Domésticas: precariedade nas relações trabalhistas persistem (Pexels)

A informalidade avançou e a precariedade ainda persiste entre as trabalhadoras domésticas paranaenses, dez anos após a promulgação da Emenda Constitucional 72, que ficou conhecida como PEC das Domésticas. Além disso, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o número de empregadas domésticas diminuiu na última década, período em que houve crescimento da atuação de diaristas.

As informações, extraídas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) trimestral, mostram que no segundo trimestre de 2013, quando foi promulgado o texto que prevê a igualdade de direitos trabalhistas entre domésticas e os demais trabalhadores, havia 303 mil trabalhadores domésticos no Paraná, atuando em vagas formais (com carteira de trabalho assinada) ou informais (sem carteira de trabalho assinada). Já no último trimestre do ano passado (período mais recente com dados disponíveis), o número de trabalhadores domésticos no estado era de 290 mil, uma redução de 4,3%.

Curiosamente, nesse período também cresceu o número de pessoas desempenhando trabalhos domésticos sem direitos trabalhistas. Há 10 anos, 85 mil desses trabalhadores (28% do total) tinham carteira assinada e outros 218 mil (72%) estavam na informalidade. No final de 2022, já eram 66 mil trabalhadores formais (22,8%) e 224 mil sem carteira de trabalho assinada (77,2%).

Outro ponto importante de ser notado diz respeito à renda. Em 2013, uma trabalhadora doméstica ganhava em média R$ 1.121, valor que chegou a R$ 1.211 (um avanço de 8%) em 2022. Entre aquelas com carteira assinada, o salário é maior (1.604 contra R$ 1.095), mas a evolução dos vencimentos foi bem mais tímida do que entre as trabalhadoreas informais (+1,91% ante +16%).

Promulgada em abril de 2023, a PEC das Domésticas tinha o objetivo de igualar os direitos trabalhistas entre domésticas e os demais trabalhadores, entre eles salário-maternidade, auxílio-doença, auxílio acidente de trabalho, pensão por morte e aposentadoria por invalidez, idade e tempo de contribuição. A legislação ainda passou por regulamentação em 2015, com a aprovação da Lei Complementar nº 150, que ampliou as garantias previstas para a categoria, como a obrigatoriedade de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os domésticos.

O que teria acontecido para a lei não ter alcançado o efeito desejado?
Um fator a ser considerado é que a classe média foi o segmento que mais perdeu renda durante a pandemia, afetando as contratações de domésticas mensalistas. Além disso, com a adoção de home office, muitos assumiram parte das tarefas antes desempenhados pelas trabalhadoras domésticas.

“As pessoas também não tinham renda para contratar empregadas domésticas e, quando faziam, começaram a fazer mais de maneira informal ou como diarista, duas vezes por semana, pois há a possibilidade de não ter encargos trabalhistas. E, assim, essa modalidade se expandiu ao longo do tempo”, explicou o economista Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social, em entrevista à Agência Brasil.

Ainda segundo Neri, um fator demográfico também contribui para a preferência por diaristas, que é a redução no tamanho das famílias: em dez anos, o número de pessoas por família caiu 10%.

Já a coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista, comenta que além das demissões, a pandemia trouxe insegurança às trabalhadoras em relação à própria doença, já que muitas não tiveram a opção de fazer isolamento social ou foram requeridas a ficarem na casa dos patrões. “Não era preocupação com a vida das trabalhadoras, era com o bem-estar e servidão que eles queriam”, diz ela, revelando que, no Brasil, apenas dois mil empregadores (num universo de milhões de trabalhadoras registradas) deixaram as empregadas em casa, com o salário pago.

“Na hora de readequar o orçamento, quem primeiro é excluída do orçamento é a trabalhadora doméstica. Quando ela fica sem renda, aceita fazer as tarefas mais pesadas daquela casa em dois dias na semana recebendo por diária. Porque ela está desempregada, não tem outra fonte. Isso torna uma situação favorável para que as leis não sejam respeitadas”, disse Luiza.

