Onde estão e como sobrevivem as últimas videolocadoras de Curitiba

Cidade chegou a contar com centenas de empresas que trabalhavam com a locação de filmes, mas hoje restam poucas lojas na “resistência”

Rodolfo Luis Kowalski
VIDEO LOCADORA

Laércio Paz, dono da Cine House Video: “Chegava a fazer fila aqui na frente”, recorda ele (Franklin de Freitas)

Final dos anos 1990, começo dos anos 2000. Um tempo em que a maioria dos brasileiros privilegiados que tinham a possibilidade de acessar a internet o faziam apenas aos finais de semanas ou durante as madrugadas, para pagar apenas um pulso pela conexão discada. Um tempo em que as redes sociais eram ainda incipientes, o YouTube sequer existia e muito menos os serviços de streaming. Por outro lado, as videolocadoras eram numerosas e muito movimentadas

Laércio Paz, por exemplo, recorda que sua loja, a Cine House Vídeo, chegava a ter fila de clientes, principalmente às sextas e sábados, que aguardavam para poder entrar na locadora e selecionar as obras que embalariam o final de semana de toda a família. “O auge aqui foi na época do VHS, dava muito movimento. Foi quando ampliamos, chegamos a abrir uma segunda loja. Chegava a fazer fila aqui na frente nos finais de semana e, se fazia um tempo cinzento, o pessoal não tinha muita opção a não ser assistir um filme”, recorda ele.

Com o tempo, contudo, a pirataria e a chegada de novas tecnologias foi fazendo a tradição de ir até uma vídeolocadora virar coisa do passado, ao ponto do mercado de locações de vídeos ter sido praticamente extinto em Curitiba.

“Teve o auge do VHS, mas na época do DVD também teve um momento bom. Sexta a domingo sempre foi ótimo, com chuva melhorava ainda mais, e época de férias, feriado, era melhor ainda: mesmo com calor e tudo, a loja bombava. E era um movimento bem familiar: vinha pai, mãe, filho… Era um filme pro pai, um pra mãe e desenho para criança, além da pipoca e do refri. E assistia tudo em família. Hoje isso já não existe mais, de ver as coisas juntos. É cada um vendo suas coisas, no seu próprio celular”, lamenta Sidney Gemoski, da Screen Vídeo Locadora.

“Praticamente extinto”, entretanto, não é o mesmo que estar extinto, efetivamente. Embora as locadoras de vídeo possam ser vistas como um negócio em extinção, ainda há sobreviventes em Curitiba. E nos últimos dias, com o auxílio de ferramentas de pesquisa do Google, das redes sociais (principalmente Facebook e Instagram) e de sugestões de colegas, o Bem Paraná procurou descobrir onde estão e como sobrevivem as resistentes videolocadoras curitibanas.

Inicialmente, chegou-se a uma lista com seis estabelecimentos que estariam ainda em atividade. Dessas seis empresas, contudo, duas já não trabalham mais com locações de filmes: a Fera Vídeo virou Lan House Fera, enquanto a Blue Chips Vídeo mudou de ramo faz aproximadamente um ano.

As outras quatro empresas consultadas, contudo, seguem atuando no mercado de locações, ainda que tenham tido de passar a oferecer outros serviços ou feito adaptações para sobreviver na era do streaming — por exemplo, focando mais na venda de filmes que na locação em si e/ou trabalhando também com a conversão de fitas de videoteipe em DVDs ou de fitas e DVDs em arquivos digitais.

Abaixo, você confere um pouco mais sobre a história das resistentes videolocadoras de Curitiba. E se o leitor souber de uma outra locadora curitibana que segue na ativa e não entrou na lista, nos informe pelo e-mail rodolfo@bemparana.com.br, colocando como assunto/título da mensagem a frase “Videolocadora em Curitiba”.

Cine House Vídeo: uma das quatro resistentes locadoras curitibanas (Foto: Franklin de Freitas)

As resistentes videolocadoras curitibanas

Cine House Vídeo

Fundada em 1990, no bairro Vila Izabel (R. Prof. Ulisses Vieira, 684), a Cine House Video é administrada por seu fundador, Laércio Paz, que ainda jovem investiu na empresa para tornar a sua paixão por cinema num negócio. A empreitada deu certo e ele chegou a ter duas lojas no bairro, com um total de oito funcionários.

A loja maior, que era alugada, fechou em 2005. Até hoje, porém, a empresa segue ativa no mesmo endereço onde tudo começo, mantendo um acervo com cerca de 20 mil obras. “É um acervo que na época não dava tanto retorno como os lançamentos, mas eu tinha investido muito nesse tipo de filme, que são filmes que hoje continuam sendo procurados. Filmes cults, filmes estrangeiros de várias línguas, filmes que são difíceis de alguém ter, eu tinha sempre, porque sempre gostei desse tipo de filme”, explica Laércio.

Hoje, mais até que a locação de vídeos (que custa R$ 10 para qualquer filme e o cliente pode ficar com a obra por pelo menos uma semana), a venda de filmes (principalmente DVDs, mas também alguns VHS) é uma das principais frentes da empresa, que atende muitos colecionadores. Além disso, a Cine House Video também é referência no trabalho de recuperação de fitas antigas e na conversão de imagens gravadas nessas mídias (DVD e VHS) para arquivos digitais.

