PROGRAMA GENOMA SUS
Genoma é processado em laboratório do CSPP: esforço em pesquisa pode virar política pública no futuro (Foto: Franklin de Freitas)

O Paraná está participando de um projeto que promete revolucionar a saúde pública no Brasil. Trata-se do Genoma SUS, do Ministério da Saúde, que pretende sequenciar ao longo de um ano o genoma de 21 mil brasileiros, para criar um banco de dados de variantes genéticas populacionais, permitindo o avanço em pesquisas científicas, além de servir como base para o diagnóstico de doenças genéticas. A iniciativa, que faz parte do Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil, começou a ser colocada em prática neste ano. Em todo o Brasil, 5 mil genomas já foram sequenciados, sendo 576 em Curitiba.

Ao todo, integram o Genoma SUS oito centros de pesquisa em seis estados. Dois deles ficam no Paraná: um em Guarapuava, com atividades desenvolvidas na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), em parceria com o Instituto para Pesquisa do Câncer (Ipec); e outro em Curitiba, no Centro de Saúde Pública de Precisão (CSPP), no Instituto Carlos Chagas (ICC), unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na cidade. Esses centros de pesquisa são responsáveis por fazer a coleta das amostras, sequenciamento do genoma completo, além do processamento e análise dos dados.

A proposta do Ministério da Saúde é estruturar um banco com dados clínicos e genéticos, de forma a aumentar o conhecimento sobre doenças multifatorias (como o câncer) e promover o diagnóstico de condições de origem exclusivamente genética (como doenças neurológicas, cardiovasculares, autoimunes, hematológicas ou endócrino-metabólicas), com foco exclusivo na população brasileira, já que os dados de literatura científica atual são, em sua maioria, de populações estrangeiras.

Nesta terça-feira (18 de março), inclusive, o Bem Paraná esteve no CSPP, conhecendo mais sobre a iniciativa. Apenas em Curitiba, a estimativa é que 4 mil genomas sejam sequenciados até o final do ano. É a primeira etapa analítica de um projeto que começou a ser desenvolvido entre 2019 e 2020 e que ganhou corpo mesmo a partir de 2022, quando o local onde atualmente fica o laboratório do CSPP foi disponibilizado após ter sido utilizado como laboratório de análise clínicas pra fazer os testes de PCR para diagnóstico do coronavírus.

“Esse prédio onde estamos é uma incubadora tecnológica do Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR). A gente ocupa quase esse andar inteiro, uma área de 450 metros quadrados, sendo metade da área laboratorial e metade da área administrativa. O CSPP é uma iniciativa da Fiocruz Paraná com o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) e o TECPAR. Hoje temos 20 colaboradores trabalhando aqui, a maioria bolsistas do Genoma SUS, onde a gente, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) do Ministério da Saúde, conseguiu financiamento para, durante um ano, fazer o sequenciamento do genoma completo de milhares de amostras humanas”, explica Fábio Passetti, coordenador do CSPP.

Embora os sequenciamentos tenham começado neste ano, o projeto já vem sendo desenvolvido há algum tempo. No ano passado, por exemplo, os laboratórios envolvidos no Genoma SUS se dedicaram ao desenvolvimento de Procedimentos Operacionais Padrão (POP). “A gente ficou criando esses procedimentos, e todos os oito laboratórios que estão envolvidos no projeto seguem os mesmos POPs, para realização das mesmas reações nos diferentes laboratórios, com os mesmos equipamentos. É uma padronização, e isso ajudou muito a gente a ter uma negociação melhor para conseguir, com o menor recurso possível, sequenciar o maior número de genomas”, comenta ainda Passetti.

Ainda segundo o coordenador do CSPP, até agora foram investidos em insumos, bolsistas e equipamentos cerca de R$ 11 milhões apenas em Curitiba. Tudo com o intuito de ajudar o Ministério da Saúde a começar a estruturar a medicina de precisão dentro do SUS. “A entrega desses POPs, por exemplo, é muito importante para que outros laboratórios possam ser abertos para aumentar essa rede e o número de sequenciamentos que vão ser feitos. Nossa missão é transformar o que hoje é um projeto de pesquisa em uma política pública”, afirma Passetti.

O que é medicina de precisão e saúde pública de precisão?

