No dia 20 de julho de 1969 o astronauta Neil Armstrong, da NASA, tornou-se o primeiro ser humano a pisar na Lua. O feito histórico, alcançado durante a missão Apollo 11, foi acompanhado em êxtase por todo o mundo. Nas palavras do próprio Armstrong, foi “um pequeno passo para um homem e um salto gigantesco para a humanidade”. Mas o que muita gente não sabe é que um cientista do Paraná participou de perto de todo esse processo, ajudando na conquista lunar. Trata-se do astrônomo José Manoel Luís da Silva, um matemático e físico que trabalhou numa equipe de 22 brasileiros que, do observatório nacional no Rio de Janeiro, dava suporte à Nasa.
Aos 91 anos de idade – completará 92 no dia 25 de outubro -, Silva conta que contribuiu com o projeto Apollo de 1968 a 1973. Das 17 missões realizadas durante a chamada Corrida Espacial, ele participou de 10 (da Apollo 8 até a derradeira Apollo 17). Entre elas, então, está a histórica missão da conquista lunar.
“Eram 22 brasileiros participando para efetuar observações da Lua, detectar fenômenos invulgares que aparecessem e verificar toda a questão da segurança de voo. Nessa época trabalhei no Rio de Janeiro e nos Estados Unidos, dependendo do que fazia, porque quatro dos 22 cientistas brasileiros não faziam só o trabalho de observação, mas também a análise de pedras lunares e um trabalho técnico de interpretação de voo e escolha e retenção dos alvos”, explica Silva.
Com suas observações e catalogação de eventos lunares inusitados, o professor forneceu dados fundamentais à NASA para a elucidação de fenômenos que ocorriam na Lua e até então eram inexplicáveis. Ademais, também forneceu elementos importantes para decisões estratégicas de voo e segurança.
E além do trabalho com a Lua, ele também se especializou em estrelas. “Tive a oportunidade de entrar no campo das estrelas variáveis, que são estrelas cujo brilho varia com o período do tempo. De 81 mil estrelas variáveis, descobri 28, uma estrela supernova, uma estrela fulgor, que eles chamam de flare“, destaca o professor.
Mais um “bicho do Paraná”
Nascido em São Paulo e oriundo de uma família antiga de militares portugueses que chegaram ao Brasil em 1808 com D. João VI, José da Silva chegou ao Paraná no começo da década de 1950, após seu pai se aposentar. A mudança, explica ele, ocorreu porque na capital paranaense ele e os irmãos teriam mais oportunidades para estudar, ingressando numa faculdade ou universidade.
No entanto, ele acabou não ficando muito tempo por aqui, já que seguiu, inicialmente, a carreira militar, seguindo a vocação familiar. “Formei-me na Academia Militar dos Agulhas Negras, mas mais tarde eu bandeei. Fui para a reserva para me formar como astrofísico, que era algo que desde garoto eu gostava”, relata o professor. “Meus sonhos eram ser militar – realizei – e ser um cientista espacial – também realizei. Mas é como cientista espacial que eu gostaria de ser lembrado”, destaca.
Ao deixar o Exército, no entanto, retornou para Curitiba. Formou-se em Matemática e em Física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e tornou-se professor do Colégio Estadual do Paraná (CEP) e do Colégio Militar de Curitiba (CMC). Por aqui, foi um dos responsáveis pela criação do Observatório Astronômico de Campo Magro e do Planetário do Colégio Estadual do Paraná.
“O Observatório Astronômico e o Planetário foram fundamentais para dar uma base para a astronomia no Paraná, especialmente a astronomia de ensino e de pesquisa profissional. E deu certo”, celebra ele, que se considera um paranaense de coração. “Eu sou paulista de nascimento, mas fiquei tanto tempo aqui que eu sou bicho do Paraná. Eu recebi esse título algumas décadas atrás, inclusive”, ressalta.
Da paixão por Flash Gordon à devoção pelo espaço
A paixão de José Manoel Luís da Silva pelo céu começou a surgir ainda na infância. Quando garoto, aos sete anos de idade, ele era fã de Flash Gordon, herói de uma tira de jornal de aventura e ficção científica. Nessa mesma época, também começou a subir em árvores para “ficar mais perto das estrelas”.
“Eu só pensava naquelas heróis espaciais [quando era criança]. Hoje pode parecer uma coisa boba, mas eles representavam muito para mim. Eu tinha as histórias em quadrinhos, o desenho era maravilhoso… E meu pai, naturalmente, sempre deixava o Manual de Orientação e Campanha do Exército Brasileiro à vista. Naquele tempo, se navegava usando bússola ou se orientando pelas estrelas, pelo céu. Então eu aprendi muita coisa sobre astronomia lendo o manual e aí fui gostando cada vez mais.”
Mesmo quando decidiu seguir carreira militar, nunca deixou o gosto pela astronomia para trás. E depois de deixar o Exército, foi fazer o que mais queria, que era se tornar um cientista espacial. “Desde garoto eu já fazia observações, principalmente da Lua, que é mais fácil de se observar com instrumentos pequenos ou até a olho nu mesmo, em lugares bem ermos. Aí comecei a estudar, a publicar, e minhas observações começaram a ganhar corpo naturalmente, até chegarem ao Observatório Nacional. Depois fui me especializar, viajei para a França, Austrália, Canadá, Estados Unidos… E um belo dia me tornei um astrônomo astrofísico. A minha especialidade é física estelar e planetária. Então, eu cheguei na Lua. Não é fácil”, vangloria-se.
O mapa que foi à Lua e o documentário Aurora Boreal
O mapa que foi à Lua e o documentário Aurora Boreal
Até hoje, o professor José da Silva guarda a sete chaves um verdadeiro tesouro. Trata-se de um mapa lunar que foi ao espaço e voltou numa das missões do projeto Apollo. Segundo ele, o material lhe foi dado por Alan Shepard, comandante da Apollo 14. “Pelos trabalhos que eu fiz em parceria com a Nasa, ele pegou e me deu um mapa lunar de presente. É um objeto que vale uma barbaridade, mas não fica comigo, está guardado em outro lugar. Eu só tenho cópias, fotografias. É algo que não tem preço, realmente, uma coisa incrível. Quer dizer, você não foi à Lua, José, mas alguma coisa com você foi e voltou”, afirma o professor.
Com uma história tão rica, o astrônomo também acabou se tornando recentemente um dos protagonistas do documentário “Aurora Boreal: Amor em Forma de Luzes e Cores”. Na obra, ele explica de forma científica e acessível o fenômeno que fascina gerações, narrando com precisão como o Sol interage com o campo magnético da Terra para formar as auroras.
Dirigido por Júlio Mauro, o filme reúne imagens impactantes captadas por Marco Brotto pelo Círculo Polar Ártico, passando por Islândia, Groenlândia, Canadá, Noruega, Alasca, Ilhas Faroé, entre outros destinos. E o melhor: o público pode conferir o documentário na íntegra, pelo Youtube, no canal www.youtube.com/c/marcobrotto. “O intuito de deixar o documentário em uma plataforma livre, sem assinatura, é permitir que todos possam acessá-lo gratuitamente e aprender um pouco mais sobre a aurora numa linguagem de fácil interpretação”, finaliza Marco Brotto.