
Aos finais de semana, as charmosas ruas de paralelepípedos no Centro Histórico de Curitiba viram um grande mosaico de cores, sabores e texturas. É que todos os domingos, religiosamente, acontece a tradicional Feirinha do Largo da Ordem, um evento que reúne cerca de mil expositores e ao longo dos anos se tornou um verdadeiro marco da identidade cultural curitibana e um patrimônio imaterial da cidade. E um dos responsáveis por esse sucesso é também um dos mais antigos feirantes de Curitiba. Trata-se de Leocádio Lopes de Matos, o Léo Cigano, que pode ser considerado, sem qualquer exagero, um dos fundadores da Feira.
Aos 81 anos de idade, há 54 anos Léo Cigano frequenta e trabalha todos os finais de semana no Largo da Ordem, junto de sua esposa Neusa. É o único dos feirantes, inclusive, que está na Feirinha desde o seu início, tendo inclusive participado diretamente do seu surgimento. No princípio, trabalhava com a criação e comércio de peças de cobre, como chaleiras, panelas, conchas e outros utensílios. Hoje, já atua com a restauração e o comércio de antiguidades, com ele e a companheira mantendo duas barracas que ficam no começo da Rua Kellers, próximo do Palácio Garibaldi e da Al. Dr. Muricy.
“Temos duas bancas lá desde 1985, uma minha e outra da minha esposa. Mas nós dois trabalhamos com antiguidades”, explica Léo Cigano, cujo apelido faz referência ao fato de ter morado com ciganos, quando aprendeu a trabalhar com peças em cobre, inclusive. “Nós saímos às duas horas da manhã de casa e eu tenho até um lugarzinho onde estaciono meu carro toda semana. Chegamos umas duas e meia da manhã lá, porque de manhã não tem muito trânsito [eles moram no bairro Boqueirão]. Acordamos e vamos pra feira e tem vários outros feirantes que chegam lá nesse horário para começar a organizar as coisas”, comenta ainda ele.
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O início de tudo: “Quem começou fui eu e um amigo”
A Feira do Largo da Ordem surgiu no final de 1971. Na época, Leocádio trabalhava num depósito de ferro e acabou conhecendo um outro homem chamado Vitor, um polaco que era dono de uma loja de antiguidades chamada Frade. “Eu comecei a viajar com ele, fomos pro Rio de Janeiro, pra São Paulo, para vender nossas peças e conhecer os lugares”, recorda. Foi a partir dessa experiência com venda em outras cidades, inclusive, que os dois tiveram a ideia de pedir autorização para a Prefeitura de Curitiba para expor e vender suas peças em via pública, no Centro Histórico da cidade.
“Nós fomos falar com o Jaime Lerner, que era o prefeito de Curitiba. Queríamos um espaço maior, mas ele liberou só o Largo da Ordem para gente, o que na verdade já estava ótimo. Conseguimos a liberação pra feira em 1971 e começamos nós dois lá, a primeira feira de Curitiba. Aí convidamos o Narloch, de Rio Negro; o Ambrósio, que era um restaurador de móveis do Pilarzinho; e o falecido Ivo Ferro. Começamos nós cinco ali e daí a coisa começou a crescer, crescer, crescer… Era pra ser comércio só de antiguidade, artesanato e obras de arte, mas foi expandindo e virou o que está aí”, conta Cigano.
No início, inclusive, o prefeito de Curitiba disponibilizava até uma Kombi ou caminhonete para buscar os artesãos e os levar, junto com seus produtos, até a feira. As barracas que se vê hoje, por sua vez, ainda não existiam. “Cada um fazia a sua [barraca] ou então colocava os produtos no chão mesmo. Eu comecei colocando no chão e depois fiz uma barraca que levava pra feira. Funcionou por um bom tempo, mas era um empenho, porque tinha de levar as mercadorias e a barraca, que era de ferro mesmo – não era igual hoje, que a maioria é de alumínio. E tinha que prender no chão, furar o chão para prender os elásticos e a barraca não sair voando. Depois começaram a aparecer os barraqueiros.”
“A Feira virou um sucesso muito rápido, muito rápido”
Quando tudo começou, a Feira ficava concentrada no Largo da Ordem mesmo, na região onde fica o Cavalo Babão e o Relógio das Flores. Depois, com seu sucesso, começou a conquistar mais espaço e partiu mais para cima, onde fica a Sociedade Garibaldi e a Rua Kellers. “Ela foi crescendo e pegando mais parte das região, conforme a demanda e necessidade das pessoas”, cita Léo Cigano.
