Jeferson Oliveira, de 29 anos, mora embaixo do viaduto Capanema há mais de dois anos. Como muitos moradores de rua, chegou do interior do Estado com a perspectiva de arrumar emprego, alugar uma casa, mas tudo deu errado. Hoje divide o local com cerca de 10 pessoas, que vivem de forma organizada. Eles tem móveis, roupas, colchões, a maioria por doações e achados nas ruas. Até mesmo improvisaram um chuveiro com uma lata de tinta velha. Claro que todos têm a esperança de uma vida melhor . Mas enquanto não chega, lutam contra as dificuldades e o preconceito.
Curitiba é a capital brasileira com maior número de pessoas morando em situação de rua em relação a sua população total. De acordo com o último levantamento do Ministério do Desenvolvimento Social, em 2008 viviam nas ruas da capital paranaense pelo menos 2.776 pessoas com mais de 18 anos. Apesar de antigo, o dado é desconhecido por muitos curitibanos – e aparentemente por muitos governantes –, o que reflete a invisibilidade social a que estas pessoas estão submetidas.
Dormir na rua é a principal opção para uma população que tem como oferta 320 leitos em um abrigo da Fundação de Ação Social (FAS), mantido pela Prefeitura de Curitiba – cada morador em situação de rua precisa disputar vaga com outras oito pessoas. Em outro local mantido pela FAS, a casa de convivência João Durvalino, há 40 vagas para moradores de rua realizar oficinas que promovem a ressocialização destas pessoas. Porém, o local é utilizado apenas para alimentação, já que não há atividades ao longo do dia.
Para o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Leonildo José Monteiro Filho, é preciso que haja políticas públicas que tragam visibilidade a esta população e não medidas assistenciais e paliativas. Muita gente tem a ideia que a pessoa mora na rua porque quer, porque gosta. Não é assim. Ela não tem para onde ir, em Curitiba especialmente. Por que não há políticas públicas integradas, para promover a reinserção destas pessoas, como um plano de habitação e qualificação profissional?, questiona Monteiro Filho.
O Movimento Nacional da População de Rua atua junto a esta população para que eles tenham consciência de seus direitos, já que muitos deles sofrem agressões cotidianas e muitas vezes não têm a quem recorrer. Não é porque está na rua que a pessoa pode ser agredida. Aliás, o maior causador de violência é a polícia, em especial a Guarda Municipal de Curitiba, relata o coordenador paranaense do movimento.
A opinião é compartilhada pela assistente social do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Direitos Constitucionais do Ministério Público, Sandra Mancino. Segundo ela, a violência sofrida pelos moradores se dá por diversas maneiras, como serem obrigados a sair de determinados locais e não terem condições de realizarem sua higiene pessoal. As ruas e praças são locais públicos, onde todos têm o direito de estar. Porém, estas pessoas não são permitidas de se reunirem, porque logo são ‘convidadas a se retirarem’. Geralmente a bebida deles é retirada, mas nós sabemos que os jovens de classe média estão bebendo na frente dos shoppings e ninguém faz nada. Além disso, não há banheiros públicos em Curitiba e esta população tem muita dificuldade para ir ao banheiro. A vida deles é uma imensa dificuldade, salienta Sandra. A agressão mais grave, porém, é a física – motivadas por atitudes de extremo preconceito com esta população, vulnerável a estes riscos. Eles denunciam muito a violência policial, principalmente pela Guarda Municipal. Eles vêm ao Ministério Público para denunciar os frequentes abusos da Guarda Municipal. O problema é que muitas vezes não conseguem identificar o agente violador, afirma a assistente social.
O coordenador do MNPR, entretanto, conseguiu identificar o guarda municipal que agrediu um adolescente na Casa João Durvalino. Monteiro Filho frequenta o local rotineiramente e em uma das suas passagens ele presenciou a agressão. Depois que eu vi ele dando um tapa no rosto do jovem eu denunciei o agente para a ouvidoria da Guarda Municipal e também ao Ministério Público. Porém, depois disso, eu comecei a receber ameaças do guarda, que falou para outras pessoas que ia ‘plantar’ um flagrante em mim e ia me levar preso, conta Monteiro Filho. Desde então, eu tenho que ir até o local, onde também desenvolvo meu trabalho, junto de outras pessoas, para evitar ficar sozinho e sofrer na mão do guarda, lamenta o coordenador do movimento.
Procurada pela reportagem, a Guarda Municipal não quis comentar o caso. A assessoria informou que, após o contato da reportagem, o guarda, que já tinha um processo administrativo em curso, foi transferido da Casa João Durvalino até que seja concluída a investigação.
A FAS também foi procurada para comentar o assunto, mas a assessoria informou que a Fundação está passando por um processo de reorganização, inclusive com mudanças na direção do resgate, e que está realizando um diagnóstico da situação da entidade.