
Num mundo tão ligado e conectado como o atual, pode ser até difícil imaginar como seria viver sem acesso à energia elétrica. Em pleno século XXI, no entanto, a “vida no escuro” ainda é uma realidade para milhares de paranaenses. É o que revelam dados do módulo Características Gerais dos Domicílios e Moradores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o levantamento, o acesso à energia elétrica chegava a 99,8% das 77,3 milhões de moradias do país em 2024, seja via rede geral, seja via fonte alternativa. No Paraná, por sua vez, esse porcentual chega a 99,9% dos 4,333 milhões de domicílios no estado. É a terceira maior proporção do país, atrás apenas de Espírito Santo e Rio de Janeiro (que já universalizaram o acesso à eletricidade) e empatado com outras seis unidades da federação.
Ainda assim, os dados oficiais mostram que 6 mil moradias no estado ainda estão no escuro. E nesses lugares, sempre de acordo com o IBGE, há 15 mil pessoas vivendo. Além disso, a proporção de domicílios paranaenses com energia elétrica é maior no meio urbano (99,9%) do que no meio rural (99,8%).
Dona Emília: uma vida sem eletricidade em casa
Há alguns anos o Bem Paraná descobriu uma curiosa história na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) que pode ilustrar os dados da reportagem. Trata-se de Dona Emília (nome fictício), uma senhora com quase 70 anos de idade que jamais havia tido energia elétrica em seu imóvel, localizado numa área rural da Grande Curitiba.
Na ocasião, ela contou que morava na mesma casa onde nasceu e cresceu, construída quando sua mãe ainda era solteira, quase um século atrás. Ao longo de todo esse período, o imóvel jamais teve acesso à eletricidade, mesmo depois que os vizinhos e outros imóveis no entorno começaram a implementar o serviço.
“Enquanto a minha mãe tava viva, é claro, a gente era pobre, não é como agora. Então a gente era pobre, aí começou a chegar essas energia por aqui, começaram a instalar, e minha mãe disse: ‘Não vamos se interessar por isso porque não é preciso’. E depois, eu não tenho máquina, nada que precise [de energia elétrica], e aí [vou instalar o serviço] só para de noite?”, relatou Dona Emília, revelando que uma vez quase ‘se entregou’ à modernidade.
“Aqui eles até queriam puxar [a rede elétrica], mas não deu certo e depois, outra coisa, agora nem que fosse de graça eu não quero. A casa é muito velha, tudo é muito velho. Como vai ponhar energia numa casa velha? E para mim não precisa. Eu, com energia, não quero nada, nada, nada”, comentou.
A rotina de quem vive “no escuro”
Mas afinal, como seria a rotina de alguém que não tem eletricidade em casa?
Para Dona Emília, o dia começa antes mesmo do Sol raiar. Como praticamente tudo que precisa ela planta ou cria em seu terreno, por volta de 5 horas da manhã já se levanta para dar início aos afazeres diários, como alimentar os animais (criação de galinhas e porcos), cuidar das plantações ou ainda juntar cavacos e galhos que caíam, para usar como lenha – até porque o corte de madeira era proibido na região onde ela morava.
Quando finalmente começa a escurecer, é hora de se recolher para casa. E como não há luz elétrica, o jeito é apelar para velas e lanternas (de pilha e fotovoltaicas, que carregam com energia solar).
“A gente usava lampião enquanto tinha querosene bom. Agora desapareceu querosene bom, então vai só lanterna. Tenho vários tipos de lanterna. O fogão é à lenha”, conta Dona Emília. “Para tomar banho é na bacia. A gente esquenta a água no fogão, deixa ficar morna e daí toma banho. Tomar banho na água fria dá doença, ainda mais com corpo cansado, suado. Também não é sempre que toma aquele banho, porque as vezes não dá tempo e, olha, a gente se suja. A gente carrega tudo nas costas, vai para lá e para cá…”.
Descendente de ucranianos e católica, ela ainda relatou ao Bem Paraná que tinha um rádio de pilha como outra opção para distração. Uma ferramenta que costumava utilizar, principalmente, para poder escutar uma missa ou algo do tipo.
“Não sou muito de notícia, prefiro não escutar, não ponhar na minha cabeça, porque daí fico muito preocupada. A gente começa a pensar, não tem com quem conversar para distrair… prefiro não escutar. Agora, claro, eu sou católica. Se tem um terço, uma missa, ligamos o rádio, mas é bem pouco, até porque não dá tempo. De noite que escuto mais e se já escuto algo que não tô gostando, eu desligo e pronto.”