
O morador da casa amarela, na Vila Formosa, no bairro Novo Mundo, sabe muito bem o seu objetivo na vida. Ser um colecionador de peças e de histórias. São 56 anos na área de desmanche de motos antigas e as nem tanto e, de uns 7 anos para cá, ganhou amores por peças de antiguidade. Montou o Porão do Vovô. Não é à toa que ganhou fama pela diversidade na sua coleção.
Tem objetos únicos e os enfileirados em dúzias. Tem uma moto Triumph, alemã, de 1934, que divide o espaço com uma Giulitti, italiana, de 1939, e as bicicletas francesas e alemãs, de 35. Vem gente de fora comprar com o João Albino de Oliveira, 70 anos. Sorridente, um dos precursores dos primeiros desmanches de Curitiba, lembra: “virei uma antiguidade”.
Ao ultrapassar o portão branco, quem visita o lugar encontra um corredor repleto de peças de um lado e de outro e segue o caminho de lajota e britas para virar seguir e virar uma esquina que dá acesso a inúmeras portas e um porão lotado. Os tesouros de João se resumem em dezenas de milhares de pequenas histórias. E ele sabe contar boa parte delas.

Paixão por motos e garoto propaganda
A paixão pelas motos iniciou aos 14 anos, com a compra de um modelo 156 cilindradas. E de lá para cá, João nunca mais parou. Montou família e precisou aliar o sonho com a certeza do pagamento das contas em dia. O trabalho em uma empresa de máquinas agrícolas, onde foi mecânico, motorista, funcionário da assistência técnica – um faz de tudo um pouco – possibilitou manter as finanças mas também ampliar horizontes. Nas viagens pelo Brasil a fora foi encontrando modelos para revenda de peças. Se o caminhão ia cheio de material da empresa, voltava lotado com seus pequenos tesouros. Tudo com consentimento do dono, deixa claro.
E o reconhecimento veio rápido e foi longe. Teve a vez que trouxe do Rio de Janeiro, 17 modelos de motos para embarcar no porto de Paranaguá com destino a Holanda. João das Motos, como ficou conhecido ao longo dos anos, virou referência no ramo. E a fama se transformou em entrevista em um dos primeiros exemplares de uma revista especializada, na década de 80. E, se não bastasse, pela singularidade e riqueza em experiências, o empresário rememorou sua história nas páginas da mesma revista, 30 anos depois.
João tinha o olho clinico em leilões de veículos, – chegava a adquirir mais de 200 motos de uma vez só – mas tinha bons relacionamentos e uma conversa convincente. Assim, passou a receber ofertas. Vinha gente de tudo que era lugar, daqui e de fora do país. Ele conta que certa vez foi fazer uma entrega na cidade de Carmo do Paranaíba, interior de Minas Gerais, e aproveitou para comprar de um radialista da região, sua primeira Harley Davidson. E veio com mais motos e peças. No programa popular, o comunicador avisou que tinha um homem comprando motos na cidade. E uma fila se formou em frente ao hotel que o João estava.
Mas, nem tudo era certo. Levou muito calote com cheques sem fundo e suspensos. Quem vê cara, não vê coração, balança a cabeça. “O cheque é o papelzinho mais sujo. A pessoa paga se quiser”. E das vezes que “ ficou nervoso” , lembra de um caso com um empresário famoso do Rio de Janeiro. Ele veio até Curitiba para comprar as motos e depois sustou o cheque, sem argumentos. João, não teve dúvidas. Viajou até o Rio de Janeiro, parou em frente da casa de luxo do homem, bateu na campainha e avisou que não arredava o pé do lugar até receber o dinheiro pelas seis motos compradas.
“Tenho água, comida e lugar para dormir no caminhão. E tenho os documentos das motos comigo que a delegacia mais próxima vai gostar de ver”. Na pressa, o empresário, que fornecia objetos e veículos antigos para o casting de programas de TV, nem tinha lembrado de pedir os comprovantes das motos. E o argumento deu certo. João saiu de lá com parte do dinheiro e três das motos vendidas.
De tudo um pouco
João Albino de Oliveira diz que não tem apegos, “tudo que está aqui é para ser vendido”, mas o brilho quando relembra a história de uma peça, contraria o que acha ter certeza. Dos pátios da casa lotados para o porão de objetos, que vão desde a máquinas de escrever, televisões de tubo, telefones discados, louças antigas, ferros de roupa e esfregadeiras, é um passeio histórico. Muito dos objetos chegaram as mãos de João por carrinheiros da região, outros pelo “olhar clinico” que encontra um potencial em um objeto jogado fora. Certa vez, uma caixinha de madeira restaurada rendeu R$ 150.
“Os homens são mais conservadores que as mulheres. Eles guardam tudo que vem pela frente, e o dia que morrem, as mulheres colocam fora ou vendem. Isso tudo aqui (circula com as mãos) vai pelo mesmo caminho quando eu morrer.”
E João das Motos deixou sua marca, até como garoto propaganda. Teve uma época que foi agenciado. Já foi capa da Lista Telefônica, as páginas amarelas que tinham uma tiragem de 7 milhões de exemplares. “Na época que tinha cabelos”. E entre os trabalhos, encenou o personagem do Padre Bagozzi pilotando uma moto em um filme local. Tudo em nome de um desejo de aventuras. Os planos futuros são seguir viagem, ele e a esposa, sem lenço e com documento, com a Honda Gold Wing que mantém entre as relíquias.