Inicialmente, eram para ser comercializados na Feira apenas antiguidades, artesanatos e obras de arte. Com o tempo, no entanto, a variedade de produtos ofertados foi crescendo. “A gastronomia, por exemplo, já começa a entrar logo no início da Feira. E agora é uma coisa que cresceu, né? Está uma maravilha, tem umas comidas diferentes e muita coisa boa ali! Tem pastel gostoso, caldo de cana… E é tudo limpinho, bem feitinho, bem legal”, celebra o restaurador e comerciante de antiguidades.
Ainda segundo Leocádio, o crescimento da feira aconteceu de forma rápida. “No primeiro domingo que fizemos não deu muita gente, o segundo domingo já foi mais ou menos… Mas no início a gente também não tinha muita mercadoria para levar, era pouca coisa que a gente tinha, mais as peças de cobre que eu fazia… Mas rapidamente a coisa foi crescendo e depois a Julieta Reis entrou, em meados dos anos 1980, para coordenar a Feira. Ela foi uma grande coordenadora nossa”, recorda ele, comentando que no início os curitibanos eram os principais frequentadores da Feira, que hoje recebe gente de todo o mundo todos os finais de semana.
As curiosas histórias da Feirinha do Largo
Ao longo de 54 anos de Feirinha, Leocádio viu e viveu muita coisa no Largo da Ordem. Uma história que ele recorda é a de um cidadão que ia todos os finais de semana até o Centro Histórico e fazia uma espécie de pegadinha, fingindo que colocava um gato dentro de um saco e que batia no felino, que ficava miando.
“Ele chegava lá na Feira do Largo e tinha um saco com alguma coisa dentro e deixava só um pelinho para fora, parecendo que era o rabo de um gato. Aí quando ia passar alguém, ele colocava um apitinho na boca, que fazia o som do gato miando, e batia no saco. Mas um dia ele foi pra frente da Catedral, fingiu bater no gato e ficou fazendo o miado. Só que saiu uma velhinha de dentro da Catedral, pegou um guarda-chuva e deu uma surra nele”, conta Léo Cigano, aos risos.
Outra história marcante ocorreu logo no terceiro final de semana de Feirinha. Era um domingo chuvoso e algumas das peças em bronze que ele havia levado já haviam sido vendidas. Foi quando apareceu um cidadão que perguntou por quanto o feirante venderia todas as peças restantes.
“Eu achei até engraçado, porque, pô… Ele queria tudo. Mas fiz as contas, disse que dava tanto, ele fez uma contraproposta e eu aceitei. Carregamos tudo pro carro dele e ele me pagou com um cheque. Só que naquele tempo o cheque levava oito dias para compensar… Meu Deus, que susto! Até compensar… foram oito dias esperando. O homem me deu o cheque e foi embora, não falou nada. Mas esperei oito dias e depois chegou o meu dinheiro. Meu Deus, deu certo!”
Numa outra ocasião, Julieta Reis, então coordenadora da Feira, deu a Léo Cigano a missão de conseguir mais artesãos para enriquecer a Feirinha.
“Aí um dia apareceu um homem lá de chinelo de dedo, chorando, dizendo que perdeu o emprego e tal. Eu perguntei para ele ‘mas você não faz nada na vida?’ e ele disse que não sabia fazer nada. Perguntei se tinha filho, tinha. E aí questionei o que ele fazia pros filhos. ‘Ah, faço uns carrinhos de lata’. Eu disse ‘me traz uns semana que vem?’. Na outra semana, ele veio com os carrinhos. Nossa, uma maravilha! Já disse para ele pegar um cantinho e colocar os carrinhos lá, que aquele seria o espaço dele. Vendeu tudo já no primeiro fim de semana e daí ficou na feira muito tempo, vendendo os carrinhos. Ficou bem de vida, comprou um carro… Estava indo bem, mas daí não sei que fim deu. Muita gente fica na feira por um tempo e depois cansa, vai embora”, explica ele.
Uma das melhores feiras livres do Brasil
O Tripadvisor, uma plataforma de viagens que fornece informações e opiniões sobre destinos turísticos e viagens, divulgou recentemente a lista das 10 melhores feiras livres do Brasil para 2025, um ranking baseado nas avaliações de viajantes de todo o mundo. E entre os destaques está a Feirinha do Largo da Ordem, que conquistou o terceiro lugar e o cobiçado selo “Escolha dos Viajantes”, reservado para os 10% mais bem avaliados na plataforma. Apenas o Mercado Central de Belo Horizonte (MG) e o Mercado Municipal de São Paulo (SP) ficaram na frente do ícone curitibano no ranking.