
Quem vê a figura da Guerda Tiziane Adão, 40 anos, não imagina o quanto de histórias ela tem para contar. Desde 2022, a empresária é responsável por uma iniciativa para lá de inclusiva que prova que mulher pode estar onde ela quiser. Um dia decidiu montar uma oficina que culminou no Projeto Cores que tem sido sua “menina dos olhos”. Além de ajudar mulheres em situação de vulnerabilidade social a desenvolver uma profissão no setor automotivo, que empodera e possibilita a independência financeira. Para sair do papel, bastou a oportunidade, o desejo de ir além e a capacitação. E Guerda tem de sobra a vontade de dar certo em um mundo notadamente masculino. Atualmente, é uma das únicas mulheres que administram uma funilaria expressa e espaço de pintura automotiva, a Lion Queen Garage, no Paraná. Com persistência e muito trabalho, ela provou que sonho é coletivo. 2024 promete!
Guerda tem orgulho de ser negra, com uma trajetória nem um pouco fácil mas que a motivou a entender pessoas e gerar para muitas mulheres mais do que um emprego, mas um espaço de reconhecimento e dignidade. Em 2023, quatro mulheres passaram pelo curso e saíram para o mercado de trabalho. Neste ano, será mais uma turma com quatro mulheres vindas de uma clínica de recuperação.
Sensibilidade
Atrás da postura de uma líder de um setor que pouco se vê salto alto, Guerda faz questão de manter o feminino e sensível de quem dorme de touca de cetim; mantém as unhas esmaltadas e o cabelo afro arrumadíssimo. Os colaboradores também lembram do lado ativo e “elétrico” de quando, em alguns dias, ela chega na oficina jogando água por todo lado com a lavadora de pressão (e haja cuidado com as ferramentas!) com um saco de pão com mortadela para aquela reunião demorada e pontual ou pronta para uma corrida de paletes. Tudo com bom humor.
Ela nasceu na Cidade Industrial. E os percalços familiares e pessoais, ajudaram,a então consultora automotiva, a criar possibilidades. Sempre gostou de carros; e de transparência. Teve uma vez que levou o seu carro em diversas mecânicas e muitos diagnósticos com preços variados, prova de que alguns não respeitam mulheres. Deu um basta e iniciou o processo da empresa. “Nunca mais quero ser passada para trás. Se antes tinha que ficar implorando, justificando, porque ninguém atende do jeito que a gente espera, hoje eu ensino o atendimento humanizado e com respeito”, justifica.
Tudo foi uma questão pessoal. Os três irmãos, que tinham passado pelo sistema penal, precisam de trabalho e segurança. “Era preciso criar a oportunidade de seguir uma nova vida e não voltar para a antiga. E, para mim, ter uma profissão é um caminho. Quem tem, nunca fica desempregado.” Com a cara e a coragem, entrou em uma sociedade em 2016, em uma empresa que lidava com carros, na área de pintura automotiva, e chamou os irmãos. A fórmula que ajudou a si e a muitos outros.

Dar reconhecimento
De sócia da oficina, Guerda virou proprietária, em 2018, assumindo uma dívida e uma carteira de clientes. Em 2022, veio uma filial e a reflexão ainda fazia sentido. “Virei sócia para ajudar meus irmãos; também consegui ajudar muitas mulheres. Inclusive, montou um manual de carro para o público feminino. Então, os motivos iniciais tinham sido atingidos. Por que não ajudar outras pessoas da mesma forma como eu consegui com meus irmãos?” E daí surgiu o pontapé inicial para o curso de capacitação nas áreas de funilaria e pintura automotiva. “Ninguém fala do sujinho que fica lá atrás preparando o carro, não é?” A capacitação era uma forma de dar valor a algo tão pouco explorado, mas fundamental. “Vai vir todo o tipo de carro. Diesel, gasolina, elétrico. Mas, todos precisam ser pintados ou retocados, em algum momento.” Para ela, os esquecidos podiam se juntar e serem reconhecidos.
E as respostas têm vindo rápido. Entre as histórias impactantes, teve de uma aluna que virou inspiração para a Guerda. A senhora de mais de 59 anos é ex-usuária de drogas, passou por casa de recuperação. Nesse processo, a família a deixou de lado. “É muito desgastante esse vai e volta, sem perspectivas”. Guerda conta que a ex-aluna tem sido um exemplo. Está empregada, super feliz e de volta a família. E ela lembra que as mudanças nas mulheres que capacita, são reflexos do que vem buscando. “Quero mudar as pessoas que estão à minha volta. Quando eu mudo a vida de uma, eu impacto a vida de outros. Do pai, da mãe, dos filhos, dos amigos. Isso que importa”. E isso é só o início.