
A Lei Seca completa 17 anos nesta quinta-feira (19) com um cenário marcado por fiscalização mais intensa, mas ainda por grandes desafios no comportamento dos motoristas brasileiros. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), só no primeiro trimestre de 2025, um motorista foi autuado por desrespeitar a lei a cada 10 minutos nas rodovias federais, seja por dirigir sob efeito de álcool ou por se recusar a fazer o teste do bafômetro.
A psicóloga especialista em trânsito e presidente da Associação de Clínicas de Trânsito de Minas Gerais (ActransMG), Adalgisa Lopes, conta que muitos motoristas ainda calculam os riscos em termos de chances de serem pegos, e não pelos perigos reais que representam para si e para os outros.
A Lei 11.705, sancionada em 19 de junho de 2008, estabeleceu tolerância zero para o consumo de álcool por motoristas. Em 2012, a legislação foi endurecida pela Lei 12.760, que ampliou as formas de comprovação da embriaguez e aumentou o valor da multa. Posteriormente, novas alterações tornaram a recusa ao teste do bafômetro uma infração equivalente à constatação de embriaguez.
A criação da lei surtiu efeito: nos primeiros 10 anos após o surgimento, a Lei Seca salvou aproximadamente 40 mil vidas e poupou 235 mil pessoas de invalidez permanente, segundo estimativa da Escola Nacional de Seguros.
Lei Seca: só uma cervejinha?
Para Giovanna Varoni, psicóloga especialista em trânsito e diretora da ActransMG, o maior desafio continua sendo cultural. “Existe uma normalização social do ‘beber e dirigir’ que ainda persiste em determinados grupos. Muitos ainda veem como aceitável tomar ‘só uma cervejinha’ antes de pegar o volante, ignorando que mesmo pequenas quantidades de álcool já afetam o tempo de reação e a capacidade de julgamento”, explica.
“O alto índice de recusas ao teste do bafômetro revela que muitos motoristas conhecem a lei, mas buscam brechas para evitar as penalidades mais severas. Isso alimenta a sensação de impunidade que tanto prejudica a efetividade da Lei Seca”, complementa Adalgisa Lopes.
O contraste entre o aumento da fiscalização e a redução nas autuações por constatação direta de embriaguez pode ser interpretado de formas distintas. Por um lado, pode indicar uma efetiva mudança comportamental em parte da população; por outro, pode refletir a estratégia de muitos motoristas de simplesmente recusar o teste para escapar da punição. “Quando analisamos que mais de 84% das autuações em 2025 foram por recusa ao teste, percebemos que ainda estamos longe de uma verdadeira cultura de responsabilidade no trânsito”, pondera Giovanna Varoni. “A recusa muitas vezes é uma estratégia calculada, baseada na percepção de que as consequências jurídicas podem ser menos severas.”
Desafios para o futuro
Para as especialistas da ActransMG, o caminho para os próximos anos da Lei Seca deve incluir não apenas a manutenção da intensidade fiscalizatória, mas também investimentos em educação e conscientização. “Precisamos trabalhar na desconstrução da ideia de que beber e dirigir é apenas uma infração administrativa ou uma questão de ‘azar’ se for pego. É uma conduta criminosa que coloca vidas em risco”, enfatiza Adalgisa Lopes. “As campanhas educativas precisam atingir os jovens antes mesmo que comecem a dirigir, formando uma nova geração com valores diferentes.”
As especialistas entendem que o combate à impunidade é fundamental: “Quando a sociedade percebe que há consequências reais e consistentes para quem dirige alcoolizado, a tendência é que o comportamento mude. O problema é que muitos ainda apostam na impunidade ou em recursos jurídicos para escapar das penalidades”, comenta Giovanna.
A Lei Seca é um marco na segurança viária brasileira, mas seu sucesso depende de uma mudança cultural profunda. “Enquanto o ato de beber e dirigir não for socialmente inaceitável em todos os contextos, continuaremos enfrentando resistência. O desafio não é apenas legal ou fiscalizatório, mas fundamentalmente educacional e cultural”, conclui Adalgisa.