No dia 21 de março de 1994 a pequena cidade de Salto do Lontra, que fica 550 quilômetros a sudoeste de Curitiba, ganhou as manchetes de todo o país. Na ocasião, uma multidão estimada em mais de 1.000 pessoas se aglutinou em frente à delegacia da cidade. Revoltados com o assassinato da enfermeira Eronildes Ribeiro Comelatto, resolveram fazer justiça com as próprias mãos. Após invadirem a delegacia e dominarem os oito policiais que lá estavam, os justiceiros lincharam na frente da câmera de uma TV os três acusados pelo homicídio.
Se naquele ano o caso chocou, passados mais de 20 anos, os casos de linchamentos ou tentativa de linchamentos no Paraná parecem ser cada vez mais recorrentes, até mesmo corriqueiros. É o que aponta levantamento feito com base em notícias publicadas por 15 veículos de comunicação do Estado neste ano. Em 2015 foram noticiados 18 linchamentos ou tentativas de linchamento no Paraná, o que dá uma média de um caso registrado pela imprensa a cada duas semanas. Somente em setembro foram seis ocorrências, quatro delas em Curitiba.
De acordo com a pesquisadora Ariadne Natal, doutoranda em Sociologia pela USP, os casos de linchamento são uma espécie de sintoma do que vem acontecendo no País, que por causa da sensação de impunidade. Na tentativa de reagir e até mesmo se proteger, muitas pessoas acabam confundindo justiça com vingança.
Há um diagnóstico recorrente de que as instituições não dão resposta adequada, que haveria muita impunidade, e por causa desse vácuo as pessoas agiriam na tentativa de proteger ou garantir a segurança da comunidade, explica a especialista, membro do do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Apesar dessa percepção, que é pertinente, a respostas que as pessoas dão não estão necessariamente relacionadas com aquilo que nossa democracia preconiza como justiça. O linchamento envereda para a linguagem da vingança, envolve violência física numa forma de fazer o outro sofrer, complementa.
Na avaliação do delegado titular da Divisão de Crimes contra o Patrimônio da Polícia Civil, Rubens Recalcatti, até cerca de dois anos atrás o número de ocorrências no Paraná havia aumentado. Desde então, no entanto, o índice vem se mantendo estável. Ainda assim, ele avalia a situação como preocupante. Pessoas querendo fazer a justiça com as próprias mãos pode acarretar até em morte de pessoas inocentes, alerta o policial, relembrando a morte violenta da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, mãe de duas crianças, linchada no ano passado em Guarujá, litoral de São Paulo, após boatos divulgados em redes sociais.
A pessoa que participa de um linchamento ou tentativa fica passível de responder criminalmente por agressão e lesão corporal, embora isso ocorra com mais frequencia quando o espancamento coletivo termina em morte. No Brasil, estimativas apontam que são até quatro casos de linchamento ou tentativa de linchamento por dia.
Problema ocorre há três décadas
A pesquisadora Ariadne Natal, por sua vez, aponta as dificuldades em se dimensionar o tamanho do problema. É como não existe uma lei específica tratando de linchamento, os dados oficiais acerca do assunto são escassos, já que nos registros oficiais o crime acaba sendo tipificado como agressão ou tentativa de homicídio. Ela ressalta, no entanto, a persistência do problema, que há décadas assombra o Brasil — o país, inclusive, é considerado o campeão mundial de linchamentos.
Quando tem um roubo em que o ladrão é agredido, nem sempre isso é noticiado e as vezes a própria polícia não trabalha aquilo como um problema, mas como consequência por ele ter roubado. Então é difícil dimensionar o problema. O que dá para perceber é que ele persiste há mais de 30 anos no Brasil, o que mostra que precisamos de uma mudança de perspectiva. Hoje o linchamento tem um respaldo social, finaliza Ariadne.
Entre os problemas que levam a população a correr para fazer Justiça com as próprias mãos está o Estado, frequentemente apontado como ineficiente ou conivente com a violência. Mas isso nos leva a pensar que sociedade é essa, que usa a violência como solução para segurança pública, opina.