Número de empregadas reflete desigualdade no país
Em todo o Brasil há 5,83 milhões de empregadas domésticas, o equivalente a 5,9% de todos os trabalhadores que estavam ocupados no último trimestre do ano passado. Já no Paraná, os 290 mil trabalhadores domésticos representam 4,9% dos 5,88 milhões de trabalhadores ocupados.

Segundo o economista Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social, o número de empregadas domésticas no Brasil é alto e não é comum encontrar a mesma proporção em outros países. “Reflete a alta desigualdade brasileira”, disse. “E o que a experiência mostra é que a tentativa de combater essa desigualdade, não acontece sem reações. Então, essa troca de empregadas domésticas formais por diaristas reflete um pouco essa reação, dá essa sensação de que a gente não avançou, apesar das boas intenções da legislação”, completou.

Para a coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista, os direitos foram conquistados após muita luta da categoria, mas a efetividade e o respeito à legislação ainda deixam muito a desejar.

“Quando não tínhamos uma ferramenta legal para reclamar direitos que não foram respeitados na justiça, a gente dependia muito de jurisprudência, do juiz que julgasse a ação”, diz Luiza.

“A partir do momento que temos uma lei que nos garante direitos é uma alegria e ao mesmo tempo uma decepção, porque, infelizmente, muitos empregadores não respeitam, não registram carteira e quando vai fazer uma rescisão, nós só garantimos alguma coisa através de ação judicial. Isso é muito desgastante”, completa.

Relatora da PEC, Benedita da Silva foi empregada doméstica
A relatora da PEC das Domésticas na Câmara dos Deputados, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), foi empregada doméstica. Durante a tramitação da matéria, a parlamentar contou que, desde menina, ajudava sua mãe, que foi lavadeira do ex-presidente Juscelino Kubitschek, na década de 50, no Rio de Janeiro. A proposta foi promulgada no dia 2 de abril, no governo da presidenta Dilma Rousseff.

“Foi em 2013, com o apoio da presidenta Dilma, que o Congresso Nacional aprovou, por quase unanimidade, a PEC das Domésticas, que tive a honra de relatar, garantindo à categoria os direitos trabalhistas. Para mim, que tanto lutei desde a Constituinte para garantir os direitos das domésticas foi uma vitória pessoal. Depois de anos de desmonte e desgoverno, a luta continua para recuperar a dignidade de todas as trabalhadoras e trabalhadores”, disse recentemente a deputada, por meio de sua rede social.

Para o economista Marcelo Neri, a luta das trabalhadoras domésticas se guia a questões de direitos humanos e direitos trabalhistas iguais. “A questão de empregadas domésticas reflete não só desigualdade de gênero mas na desigualdade racial, que remonta a essa herança escravagista. Acho que é tentativa de entrar no século 21 e sair do século 19, acho que vai na direção correta”, argumentou.

Relatora da PEC, Benedita da Silva foi empregada doméstica
A relatora da PEC das Domésticas na Câmara dos Deputados, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), foi empregada doméstica. Durante a tramitação da matéria, a parlamentar contou que, desde menina, ajudava sua mãe, que foi lavadeira do ex-presidente Juscelino Kubitschek, na década de 50, no Rio de Janeiro. A proposta foi promulgada no dia 2 de abril, no governo da presidenta Dilma Rousseff.

“Foi em 2013, com o apoio da presidenta Dilma, que o Congresso Nacional aprovou, por quase unanimidade, a PEC das Domésticas, que tive a honra de relatar, garantindo à categoria os direitos trabalhistas. Para mim, que tanto lutei desde a Constituinte para garantir os direitos das domésticas foi uma vitória pessoal. Depois de anos de desmonte e desgoverno, a luta continua para recuperar a dignidade de todas as trabalhadoras e trabalhadores”, disse recentemente a deputada, por meio de sua rede social.

Para o economista Marcelo Neri, a luta das trabalhadoras domésticas se guia a questões de direitos humanos e direitos trabalhistas iguais. “A questão de empregadas domésticas reflete não só desigualdade de gênero mas na desigualdade racial, que remonta a essa herança escravagista. Acho que é tentativa de entrar no século 21 e sair do século 19, acho que vai na direção correta”, argumentou.