CLUBE TRADIÇAO
Show no Clube Tradição, um dos resistentes da noite curitibana (Foto: Franklin de Freitas)

Sair tarde da noite de casa para encarar a fila de uma boate e virar a madrugada ouvindo música e bebendo é uma tradição que parece ter perdido força ao longo dos últimos anos em Curitiba. Segundo dados da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar), a Capital chegou a contar, antes da pandemia, com cerca de 600 baladas e casas noturnas. Hoje, já são em torno de 300 estabelecimentos ativos, o que significa que metade desses espaços que faziam a boêmia curitibana fecharam as portas. E algumas mudanças de comportamento, bem como problemas econômicos que afetaram o setor de entretenimento durante a crise sanitária, ajudam a explicar esse cenário.

De acordo com Fabio Aguayo, presidente da Abrabar, essa é uma situação que afeta não só Curitiba, mas as principais ciadades-polos do estado. “É um novo comportamento, uma mudança de hábito do cliente, do cidadão, com a cidade mais ativa em momentos do dia”, afirma ele, citando que anteriormente as pessoas se preparavam para sair de casa às 22, 23 horas, para curtir o final da noite e a madrugada na balada. “Hoje as pessoas saem mais cedo e costumam voltar mais cedo. Mas a noite curitibana está viva, está forte, com preço justo e bom atendimento”, reforça Aguayo.

Proprietário da Rodeo Curitibana, o empresário Gilmar Silva também aponta que o poder aquisitivo do público caiu nos últimos tempos, bem como a Lei Seca acabou impactando a vida noturna ao longo dos anos. “Muita gente está optando hoje por barzinhos próximos às suas residências, em função de ter som ao vivo e até a própria bebida ser um pouco mais em conta, né?!”, comenta ele, recordando que Curitiba, no meio sertanejo, já contou com grandes casas, como o Victoria Villa e El Rancho. “Todas fecharam, mas a Rodeo continua e atendendo o público de A a Z. Por isso que ainda não fui derrubado. Não é fácil, mas estamos lutando”, emenda.

Um caso emblemático é o de Pedro Grego, que trabalha como DJ e produtor de festa desde 2006 e há dois anos e meio toca o seu próprio negócio, o Dante Club, uma casa noturna voltada ao público LGBTQIAP+. Quando abriu o negócio, ele conta que veio com a “ideia antiga” de começar a balada às 23 horas e ir até às 6 da manhã. Hoje, já abre um pouco mais cedo, a partir das 22, e fecha a casa entre 4h30 e 5 horas da madrugada. “Teve essa mudança, que eu acho que teve muito a ver com esse pessoal que fez 18 anos na pandemia, porque tinha toque de recolher, né? Então eu acho que tem a ver com o hábito deles ali mesmo de sair mais cedo de casa e já voltar mais cedo porque foram quase dois anos fazendo isso.”

Por outro lado, o consumo de bebidas alcoólicas, na visão dos empresários, não foi tão impactado quanto alguns imaginam. Isso porque o consumo segue num bom padrão, mas o que houve foi uma mudança de preferência, com a tradicional cerveja perdendo espaço para drinks mais elaborados. “O pessoal gosta muito de ir para balada e experimentar coquetel, drink, essas coisas. Então estão dando preferência por essa experiência, consumir alguma coisa diferente do que se vê no bar de rua”, afirma Grego. “Hoje o jovem está bebendo menos, mas está bebendo melhor”, complementa Alessandro Reis, proprietário do Crossroads.

Um novo ciclo na vida noturna: a troca do digital pelo mundo real

Pedro Grego comenta ainda ter notado uma redução grande no número de festas e clubes em Curitiba. Segundo ele, houve um “boom” em 2022, mas depois as coisas foram diminuindo e muitas casas fecharam as portas. Só que para ele, isso tudo faz parte de um processo, um ciclo. “Eu conversei com uma amiga minha de São Paulo, que está na noite há mais de 30 anos. Segundo ela, o momento atual lembra muito o começo dos anos 2000, que teve um boom de raves, muitas casas noturnas abrindo e tal. Só que isso foi perdendo um pouco a graça e as coisas foram ficando menores, até que novos coletivos de festas e produtores começaram a crescer para daí fundar novos clubes. É um ciclo”, opina ele.

Numa linha parecida, Alessandro Reis destaca notar um movimento em que as pessoas estão desapegando do digital para se voltar ao mundo real. Segundo ele, está ficando muito pesada a cobrança por trás da tela, com os usuários tendo de se preocupar com hora de postar e de se preocupar com quantos likes vão receber.

“A galera está começando a enxergar que o digital não é igual ao físico, né? O físico sempre vai superar, o olho no olho, você estar com pessoas, sentir a vibração do acordo de uma guitarra, a batida de uma bateria ao vivo… Isso é muito diferente de você botar um fone de ouvido na frente de uma tela para ouvir uma música. É uma vibe diferente. Nada substitui o contato com os amigos, com a galera. E eu acho que é essa o objetivo maior do bar. O bar sempre foi isso, sempre foi um lugar de encontros”, ressalta o empresário.

“Estamos entendendo e nos preparando para os novos tempos”

De acordo com Fabio Aguayo, as baladas e casas noturnas de Curitiba já estão começando a entender o novo comportamento do consumidor e se preparando para atender essas demandas. Por isso, inclusive, a Abrabar pretende fazer em breve um fórum ou seminário com as casas noturnas, para atualizar os empresários do segmento sobre as novas tendências e também valorizar quem já está no mercado. “Queremos estimular os empresários a terem casas noturnas. O Vox antigo, por exemplo, fechou, mas reabriu agora como Honey Vox, um novo nome, um novo formato, e tem dado certo, foi uma boa pro nosso setor”, exemplifica ele.

O caso do Crossroads também merece ser citado. Isso porque a casa roqueira, com 28 anos de história, está em sua terceira geração. E sempre se renovando, criou formas de atender o público antigo e fiel, mas que já convive com novas rotinas até por causa da família, e também formas de continuar atraindo novos públicos para a casa.

“O roqueiro raiz, que ia no Cross toda quinta-feira e batia cartão para a ver a banda The Elder, ele hoje tem família, divide o tempo dele em tomar vinho com a esposa ou sair com os amigos, fazer um churrasco, ir no cinema. Então a gente faz uma vez no mês um evento chamado Thunderstruck, que acontece durante o dia para que as pessoas possam ir com suas famílias, em segurança. É um evento que não vai até tarde. E as novas gerações consomem muita coisa, mas não são tão fiéis. O mesmo cliente que ouve um rock vai tranquilamente num sertanejo, música eletrônica, num pagode. O jovem gosta de consumir um pouco de tudo, e daí vai do exercício e da dinâmica que você usa para atrair essa galera pro seu estabelecimento.”