o que confirma a carência de espaços voltados ao cuidado emocional da maternidade. O grupo inaugural, no entanto, será voltado exclusivamente para mães que enfrentam a criação dos filhos sem apoio.

Sessões quinzenais

A iniciativa começou no final de julho, com sessões quinzenais realizadas no Ahú Espaço de Saúde e Desenvolvimento Corporativo. Cada grupo contará com até seis participantes, que permanecerão juntas ao longo dos dez encontros. Enquanto as mães participam das atividades terapêuticas, voluntários ficarão com os filhos no mesmo espaço, contando até com um palhaço, oferecendo atividades lúdicas e acolhimento, um dos pontos que mais sensibiliza as participantes.

“Eu chorei quando li sobre o projeto. Foi um choro convulsivo, de alguém que se sentiu finalmente enxergada”, relata MVZ*, uma das mães inscritas. Mãe de um menino com deficiência, ela enfrenta a rotina exaustiva de cuidar sozinha do filho, trabalhar e lidar com todas as responsabilidades domésticas e emocionais sem qualquer rede de apoio. “Ser mãe solo de verdade é viver em um limbo. Não tenho com quem contar, não posso marcar nada para mim. Até atividades básicas, como ir ao salão ou fazer um exame médico, viram um desafio quando se está sozinha com uma criança que depende de você para tudo.”

Segundo MVZ, a expectativa com o grupo é, sobretudo, ter um espaço onde possa compartilhar experiências com outras mulheres que realmente compreendem sua realidade. “Minhas amigas se dizem mães solo, mas têm guarda compartilhada, pensão, apoio dos pais. É diferente. Eu me sinto sozinha até para conversar sobre isso. Quando vi que existia um grupo só para mães como eu, chorei. Não por tristeza, mas por alívio. Saber que vou poder falar e ser compreendida.”

Voluntários

Além dos encontros terapêuticos conduzidos por Daniele, o projeto conta com uma rede de voluntários. Entre eles, uma consultora de RH que atua orientando as participantes em situações ligadas ao trabalho e à renda. O espaço é cedido pela médica Adriana Banzzatto, neurologista e proprietária do local. Há ainda planos para envolver fisioterapeutas, palhaços voluntários e terapeutas de aromaterapia. “Começou como uma ideia pequena e virou uma corrente do bem”, define Daniele.

Segundo a psicóloga, o projeto surgiu da sua própria vivência como mãe solo e do contato com outras mulheres que enfrentam a maternidade sem suporte. “O desejo foi criar um espaço para que essas mães possam olhar para si, se escutar e se reorganizar emocionalmente. Ao cuidar dessas mulheres, a gente também fortalece as crianças.”

As inscrições para o primeiro ciclo do “Re-existir” já encerraram, mas a proposta é começar com uma turma e, se houver demanda e apoio, expandir o projeto para mais mulheres.

*Nome fictício utilizado para preservar a identidade da participante.

Alana Morzelli, sob supervisão de Mario Akira