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Túmulo de Maria Bueno, no Cemitério Municipal de Curitiba: uma das mais famosas lendas curitibanas (Foto: Franklin de Freitas)

O 31 de outubro é mundialmente conhecido por ser o “Dia das Bruxas” ou “Halloween”. No Brasil, porém, a data é celebrada de uma forma diferente. Isso porque nesta quinta-feira celebra-se o Dia do Saci-Pererê, festividade que é também uma oportunidade para se mergulhar nas raízes da cultura popular brasileira, com especial destaque ao folclore e às lendas nacionais.

Para celebrar a data, o Bem Paraná separou alguns causos locais para serem apresentadas. As histórias foram todas extraídas do livro “Lendas e Contos Populares do Paraná”. Lançado em 2005, no “Cadernos Paraná da Gente nº 3”, a obra é fruto de um esforço coordenado pelo historiador Renato Augusto Carneiro Jr., que reuniu histórias enviadas por pessoas de todo o estado.

A obra reúne histórias da tradição oral paranaense. E ao tentar explicar o inexplicável, acaba por estabelecer um diálogo entre o passado e o presente, com relatos extraordinários que envolvem assombrações, milagres, cemitérios, tesouros escondidos e muito mais. E a reportagem optou por separar e apresentar algumas lendas da Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

No livro de 2005, no entanto, é possível encontrar ainda mais lendas, com relatos de todos os cantos do estado. E o melhor: a obra está disponível on-line, gratuitamente, para os mais curiosos – e corajosos – se deliciarem com uma boa leitura.

Maria Bueno, a Santa

Maria da Conceição Bueno, nascida em Morretes, era uma mulher parda e pobre que adorava dançar. Ao se mudar para Curitiba, passou a frequentar os bailes que a sociedade curitibana organizada nos finais do século XIX. E num desses eventos acabou conhecendo e se envolvendo com Ignácio José Diniz, que prestava serviço no Exército.

A extroversão e a alegria de Maria, no entanto, perturbavam o ciumento cabo. E aos poucos esse ciúme foi corroendo a relação. Até uma noite em que ela queria ir a um baile, mas seu companheiro, não podendo a acompanhar porque estaria de serviço no quartel, tentou proibi-la de se divertir. Brigaram, discutiram, e ela acabou indo sozinha até a festa. E ele, ao saber que ela havia saído mesmo contra sua vontade, perpetrou um crime passional. Na rua Campos Gerais (que hoje é a Vicente Machado), o amante matou a navalhadas Maria Bueno. Há quem diga que ela foi morta a ferimentos no pescoço, enquanto outros afirmam que teria sido degolada.

Diniz foi acusado pelo assassinato, julgado e inocentado. Anos depois, porém, acabou morto por um dos chefes da Revolução Federalista, que estava em Curitiba e se revoltou com o fato do militar ter se envolvido no assassinato de um comerciante, numa tentativa de roubo. A execução do ex-amante de Maria Bueno teria sido por degola, com ele tendo o mesmo fim que imputou à sua vítima. A partir dali, a fé pela santa popular começou a ganhar força na Capital. Afinal, a justiça dos homens teria falhado, mas a justiça divina tratou de redimir a falha.

Até hoje, devotos afirmam que seus pedidos são atendidos pela santa popular. Não à toa, o túmulo de Maria Bueno, localizado no Cemitério Municipal São Francisco de Paula, ainda é visitado por pessoas que oram por ela e pedem sua interseção.

A loira fantasma

No dia 20 de maio de 1975, uma mulher de cabelos claros teria entrado num táxi na Praça Tiradentes, com destino ao Abranches. Ao se aproximar do cemitério do bairro, no entanto, o taxista notou que sua cliente já não estava mais no banco traseiro. Ela havia desaparecido, de maneira inexplicável. E a partir dali teve início uma das mais famosas lendas urbanas de Curitiba.