“Sempre trabalhei com recuperação de fitas, desde a época do VHS, quando fazia o serviço até para outras locadoras e fazia esse trabalho de recuperação. Depois continuei fazendo, mas era o VHS das pessoas que tinham em casa fitas caseiras e convertiam para DVD, e agora também já trazem os DVDs para transformar em arquivo. Hoje esse é o principal serviço que faço, sou especialista em digitalização”, afirma ainda Laércio, que cobra R$ 40 por fita VHS para fazer a conversão ou R$ 10 para cada DVD a ser convertido em arquivo digital.

Screen Video Locadora

Perto de completar 27 anos de história, a Screen Video Locadora foi criada por Sidney Gemoski, que abriu o negócio após deixar o trabalho que tinha numa concessionária de veículos. “Sai de lá e como gostava de filme, as videolocadoras viviam um momento bom, resolvi encarar e entrei nesse mercado. Era a época do VHS ainda”, recorda ele.

Ao longo dos anos, a loja mudou três vezes de endereço, sempre permanecendo na mesma região (hoje está localizada na Rua Conde dos Arcos, 1452, no bairro Novo Mundo). “Hoje estamos a 100 metros de onde foi a primeira loja. É que foi aumentando a clientela e aí fomos aumentando o espaço”, explica Sidney.

Embora ainda ofereça a locação de vídeos (que custa R$ 3 e o cliente pode ficar com a obra por três ou quatro dias, sem custo para relocação), o foco da empresa é a venda de filmes, tanto que a Screen se uniu a outra empresa, a WF Video, para montar um dos maiores acervo de filmes a venda no país, com mais de 40 mil DVDs. A maioria das obras custam R$ 5, mas filmes mais raros podem sair por até R$ 70.

“Locação hoje sai pouco, é quase zero. Agora estamos vendendo: compro vídeos de outras locadoras, temos o nosso próprio acervo também e boto para vender na loja, no Mercado Livre, no Instagram… Vendemos pro Brasil inteiro via internet e aqui na loja também vem muito colecionador da Grande Curitiba e do litoral do Paraná”, aponta ainda Sidney, explicando que o mercado hoje vive de altos e baixos.

Vídeo Nicarágua

Localizada no bairro Bacacheri (Rua Nicarágua, 768) desde 1996, a Vídeo Nicarágua foi aberta em 1996 por Marco Aurélio de Figueiredo Junior, mais um apaixonado por filmes que resolveu fazer da paixão um negócio. “Iniciei com VHS, CDs e fitas de videogame e mais tarde, por volta do ano 2000, iniciou a fase dos DVDs”, recorda ele, comentando que a melhor época para a empresa foi entre 2001 e 2010.

“Em 2001 iniciou a pirataria dos DVDs, que já começou a prejudicar, mas não afetava muito. Mas depois veio a TV a cabo, a internet, e aí o setor começou a sentir”, aponta o empresário, explicando que hoje o foco principal da empresa é a venda de filmes (DVDs, por exemplo, podem custar de R$ 15 a R$ 200; VHS, de R$ 20 a R$ 50; e Blu-ray, de R$ 35 a R$ 50). O serviço de locação, contudo, também segue sendo oferecido, ao custo de R$ 7 por dois dias de aluguel.

“Nosso foco está mais nas vendas hoje porque com o passar do tempo começou a ter muitos colecionadores”, explica Marco Aurélio, destacando que há 7 mil títulos no acervo da locadora, que também faz o trabalho de manutenção de fitas VHS e de digitalização das mesmas, ao custo de R$ 25 por fita (lembrando que os valores aqui apresentados podem ser atualizados). “Mas muitas pessoas entram na loja por causa da nostalgia mesmo. Estamos abertos de segunda a sexta, das 13 às 17 horas, Fora deste horário, somente com agendamento”, complementa ainda ele.

A Vídeo Nicarágua, no Bairro Bacacheri (Foto: Arquivo pessoal)

Astro Video Locadora

A Astro Video Locadora, com 34 anos de história e localizada no bairro Portão (Rua Augusto de Mari, 3671), é mais uma resistente do mercado de locação de filmes em Curitiba. O Bem Paraná contatou o proprietário da empresa, Darío Dòris, e confirmou que a mesma segue ativa. Contudo, como a locadora está em período de férias e o seu dono está viajando, não foi possível realizar entrevista.

Em 2020, contudo, Darío já havia conversado com o Bem Paraná, por ocasião de outra reportagem sobre as videolocadoras curitibana. Na época, o empresário lamentou que os avanços tecnológicos inviabilizaram a operação de muitas empresas do setor. “A partir do momento que entrou a Netflix deu uma caída, depois a internet em si. As pessoas hoje baixam o filme na SmartTV e assistem direto em casa. Basicamente, a tecnologia engoliu o mercado”, comentou ele na ocasião.

Os grandes lançamentos, curiosamente, seguiam sendo o carro-chefe da locadora. Em seguida vinham as obras clássicas, difíceis de se encontrar na internet.

O que mais chama a atenção, contudo, é uma fala profética que ele fez na ocasião, quando havia menos de 15 estabelecimentos trabalhando com a locação de filmes (número que não parou de cair desde então). “Olha, talvez fique uma ou outra (locadora) para funcionar como museu, como uma espécie de sebo. Eu acho que vão se transformar em sebos”, apostava Dóris.