ZE DO CABELO
José Alvino de Godoi é um dos pioneiros no negócio de compra e venda de cabelo em Curitiba (Valquir Aureliano)

Em letras consideravelmente grandes, lê-se “compro cabelos” em ao menos 20 fachadas comerciais próximas ao Terminal Metropolitano do Guadalupe, no centro de Curitiba. É impossível passar por lá sem notar a quantidade de lojas e salões que realizam o mesmo serviço: a compra e venda de cabelos humanos.

Considerado um pólo dos cabelos, o Guadalupe tornou-se referência para quem deseja vender e comprar o produto. Diariamente passam cerca de 40 linhas de ônibus e milhares de passageiros pelo terminal, que é ponto de partida para dez cidades da Região Metropolitana.

Lá, os salões avaliam o comprimento, o volume e a qualidade dos fios de cabelo das pessoas e depois vendem as mechas para outros estabelecimentos, que as utilizam para fazer perucas, alongamento capilar ou até exportam para outros países, como Israel e Estados Unidos.

Só em 2023, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Brasil exportou 800 quilos de cabelos humanos, gerando mais de US$ 2.2 milhões.

Pioneiro conta como foi a primeira experiência

Uma das primeiras lojas de venda e compra de cabelos surgiu em Curitiba em 1989, fundada por José Alvino Cordeiro de Godoi, de 59 anos. Localizada na Praça Senador Correia, a Casa do Cabelo funcionava, no início, apenas como um salão, até que surgiu alguém procurando cabelo para fazer uma peruca. “Cortei uma mecha grande e a pessoa me pagou um bom dinheiro. Até me assustei”, relembra.

Foi assim que, com uma placa em frente ao estabelecimento anunciando “compro e vendo cabelo” Zé do Cabelo, como é conhecido na região, entrou para o ramo e as 50 mechas expostas nas paredes da loja logo se transformaram em mil.

Segundo Zé, não existe um valor único quando se trata de cabelos. Para descobrir o preço de uma mecha, é preciso fazer uma avaliação, que levará em conta quatro fatores: a qualidade do fio, o comprimento, a cor e a textura.

“Às vezes tem dois cabelos que aparentam ter a mesma cor, ondulação, comprimento, mas a diferença pode ser de milhares de reais”, diz, enquanto compara duas mechas de mesmo tamanho e peso (60 cm e cerca de 130 gramas), porém, uma castanho claro e a outra loira. Ao passo que a primeira custa em torno de R$ 2.600, a segunda chega a R$ 5.300.

Os cabelos mais valiosos, que podem alcançar o valor de R$ 10 mil, são os de tom claro, naturais (sem química), lisos, medindo no mínimo 60 cm. Além disso, os melhores cabelos em termos de qualidade do fio são aqueles cortados de pessoas com idade entre 10 e 20 anos.

Quem compra

Atualmente, os grandes responsáveis pela compra de cabelos humanos são pessoas que querem alongar os fios e salões que confeccionam perucas.

Quem compra cabelos do Zé há 10 anos é o peruqueiro Eduardo Pereira da Silva, de 44 anos. O maringaense veio para Curitiba em 2000, mas nunca imaginou que trabalharia no ramo capilar. “Nem sabia que isso existia. Eu trabalhava com venda de máquinas para construção civil, mas teve uma crise no ramo em 2005 e fui mandado embora. Fiz um curso de peruqueiro e decidi que não seria mais empregado de ninguém, agora seria meu próprio patrão”, diz o dono da Edu Perucas, que fica na Rua Nilo Cairo.

Por mês, Eduardo monta manualmente 30 perucas, das quais dez são doadas a instituições que trabalham com pacientes acometidos pelo câncer. A procura pelo produto é alta, de acordo com ele. “Várias pessoas querem perucas por estética ou por causa de doenças. Tanto homens quanto mulheres. Eu, inclusive, sou adepto, uso prótese capilar” diz, rindo.

ZE DAS PERUCAS
Eduardo Pereira da Silva, dono da Edu Perucas: por mês, ele monta 30 perucas manualmente (Valquir Aureliano)

Quem vende

São diversos os motivos que fazem alguém vender o cabelo. Há quem queira mudar o visual, comprar um celular ou uma bicicleta, aqueles que vão entrar no serviço militar ou foram aprovados no vestibular, quem vende por necessidade ou recomendação médica.

“Tem pessoas que eu já comprei o cabelo seis vezes. Uma vez uma menina veio vender o cabelo dela porque queria comprar um cavalo. Cinco anos depois ela voltou porque queria comprar uma vaca”, conta Zé do Cabelo.

Mais de 200 pessoas de norte a sul do Brasil procuram a Casa do Cabelo mensalmente para orçar madeixas ou encomendar cabelos. Em média, Zé vende dez peças por dia, embora existam épocas do ano, como Natal e Carnaval, mais movimentadas. “Volta às aulas sempre tem muita criança vendendo cabelo para comprar material escolar.”

No Center Blond Hair, localizado na Rua Conselheiro Laurindo, os cabelos mais procurados são os loiros lisos, seguidos dos loiros cacheados. “Como tem muito salão, por aqui o cabelo vira leilão. Todos os dias entram aqui crianças passando fome e só sobra o cabelo delas para vender”, afirma a cabeleireira e proprietária do local, Gislene Garcia, de 42 anos.

Com o tempo, vendo o aumento da demanda das pessoas por cabelo, outros salões também começaram a adentrar o mercado capilar da capital. É o caso da Barbearia e Salão Ouro Verde. O dono, Romildo Mariano dos Santos, de 57 anos, conta que o espaço existe desde 1964 e funcionava como uma barbearia tradicional na Praça Senador Correia até 2016, quando passou a comprar e vender cabelo.

“Apesar da concorrência, é bom ter várias lojas porque quando a pessoa sai de casa com a intenção de vender o cabelo, a primeira coisa que pensa é no Guadalupe. Aqui, o mais procurado é o loiro e a maioria das pessoas vende por necessidade, para pagar aluguel ou para fazer algum tratamento médico.”

O gaúcho Antônio Marcos Lauermann, de 50 anos, trabalha no ramo dos cabelos desde a década de 1990 e sua loja, a Esquina do Cabelo, compra e vende madeixas há 15 anos. Além de comercializar cabelos sob encomenda, Lauermann deixa expostas cerca de 100 peças na parede do estabelecimento.

Para o proprietário, o perfil das pessoas que compram e vendem cabelos mudou nos últimos anos, uma vez que as mechas começaram a ser tratadas como mercadoria e negociadas. “O público que está vindo aqui é mais elitizado. Já teve um tempo em que vinha todo mundo, mas o cabelo ficou mais caro e mais difícil de todo mundo conseguir adquirir”, avalia.