
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) realiza nessa quinta-feira (1º de dezembro) o julgamento do pedido de revisão criminal em favor de Beatriz Abagge, condenada, com decisão transitada em julgado, pelo assassinato de Evandro Caetano, em 1992. O pedido foi feito após virem à tona provas de tortura contra os acusados e de subtração do direito de defesa, o que motivou o pedido de desconstituição das condenações contra ela e outros dois condenados no mesmo caso, Davi dos Santos Soares e Osvaldo Marcineiro.
No pedido de revisão criminal, apresentado no final do ano passado ao TJPR pelos advogados de defesa (do escritório Figueiredo Basto Advocacia), é solicitada a desconstituição das condenações (por terem afrontado as evidências dos autos, o texto expresso da lei e terem se fundado em elementos comprovadamente falsos) e dos processos (em razão de o Estado ter suprimido provas fundamentais para a defesa dos réus, impedindo que eles provassem as alegações de tortura).
Se provido, tal pedido resultará na absolvição dos sentenciados, cuja defesa pleiteia ainda uma “justa e proporcional indenização” após 30 anos de luta nos tribunais.
Governo do Paraná já até pediu desculpa aos acusados
No final do ano passado os acusados no caso Evandro receberam um pedido formal de perdão do Governo do Paraná, através do então secretário de Justiça, Ney Leprevost, que escreveu o seguinte: “Utilizar a máquina estatal para cometer tortura é crime. Neste caso vemos muitas vítimas: as crianças, seus pais, os acusados que foram torturados, pessoas que tiveram a vida profissional destruída, as instituições públicas que foram induzidas a erro, o município de Guaratuba que ficou anos e anos sendo discriminado e até o contribuinte paranaense que pagou por tudo isto. É a teoria de São Tomás de Aquino, tão ensinada nas faculdades de Direito, aplicada na prática: uma maçã podre fez toda investigação apodrecer.”
Tal pedido veio após um grupo de trabalho discutir todos os problemas e abusos da investigação feita na época do crime, mas o governo do Paraná é poder Executivo, como destacou, em seu Twitter, Ivan Mizanzuk, produtor do podcast Projeto Humanos (que investigou o caso Evandro e levantou provas que evidenciaram os abusos contra os acusados).
“É importante que a revisão criminal ocorra para que os abusos e as torturas sejam reconhecidas pelo poder Judiciário – esfera onde eles foram condenados. Torço que não tampem o sol com a peneira. Se duvidam das fitas [que comprovam a tortura contra os então suspeitos], que façam quantas perícias quiserem, pelos técnicos que quiserem. É uma oportunidade única que o TJPR tem para reconhecer um grave erro do passado e que pode servir de exemplo para que abusos assim não se repitam”, escreveu o jornalista.
O Caso Evandro
O assassinato de Evandro Caetano, que tinha apenas seis anos de idade, ocoreu em 1992, no município de Guaratuba. A vítima foi encontrada morta e com o corpo mutilado, numa época em que diversas crianças haviam desaparecido no Paraná, o que gerou um ambiente de pânico social e pressão política.
Toda essa comoção levou à instauração de uma investigação paralela à da Polícia Civil, realizada pelo Grupo Águia, da Polícia Militar do Paraná (PMPR). Foi essa investigação paralela que levou Beatriz Abagge, Celina Abagge e outras cinco pessoas a serem chamados de “bruxos de Guaratuba”, após serem disseminados discursos que apontavam a prática de um “ritual de sacrifício” contra o menino.
Beatriz e Celina Abagge foram julgadas e absolvidas pelo Tribunal do Júri em 1998. Cinco anos depois, porém, o Judiciário paranaense determinou que um novo julgamento fosse realizado e, em 2011, Beatriz acabou condenada por homicídio. Já Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula foram condenados em 2004 por homicídio qualificado.
Todos recorreram das sentenças, alegando que as confissões que baseavam o processo contra eles haviam sido obtidas mediante tortura. Essas confissões, inclusive, eram a base para toda a acusação e foram fundamento para as condenações.
Por meio de fonte anônima, o jornalista Ivan Mizanzuk obteve novas fitas que mostram as confissões dos acusados e comprovam que eles foram torturados para que confessassem. As fitas foram levadas para análise de um perito, que atestou a veracidade do material. Esse perito contratado pela defesa, inclusive, foi o mesmo que o Ministério Público (MP) utilizou em 1999, no mesmo caso.
A Revisão Criminal
O pedido de revisão criminal, inicialmente, era dos três acusados em conjunto: Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares e Osvaldo Marcineiro. O Tribunal de Justiça, contudo, desmembrou o caso e irá analisar individualmente cada um dos casos, conforme foi o processo que os levou ao júri. Dessa forma, Beatriz Abagge será julgada nessa quinta-feira pela 2ª Câmara Criminal, enquanto os outros dois réus terão seus casos analisados pela 1ª Câmara Criminal do TJPR.
A defesa, contudo, ainda tenta fazer o caso ser novamente reunido e julgado em conjunto, pela 1ª Câmara, evitando a possibilidade de prolação de decisões conflitantes, conforme o advogado Tomás Chinasso Kubrusly. Isso pode fazer com que alguns dos juízes substitutos peça mais tempo para analisar o processo.
O Ministério Público, por outro lado, já se manifestou alegando não haver como comprovar a autenticidade das fitas que comprovavam as torturas. Ou seja, o órgão acusador tenta ainda sustentar a validade da condenação contra os réus.
O julgamento, contudo, não será acompanhado por nenhum desembargador, mas apenas por juízes substitutos, uma vez que todos os desembargadores da 2ª Câmara Criminal se declararam inaptos para apreciarem o caso, por diferentes motivos. Dessa forma, a revisão terá como relator e revisor, respectivamente, os Juízes Substitutos Mauro Bley Pereira Junior e Benjamin Acácio de Moura e Costa. Participarão ainda da votação os Juízes Substitutos Simone Cherem Fabrício de Melo, Pedro Luis Corat e Antonio Carlos Choma.
Quem quiser, pode acompanhar a sessão pelo YouTube. Basta entrar no canal do TJPR por volta das 13h30 de amanhã (1º/12/22) e procurar pela transmissão da sessão da 2ª Câmara Criminal. O link do canal é: https://youtube.com/@TJPRSessoes