Paraná finados

Do luto à luta: projetos na Grande Curitiba surgiram de perdas, mas hoje transformam realidades

Linda Franco e Maria Madalena Abreu transformaram a perda de seus filhos em uma oportunidade de ajudar outras pessoas

Lívia Berbel
projetos na grande curitiba surgiram de perdas mas transformam vidas

Linda Franco à esquerda, e Maria Madalena à direita (Valquir Aureliano/Acervo Pessoal)

Quando Gabriel começou a ter mudanças de humor e dificuldades na escola, Linda Franco, sua mãe, foi chamada pelas professoras para entender o comportamento. O que, à primeira vista, parecia um acompanhamento escolar, deu início a uma grande jornada lutando pela saúde de seu filho – e que, hoje, se transformou em uma luta por outras crianças, mães e pais que enfrentam a mesma situação.

Em 2008, Linda levou Gabriel ao oftalmologista pela primeira vez, mas o diagnóstico fechado veio somente em 2009. Gabriel tinha Adrenoleucodistrofia, uma doença rara e genética, que até hoje não tem cura. Os sintomas da doença, geralmente, aparecem quando a criança atinge a idade escolar. Gabriel, por exemplo, teve os primeiros sintomas aos 6 anos e meio de idade.

Como o diagnóstico da doença é muito difícil e há poucas informações para os profissionais e para os familiares, o diagnóstico de Gabriel foi tardio. Linda e seu filho passaram três anos vivendo no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, e mais cinco anos em UTI domiciliar, via liminar na justiça.

Ao longo dos anos, Linda foi encorajada a escrever sobre o que estava vivendo e ajudar pessoas que viviam em situações parecidas. “É olhar para o lado e ver que tem famílias com situações mais difíceis ainda que a sua. Eu colocava a dor no bolso e ia lá conversar com outras mães. Por isso que nasceu o blog, que até hoje ainda existe”, conta Linda. Ali nasceu uma ativista pela visibilidade das doenças raras.

A luta que nasce do luto

Foi em 2017 que Gabriel faleceu. Antes disso, Linda foi incentivada a procurar outros sentidos, para se acostumar com a falta do filho – que já estava sob cuidados paliativos. Pois bem, Linda decidiu cursar sua primeira graduação, mas o primeiro dia de aula foi marcante e teve um significado muito maior.

“Gabriel esperou. No dia da aula inaugural, que era presencial, o Gabriel não estava muito bem, e eu mandei o WhatsApp para o médico e falei assim: Doutor, Gabriel não está 100%, mas eu vou para a aula e quando eu voltar a gente vê o que faz. Então eu fui para a aula, mas no meu primeiro dia de aula, depois de oito anos cuidando dele, ele decidiu partir. Para mim faz muito sentido tudo isso. O Gabriel esperou eu saber que teria que refazer a minha vida e partiu. É um legado.”

Assim, em 2013, ainda durante a vida de Gabriel, Linda criou um grupo no facebook chamado “Troca-troca entre mães especiais”. No grupo, as mães trocam informações sobre as doenças de seus filhos, além de doações de materiais hospitalares, cadeiras de roda e de banho. O grupo é privado e já tem mais de 10 mil pessoas participando.

Hoje, morando em Fazenda Rio Grande, na Região Metropolitana de Curitiba, Linda promove o encontro de mães atípicas em todo o primeiro sábado do mês. A ideia é reunir para que elas tenham um “momento de mães”. “A mãe atípica vive um universo à parte. Nossa rotina é diferente, os desafios são gigantes. Então nos reunimos porque falamos a mesma língua”, conta. O grupo se une, também, para ajudar essas mães atípicas que, muitas vezes, não têm condição financeira para cuidar dos filhos. Por isso a doação de fraldas, leite em pó e outras coisas.

Além disso, Linda é mobilizadora social pelo Instituto Berbigier e trabalha como assessora parlamentar, auxiliando na conscientização sobre doenças raras e, especificamente, sobre a Adrenoleucodistrofia. “As datas, claro, judiam da gente. Dia 2 de novembro eu me lembro que ele poderia estar aqui comigo, assim como no dia 7 de maio, que é o aniversário dele. Eu optei por cremar o corpo do Gabriel e jogamos no litoral. Quando tenho a oportunidade, vou lá, faço uma oração, falo com ele e coloco uma florzinha no mar. A mãe não supera o luto, ela incorpora ele.”

Legados

Após o trágico acidente que tirou a vida de Wellington, sua nora e seu neto, Maria Madalena Abreu foi outra mãe que enfrentou a perda de um filho. Segundo Maria, Wellington era conhecido pelo espírito altruísta, sempre disposto a ajudar com festas para as crianças e doações para pessoas em situação de vulnerabilidade, e foi daí que ela tirou suas forças para criar a “Associação de Moradores União que Transforma Corrente do Bem W.A.”

Dessa forma, a cada iniciativa da associação — seja com festividades para o Dia das Crianças, celebrações de Páscoa e Natal, ou a entrega de cestas básicas e roupas —, Maria Madalena sente que está dando continuidade ao sonho dele. “Esse projeto é dele, não é meu. Ele tá me inspirando lá do céu para eu fazer esse trabalho”, conta ela, emocionada.

A associação atua diretamente na comunidade, ajudando recém-chegados, oferecendo suporte a famílias que enfrentam dificuldades e até auxiliando no pagamento de contas de luz e água para quem mais precisa. É uma corrente de solidariedade que Wellington iniciou e que, por meio de sua mãe, ganha ainda mais força e significado.

Para Maria Madalena, incorporar o luto é seguir o legado do filho, ajudando crianças e famílias da Grande Curitiba a encontrar momentos de alegria e esperança em meio às dificuldades. Assim, ela encontra consolo ao ver o impacto do trabalho e sabe que, ao honrar o legado de Wellington, ele continua presente — “abençoando muitas pessoas e trazendo alegria para nossas crianças.”

“Eu costumo ir no cemitério, fazer homenagem, levar flores. Faço as minhas orações agradecendo o Papai do Céu por ter dado meu filho 27 anos e, para hoje, eu estar seguindo os passos dele. Ele não está aqui, mas eu estou. Eu choro, porque eu sou mãe e ele é uma pessoa muito especial, enquanto em vida e agora que está nos braços do Pai. Ele continua abençoando muitas pessoas, crianças”, conta Madalena.

2 de novembro, o Dia de Finados

O Dia de Finados (2 de novembro) é considerado um feriado nacional. Na data, muitas pessoas vão aos cemitérios para visitar os túmulos de seus entes queridos e prestar homenagens. A data começou na França no século X com uma tentativa de unificar as homenagens em memória dos falecidos, já que cada família utilizava uma data diferente. Além disso, no Brasil, 2 de novembro é considerado Feriado Nacional e reúne pessoas em vários cemitérios e igrejas pelas cidades.

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*Lívia Berbel, sob supervisão de Mario Akira