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Atendentes do Telegramática de Curitiba: até pessoas de outros estados ligam para tirar dúvidas (Vânia Dobranski)

Em tempos de Inteligência Artificial e de uma cultura imediatista, ainda há quem ligue para tirar dúvidas de Português? A resposta é sim. Atualmente, o Telegramática, em funcionamento desde 1985 na Prefeitura de Curitiba, recebe aproximadamente mil ligações por mês. Na primeira quinzena de março deste ano, o serviço já contava com 693 atendimentos.

Embora dominem a língua portuguesa, algumas pessoas, vez ou outra, têm questionamentos pontuais a respeito da gramática. Assim, com apenas um aparelho telefônico e oito dígitos, elas conseguem sanar suas dúvidas com as atendentes do Telegramática.

O público que faz ligações para o Telegramática é diversificado: revisores, jornalistas, publicitários, autores de livros, cronistas, advogados e professores. Apesar de ser um serviço essencialmente curitibano, consulentes de outros estados recorrem ao Telegramática diariamente. A equipe já está familiarizada com algumas vozes: pessoas de Brasília, Rio de Janeiro e Fortaleza que ligam com frequência.

As dúvidas mais recorrentes são a respeito da vírgula e da crase. Ao receberem as ligações, as atendentes já estão preparadas com o material de consulta, caso precisem. “Temos bastantes livros, gramáticas, guias de uso de português. Porque as dúvidas, por serem pontuais, alguns consulentes precisam entender o motivo, precisam de abonação. Revisores precisam de abonação. Eles querem saber o porquê e quem abona isso, que autor orienta. Então, a gente tem o material para dar abonação”, explica a atendente Rita Fonseca.

Há períodos em que a demanda é maior, contudo, nem na pandemia de Covid-19 o Telegramática deixou de receber ligações. Rita, por exemplo, fez 29 atendimentos em março de 2020 – início do período pandêmico.

A equipe que exerce o ofício de simplificar e desmistificar o Português é composta por quatro mulheres: duas profissionais formadas em Letras e duas estagiárias da mesma área. Rita Fonseca, de 51 anos, trabalha no Telegramática há seis anos. Antes de compor a equipe de atendentes, ela lecionava em sala de aula.

Apesar de ainda exercer a função didática, Rita conta que a experiência de atuar no Telegramática é diferente. O contexto de sala de aula perpassa o ensino da gramática, pois há uma relação interpessoal e afetiva com os estudantes. “Aqui [no Telegramática], é mais impessoal, porque o telefone é o portal. Então, é tudo mais impessoal e objetivo. Não tem aquela relação pessoal como a da sala de aula, que é buscar diariamente com as mesmas pessoas”, comenta.

Para além das dúvidas, público quer interagir
Mesmo com tantas inteligências artificiais que sanam dúvidas de forma imediata, Rita acredita que o número de ligações ao Telegramática não tende a diminuir, pois há um público que valoriza o debate em detrimento de respostas rápidas.

“Muita gente liga porque precisa dessa fala, dessa conversa. Às vezes, não é simplesmente a dúvida, mas é uma discussão. ‘Olha, essa frase aqui, você acha que que que tá passando tal mensagem, eu quero passar tal mensagem, ela é muito semântica?’”, opina Rita.

A necessidade de interação e de entender o porquê das coisas parte, sobretudo, das pessoas que têm a partir de 30 anos. “Quanto mais a gente vai ficando experiente, a gente quer entender as coisas, né, e a dinamicidade das coisas e a dinâmica do dia. A gente passa a tentar desacelerar, a gente passa a querer ter qualidade em tudo, então as respostas prontas e as respostas sim, porque sim, não, não nos atendem”, explica Rita.

O serviço da Telegramática não será sucumbido em meio aos avanços tecnológicos, porque, na opinião de Rita, quando a geração que hoje é jovem e imediatista começar a amadurecer, a tendência é que haja uma repetição do comportamento que é observado nos consulentes atualmente. Ou seja, pessoas que querem interagir para, então, compreender o porquê.

“Aqui, a gente consegue ter a leitura de vários pontos de vista de gramáticos que têm visões diferentes de algum assunto. Então, a gente consegue discutir com o consulente pra saber qual vai se adequar. Esse olhar mais amplo com vários autores e que a gente consiga conversar com o consulente pra que ele possa tomar a decisão mais acertada pra ele, isso nenhuma inteligência artificial vai fazer”, pontua Rita.

A cada ligação, um elemento surpresa
As atendentes do Telegramática estão preparadas para cada ligação, que pode render boas histórias para contar, das surpreendentes às engraçadas. Como, por exemplo, um consulente que perguntou se “já” tinha acento e, se sim, em qual letra.

Rita conta sobre um atendimento que a marcou.
“Uma profissional que era revisora e guardou vários recortes de jornal ao longo de algum tempo e começou a fazer análise dessas manchetes. Então, ela ligava pra cá pra pedir ajuda naquilo, porque era um exercício que ela estava fazendo a análise sintática das manchetes de notícias de jornal. E, obviamente, a manchete é mais complexa pra fazer essa análise sintática, você nem sempre tem todos os elementos. Então, ela ligava pra cá’’.

Após sanar as dúvidas da revisora, que ligava em uma frequência quase diária, a consulente explicou que guardou muitos jornais e, agora, estava aposentada. Com isso, aproveitou a oportunidade para treinar a memória com a análise das manchetes.

Sobre
Telegramática

Mantido pela Secretaria Municipal da Educação, o Telegramática de Curitiba foi um dos primeiros serviços do gênero no país. Inspirado no Grammarphone, que era um serviço de tira-dúvidas à língua inglesa implantado na cidade de Arkansas (EUA), em 1979, a versão curitibana se tornou realidade em 1985, por meio de parceria da Prefeitura com a Telepar (então a companhia estatal de telefonia fixa).
O Telegramática funciona das 8h às 12h e das 13h às 17h, de segunda a sexta-feira. Os telefones são (41) 3350-3642 e (41) 3350-3645.