A história, retratada por jornais locais e até mesmo nacionais, causou grande alvoroço na cidade. Mais tarde, apareceu até um outro taxista afirmando ter sido estrangulado por uma bela moça que lhe pediu para ir ao cemitério Abranches e que ficava desaparecendo e reaparecendo em seu carro.

As loiras, por sua vez, passaram por alguns apuros devido ao causo. Taxistas começaram a evitar fazer corridas para mulheres de cabelos claros e até prostitutas loiras ficaram sem trabalho, porque os homens, temerosos, as evitavam.

O folclore ganhou ainda mais vida ao longo dos anos, com o lançamento de livros, peças de teatro e filmes. Os principais envolvidos no caso, por sua vez, tiveram dificuldades na vida: o dono do táxi em que ela primeiro apareceu morreu assassinado e o carro que ele dirigia foi batido várias vezes até ter perda total. Já entre os policiais acionados por esse mesmo taxista, um acabou se suicidando e o outro foi preso por corrupção. Tudo corroborando para que a lenda da loira fantasma ganhasse ainda mais força na memória curitibana.

Um pirata radicado em Curitiba

Um jovem aristocrata britânico que desertou da Marinha e se tornou um dos últimos capitães piratas do século XIX. Essa é a história de Zulmiro, o pirata de Curitiba.

Nascido em 1798 num castelo na cidade Cork, na Irlanda, seu nome verdadeiro era John Francis Hodder. De família rica, ele estudou na Eton College, escola elitista onde o príncipe William também estudou, por exemplo. Chegou a ser um oficial da Marinha Britânica, mas numa briga acabou matando um superior e então fugiu, embarcando num navio negreiro, em 1825, na Flórida. Na sequência, adotou o nome Zulmiro e se juntou a um grupo de piratas.

Em 1821, participou do famoso roubo do tesouro da Catedral de Lima, no Peru, um dos maiores saques da história da América do Sul. Dez anos após atacar o barco espanhol com as riquezas extraídas do Peru, acabou sendo capturado por um navio de guerra inglês no Oceano Atlântico. Um amigo da época da escola naval, no entanto, o ajudou a escapar pelo litoral do Paraná. E saindo dali, o Zulmiro se estabeleceu em Curitiba, onde viveu por 60 anos com o nome de João Francisco Inglês. Por aqui, se casou com uma escrava, Rita Maria, e teve quatro filhos antes de morrer, em 1889.

Após sua partida, ficou famosa a história de que teria escondido um baú repleto de joias e ouro em um túnel no bairro das Mercês. No entanto, seu verdadeiro tesouro – fruto do roubo da Catedral de Lima – estaria escondido na ilha da Trindade. É o que defende o historiador Marcos Juliano Ofenbock, responsável por comprovar a existência do pirata britânico, por muito tempo tratada como uma lenda urbana.

A curva da noiva

Contam os moradores do bairro São Gabriel, em Colombo, que uma mulher estava a caminho da igreja para se casar. Ao passar numa curva da rua João Batista Stoco, contudo, acabou sofrendo um acidente com sua carroça, que virou para cima de seu corpo. Ficou entre a vida e a morte e o noivo, que já a aguardava numa igreja próximo dali, foi imediatamente avisado sobre o acidente. Ao chegar no local, porém, já não encontrou mais a amada com vida.

Hoje, a curva é conhecida como “a curva da noiva”. E muitos dos que passam por ali juram ter avistado a figura da bela jovem, que vagueia pelas redondezas à procura de seu amado.

Rita, a Mudinha

Essa história, que se passa na Lapa, na RMC. Conta a lenda que uma mulher chamada Rita nasceu com uma deficiência auditiva, o que lhe rendeu o apelido de “mudinha”.

Um dia, num sábado de aleluia (no dia 3 de abril de 1920), os moradores da cidade haviam feito bonecos para a malhação de Judas. Mas algumas pessoas resolveram fazer da “mudinha” o seu saco de pancadas. A violentaram e acabaram batendo tanto nela que acabou falecendo.

