
Nas veias da família curitibana Mokfa, brinca-se, não corre sangue, mas sim óleo suíço. Há 75 anos e há três gerações eles trabalham consertando relógios, sendo que desde 1993 ocupam o box 340 do Mercado Municipal de Curitiba, onde fica a Relojoaria Dajuki. Uma tradição relojoeira que se iniciou em 1950, quando Alfredo Mokfa, hoje com 89 anos, resolveu fazer um curso de relojoeiro por correspondência.
Ele, que era de uma família de mecânicos, resolveu começar a mexer com relógios por conta de sua paixão por essas máquinas. Questões financeiras, no entanto, também serviram como motivação. Na época, Alfredo já planejava formar família e se casar com Joaquina, sua esposa há 68 anos. No entanto, trabalhava como impressor gráfico. E descobriu que consertando um relógio conseguiria ganhar o mesmo que receberia trabalhando uma semana na gráfica.
“Eu gostava de relógio. Então comecei a fazer o curso por correspondência e passei a trabalhar na área logo em seguida”, recorda Alfredo. “Comecei como relojoeiro numa época que se tinha muito relógio à corda. Depois, vieram os relógios automáticos. O volume de trabalho era muito grande. Você fazer uma revisão num relógio implica em você desmontar a máquina inteira, são várias camadas. A gente usava uma máquina com uns cestinhos de arame para limpar as peças e depois centrifugar elas, que saíam quentinhas, brilhosinhas. E daí que vem a função do relojoeiro, que é o conhecimento de montar todas as peças na ordem devida, em cada camada”, relata ainda ele.
A relojoaria no Mercado Municipal
Por anos, o patriarca trabalhou prestando serviços para outras relojoarias. Isso até 1993, quando foi convidado a abrir sua própria relojoaria no Mercado Municipal. Foi quando criou a Relojoaria Dajuki, nome que em princípio pode até parecer coisa de japonês, mas não é.
“Juki é o apelido da Joaquina. E quando a gente estava procurando um nome para loja, a primeira neta falou que aqui era a relojoaria da Juki. Daí colocamos esse nome, mas tem gente que acha que é nome de japonês”, brinca Vera, filha de Alfredo. “Ele foi convidado a vir para cá porque havia procura pelos serviços de relojoaria e a área estava carente aqui na região”, explica ainda ela.

Uma tradição que passou de pai para filha
Por anos, Alfredo trabalhou ao lado da esposa na loja da família. Enquanto ele consertava os relógios, Joaquina atendia os clientes que chegavam interessados em comprar um brinco ou um colar, por exemplo, ou ainda limpando as máquinas que o relojoeiro teria de consertar. Os filhos (e mais tarde os netos e bisnetos) eram também presença constante.
“Toda a família sempre esteve envolvida na profissão dele, desde que ele começou. Meu pai trabalhava muito em casa, passava a madrugada arrumando relógios, porque o silêncio do mundo ajuda o relojoeiro. Nós dormíamos e acordávamos com uma parede inteira de relógio fazendo barulho. Nossa vida foi nesse ambiente e os netos e bisnetos também viveram a mesma coisa”, conta Vera.
Formada em engenharia da produção, a filha conta que nunca se imaginou seguindo os passos do pai. Há cerca de 10 anos, no entanto, começou a trabalhar na loja para ajudar na parte comercial, com a implementação das notas fiscais eletrônicas. Aos poucos, foi aprendendo o ofício do pai, de tanto observá-lo em ação. Até que veio a pandemia, em 2020.
“A intenção inicial era eu me envolver com essa parte mais comercial, e foi assim por um bom tempo. Até que chegou a pandemia e o meu pai, por ter mais de 80 anos, não pôde mais entrar no Mercado Municipal. Aí tive que passar a consertar o relógio. E no começo senti muito medo quando fiquei sozinha, porque a responsabilidade é muito grande. Eu nunca planejei vir pra cá, mas acabei vindo, fiquei e hoje gosto do que faço. É algo muito gostoso, prazeroso”, destaca a relojoeira.
A aposentadoria de Alfredo: “Uma hora tem que parar para fazer um pouco de festa”
Mesmo durante e após a pandemia, Alfredo seguiu trabalhando de casa, ajudando no conserto de relógios. Em janeiro, no entanto, veio a decisão definitiva pela aposentadoria. Ele ainda tem mãos firmes e vista boa, relata a filha, mas a memória já não ajuda mais. “Ele desmonta o relógio e não consegue montar. Aí veio a decisão de se aposentar definitivamente. Foi uma caminhada longa, e uma hora tem que parar para fazer um pouco de festa na vida, né?”, comenta ela.
Quando a filha se aposentar, no entanto, ninguém sabe o que será da relojoaria. Por ora, o mais provável é que a loja feche as portas, já que os netos, embora tenham aprendido ofício, decidiram seguir outros rumos profissionais. “Um dos netos, o Guilherme, aprendeu com maestria o ofício de relojoeiro. Mas ele é produtor musical e quis investir na carreira de músico, que é a paixão dele. Mas nunca se sabe, né? Eu mesma nunca imaginei que estaria aqui, e hoje amo o que faço”, ressalta Vera.
Relógios que são mais do que máquinas
Os relógios que chegam até a Relojoaria Dajuki, conta Vera, são geralmente objetos com muito valor sentimental envolvido. “É relógio da mãe ou do pai que faleceu, do vô ou da vó… É muito relógio com história”, cita ela, destacando que um relógio que chega ali jamais é entregue do mesmo jeito que ele chegou. “Ele sempre vai limpinho, brilhando. É uma forma de carinho, porque se aquele relógio é importante para a pessoa, quando você faz um carinho naquela peça, a pessoa fica feliz, fica emocionada.”
Recentemente, por exemplo, a relojoeira recebeu um Rolex dos anos 1970, que havia sido do avô do cliente que levou a máquina até ela. Era uma edição limitada do relógio e que já estava bastante deteriorado, com o mostrador estourado. “Era uma peça pronta para descartar, mas recuperamos ele com toda a característica que ele tem de originalidade. É um serviço que a gente faz, demorado, mas é possível fazer isso. E o cliente, quando viu o relógio restaurado, até chorou de emoção. Isso é algo que nos motiva”, afirma a relojoeira.