A medicina de precisão, esclarece Passetti, é o estudo do material genético de uma pessoa. Ou seja, é feito o sequenciamento do material genético de um indivíduo, em busca de marcadores moleculares, alterações genéticas relacionadas a uma característica de interesse. A partir desse sequenciamento é possível, por exemplo, alterar uma conduta clínica no tratamento de uma doença. E o caso do câncer de pulmão é um exemplo clássico, porque no caso desses tumores, dependendo da alteração genética que o paciente apresenta, é possível indicar medicamentos específicos para que aquela pessoa tenha uma chance de sobrevida ou de recuperação muito maior.

A saúde pública de precisão, por sua vez, segue o mesmo conceito da medicina de precisão, mas aplicando isso numa escala populacional. “Você vai ter um atendimento específico para uma população específica. E um grande exemplo que eu sempre dou é o atendimento que a gente está fazendo junto às UTIs neonatais do SUS. Aqueles pacientes que forem internados vão ser selecionados em virtude dos critérios de inclusão e exclusão do nosso projeto. Aí no hospital é coletada uma amostra do bebê com uma suspeita de doença genética e outra amostra dos pais. A amostra biológica vem pra cá, o sangue vem pra cá, a gente faz todo o procedimento e vai soltar um relatório, que pode auxiliar a equipe médica no manejo clínico do caso”, diz Passetti.

Diagnósticos mais rápidos, menos tempo de internação e redução no custo do SUS

Em termos de doenças raras e pacientes recém-nascidos internados com suspeita de doença genética, muitas vezes essas pessoas encararam uma verdadeira odisseia até conseguir um diagnóstico preciso. “O paciente com doença rara pode passar até oito anos da vida repetindo N exames até ter um diagnóstico de fechamento”, aponta Fábio Passetti. “O nosso objetivo aqui é diminuir essa odisseia diagnóstica para poucas semanas ou poucos meses”, comenta ainda ele, explicando que esse “encurtamento” até o diagnóstico final se reflete de formas diversas. Por exemplo, reduzindo o tempo de internação de um paciente numa UTI, melhorando sua qualidade e expectativa de vida. No final da ponta, então, o que se tem é uma redução nos custos de atendimento, gerando economia ao sistema público de saúde (além dos efeitos benéficos aos próprios pacientes e suas famílias, naturalmente).

“A gente está ainda nesse processo de precificação, mas estudos que já foram feitos nos Estados Unidos e na Europa mostram que, apesar do custo do sequenciamento que a gente tem aqui por paciente ser relativamente alto, você consegue no todo diminuir o tempo de internação, diminuir o tempo de diagnóstico do paciente, ter um manejo clínico mais assertivo e aí você consegue diminuir sequelas que esses pacientes podem ter por um atraso no diagnóstico da doença que a pessoa já tem. Tendo o diagnóstico precoce, a família tem o direito de saber o nome da doença da criança, a criança pode ter o direito de ter um atendimento melhor, ter um atendimento que vai ou minimizar as sequelas ou ter uma plena recuperação, porque tem doenças de causa genética onde você muda a alimentação, por exemplo, e isso muda todo o quadro da criança”, diz o especialista.

É importante ressaltar, no entanto, que o CSPP não é um ambulatório. Ou seja, o local não faz atendimento aos pacientes e, para se ter o material genético sequenciado, é necessário antes procurar os serviços de referência do SUS. “A gente é um laboratório de alta complexidade que está apoiando o SUS, processando amostras que estão vindo pelos serviços de referência da rede pública de saúde.”

Projeto Genoma SUS

O projeto Genoma SUS tem como meta o sequenciamento de 21 mil genomas ao longo de um ano. Essa base científica vai permitir o avanço nas pesquisas que servem como base para tratamento e diagnóstico de doenças. O Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil foi criado para estabelecer no Brasil as bases para o desenvolvimento da saúde de precisão e, em um futuro próximo, sua implementação no Sistema Único de Saúde (SUS). A saúde de precisão funciona assim: ela associa dados já conhecidos de diagnóstico e tratamento (como histórico pessoal/familiar, exames clínicos e laboratoriais) ao perfil genético do paciente. Portanto, a saúde de precisão permite a escolha de tratamentos mais seguros e que produzam melhores resultados, além de detectar com antecedência a probabilidade de vir a desenvolver certas doenças.