Foi sepultada no cemitério da Lapa. E seu martírio a fez virar uma santa popular, assim como Maria Bueno. Por isso, seu túmulo é visitado por milhares que pessoas, que lhe pedem graças. Ela virou um mito e são muitos os milagres atribuídos a ela, até hoje.

Os escravos e o tesouro da Granja Cambuí

Em Campo Largo, na Granja Cambuí há umas ruínas onde, em certas noites do ano, seria possível ouvir o lamento. Esse som viria do lugar que um dia foi uma senzala próxima de um engenho movido à roda d’água. Neste local, em meio à mata, há uma coluna, vertical e bem conservada, muros, paredes e o canal por onde era trazida a água do rio Cambuí.

E reza a lenda, ainda, que em noites de lua cheia se pode ouvir um choro, como lamentos de uma senzala. Tratar-se-ia de um negro acorrentado em meio à mata, que teria sido morto e enterrado para cuidar de um tesouro. E quem libertá-lo, ficará com todo o tesouro que o antigo proprietário da fazenda o obrigou a guardar.

A lenda da Lagoa Feia de Campo Magro

Na localidade de Campo Novo está uma “Lagoa Feia”. Mas antes dessa lagoa, um século e meio atrás haveria ali uma igreja, onde os moradores da região se reuniam quinzenalmente para cultos religiosos.

Um dia, resolveram fazer um baile nas dependências da igreja, já que não havia outro local na região para realizar o evento. Mas esse baile acabou sendo realizado numa sexta-feira santa, dia de expiação da paixão e morte de cristo. A festividade, então, acabou sendo um verdadeiro sacrilégio. E aí veio à intervenção (ou seria punição?) divina.

À meia-noite, a igreja ruiu e afundou com todos os participantes do “baile profano”. Os vestígios da igreja desapareceram, bem como os corpos das vítimas da tragédia. E no local formou-se a Lagoa Feia, cujas águas mudariam de tonalidade, ora avermelhadas, ora esverdeadas e em outros momentos amareladas. Além disso, nas noites de sexta-feira santa seria possível ouvir, à meia-noite, o choro de crianças e o murmúrio de pessoas nas proximidades.

As cruzes da ponte velha

Em 1930, num antiga estrada que ligava São José dos Pinhais a Curitiba, uma mãe e sua filha, uma criança com cerca de um ano de idade, acabaram sofrendo um acidente logo após a ponte do Rio Iguaçu, após o cavalo que as levava numa charrete se assustar com uma cobra. Depois da tragédia, o marido e pai colocou cruzes no local do acidente, mas no braço direito da cruz maior edificou uma cruz menor, simbolizando a mãe com a filha no colo.

Depois disso, o local teria se tornado estéril. Os passarinhos desapareceram dali e as árvores ressecaram. Na sequência, pessoas que passavam pelo local começaram a relatar que ouviam os lamentos das mortas, enquanto cavalos se assustavam ao se aproximar da região.

Logo a estrada passou a ser evitada à noite. Até que um são-joseense, há tempos ausente da região e desconhecedor da crise que havia se instalado, passou pelo local com seu cavalo. O animal se assustou e jogou o cavaleiro no chão. E ele, sozinho, acabou dando de cara com o vulto fantasmagórico da mãe e da criança.

Ao perguntar a razão de suas penas, a mulher teria respondido para tirarem a criança de seus braços, porque ela seria muito pesada e a mãe já não suportaria mais carregá-la. No dia seguinte, ao amanhecer, mais de 20 moradores que haviam sido informados da situação, acompanhados do viúvo, foram até o local. Discutiram o que fazer, e optaram por retirar as cruzes. Após o desmanche, o local voltou a ganhar vida e logo as cruzes foram substituídas por uma pequena capela. A vida na cidade, finalmente, voltava ao normal.