
Os cachorros são o melhor amigo do homem (o que já é muita coisa), mas também podem ser algo além disso, auxiliando pessoas com algum tipo de deficiência ou alguma necessidade específica. Para tanto, eles são treinados (adestrados) até estarem prontos para assumir o papel de cão-guia, cão de serviço ou de apoio, desempenhando papéis cruciais nas vidas de seus donos e exercendo funções diferentes.
Entre esses três tipos de cachorros, provavelmente o cão-guia (que na realidade é um tipo específico de cão de serviço) é o mais conhecido pelas pessoas. Esses animais, altamente treinados, são responsáveis por trazer mais segurança e agilidade aos deficientes visuais, servindo basicamente como os olhos de pessoas cegas: alertam quando estão para atravessar uma rua, quando há um degrau ou quando é necessário desviar de algum buraco, placa ou árvore, por exemplo.
Os cães de serviço, por sua vez, também são altamente treinados, mas para realizar tarefas diferentes daquelas exercidas por um cão-guia, auxiliando pessoas com deficiências físicas, sensoriais, psicológicas ou necessidades médicas específicas. Dessa forma, realizam tarefas práticas, como abrir portas, buscar objetos ou mesmo alertar sobre crises médicas iminentes.
Por fim, há ainda os cães de apoio emocional, que oferecem conforto e estabilidade emocional pra indivíduos que enfrentam problemas como ansiedade, depressão ou mesmo estresse pós-traumático. Não possuem o mesmo treinamento dos cães de serviço (e por isso não possuem permissão legal para entrar em locais públicos onde animais normalmente não são permitidos, por exemplo), mas oferecem uma presença reconfortante aos seus donos, aliviando o estresse.
Um adestrador curitibano muito especializado
Em Curitiba, inclusive, há um adestrador cujo trabalho é voltado, especificamente, para os cães de serviço (com exceção aos cães-guias). Trata-se de Allan Galvão, da Passos de Cão Adestramento, que há onze anos trabalha com cachorros e adestramento de pets, sendo que há seis começou a se especializar no treinamento de cães para o atendimento a necessidades de pessoas com deficiência.
“A gente pode treinar o cão para um celíaco [pessoas que tem intolerância ao glúten], que daí o dono vai apresentar um alimento para o cão e ele, pelo olfato, as marcações de odores específicos, vai te dizer se aquele alimento é realmente seguro para você, se tem glútem ou não. Também temos os cães para alerta médico, para pessoas que tem problemas como diabetes [com o animal alertando sobre a iminência de crises de glicose alta ou baixa]; os cães que ajudam pessoas com mobilidade reduzida [abrindo portas ou pegando objetos]; e os cães que auxiliam nos espectros, como autismo [ajudando a controlar ataques epilépticos e dando conforto em ambientes públicos ao assistido, por exemplo], síndrome de down, síndrome do X frágil… São várias possibilidades”, explica o adestrador.
Ainda segundo ele, todo cachorro pode ser adestrado, a depender da função específica que o dono quer.
No entanto, enquanto um pet pode ser adestrado para comandos e questões básicas como não puxar a guia e fazer xixi no lugar certo em algumas poucas semanas, o serviço envolvendo cães de serviço é algo muito mais exaustivo, demorado, que vai exigir até mesmo a análise do histórico genealógico do animal antes dele ser efetivamente escolhido e começar a ser treinado.
“Tem de selecionar o perfil do cão para, a partir disso, começar toda a parte do treinamento, primeiro com a socialização e comandos básicos. Depois dos comandos básicos, começa a direcionar para o que a gente deseja, especificamente, daquele cão. Um treino mais completo vai levar dois anos. Não entregamos antes porque com menos de dois anos ele ainda é um cão jovem, e o jovem não trabalha. Então, no momento em que ele entra adulto na família, ele já sabe o que fazer, porque ficou dois anos repetindo aquilo ali”, esclarece ainda Allan.
Por conta desse trabalho minucioso, o custo também não é baixo: o preço para a aquisição de um cão de serviço pode chegar a até R$ 70 mil, valor que envolve a aquisição do animal, seu treinamento, alimentação e gastos com veterinário, exames e banho. Trata-se, no entanto, de um investimento em qualidade de vida – e não só para quem é diretamente assistido pelo cachorro. “O cão de serviço, embora exerça uma função específica, acaba por melhorar a qualidade de vida de toda uma família, e não somente dos assistidos. É um prazer indescritível poder trabalhar com isso e acompanhar esse processo.”
E os cães-guias? “Não são oba-oba”
A respeito dos cães-guia, quem detalha mais sobre é o advogado Roberto Conceição de Almeida Leite, que é conselheiro dos Conselhos Municipal e Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Diagnosticado com retinose pigmentada no final dos anos 1990, ele foi perdendo a vista num processo lento e gradativo, até ficar cego em meados dos anos 2000. E desde então já teve dois cães-guia em sua parceria, o Dexter (que ficou sete anos com ele, entre 2015 e 2022) e o Rock (o atual parceiro).
Conforme o advogado, há no Brasil quatro instituições principais que trabalham com a preparação de cães-guias, duas delas públicas (o Instituto Federal Catarinense, em Balneário Camboriú, e o Instituto Federal Goiano, em Urutaí) e outras duas privadas, integrantes do terceiro setor (a Escola Helen Keller, também localizada em Balneário Camboriú, e o Instituto Adimax, em Salto de Pirapora, interior de São Paulo).
Os animais, inclusive, são entregues gratuitamente àqueles que deles necessitam, mas antes é necessário fazer um cadastro. “Nesse cadastro você coloca todas as suas características, a característica do imóvel onde você vive e do bairro em que você mora, uma série de detalhes, e daí você aguarda ser chamado. Não existe uma fila, o que existe é o cruzamento das suas características com a característica do animal que está sendo instruído”, aponta o advogado.
O tempo de preparo de um cão-guia, assim como ocorre com outros cães de serviço, é de aproximadamente dois anos e também há necessidade, antes de se começar o treinamento, de uma avaliação do pedigree do animal. “Animal, tecnologia assistiva, tem que estar instruído, preparado para frequentar ambientes públicos e coletivos. Não é oba-oba, se eu levo meu cão para um lugar, eu automaticamente sou responsável se ele causar qualquer tipo de dano, lesão ou constrangimento a outro”, explica ainda o advogado, destacando também a autonomia que o companheiro canino lhe garante. “Você consegue ir e vir, tanto dentro como fora da sua cidade. Eu já viajei para São Paulo sozinho, já fui Brasília sozinho, só eu e o cão.”
Tocar ou não tocar: inclusão social
Uma dúvida comum que as pessoas têm, comenta Allan Galvão, é sobre a possibilidade ou conveniência de se tocar em um cão de serviço. No caso de cães-guias, explica ele, a regra é nunca tocar no animal, especialmente enquanto ele está trabalhando, para não distraí-lo. Já no caso dos cães de assistência (ou de serviço), o recomendado é olhar o colete do animal antes de tocar nele. Se ali não tiver nada escrito recomendando em contrário, pode fazer carinho no bicho, o que inclusive pode ajudar a pessoa que por ele está sendo assistida.
“Fazer carinho no cão, dependendo da situação, pode até ser uma espécie de inclusão social. No momento em que as pessoas vêm para fazer carinho no cão, o assistido se sente importante por ter aquele cão que está recebendo carinho”, diz.
“Então muitas pessoas falam ‘ah, não toque no cão de serviço’. Na verdade, o ideal é sempre primeiro perguntar para a pessoa, o dono. Mas a maioria vai autorizar justamente para fazer essa inclusão social”, explica o adestrador.