
No final do século 19, Curitiba recebeu milhares de imigrantes europeus, que ajudaram a modernizar a cidade e a reorganizar socialmente a província do Paraná. Entre eles, os poloneses vindos da região da Silésia, então sob domínio do Reino da Prússia, tiveram papel fundamental na construção da identidade cultural e urbana da capital paranaense.
Os primeiros imigrantes poloneses chegaram em Curitiba em 1871, vindos das aldeias próximas a Opole e Siolkowice. Quatro anos depois, em outubro de 1875, eles se estabeleceram na Colônia Santa Cândida, a primeira implantada pelo sistema linista de colonização idealizado pelo presidente da província, Adolfo Lamenha Lins (1875-1877).
O sistema linista dividia a terra em lotes estreitos e compridos ao longo de estradas abertas na mata. Cada família recebia um lote com frente para a estrada e extensa área nos fundos, garantindo espaço para cultivo e moradia. Além dos poloneses, suíços, franceses e prussianos também se instalaram na região, formando uma comunidade diversificada que deixou legado cultural e arquitetônico até hoje.
Descendentes dos pioneiros

A aposentada Philomena Kachel Schluga, de 95 anos, e o filho, o advogado Jaime Luiz Schluga, são descendentes dos primeiros polacos que se estabeleceram na Colônia Santa Cândida. Neta dos pioneiros, Stefano Kachel e Francisca Skroch Kachel, Philomena mantém vivas as memórias sobre o modo de vida dos imigrantes que lavraram terras da região Norte de Curitiba e contribuíram com o desenvolvimento econômico e cultural do bairro.
Quando chegavam da escola, Philomena e os nove irmãos ajudavam os pais, Ludovico e Regina Kachel, nos trabalhos na chácara. Regina vendia os produtos – broa de centeio, ovos, requeijão, banha, torresmo – perto do local onde hoje está o Hospital São Lucas, no Cabral. “Eu e meus irmãos íamos com nossa mãe, atrás da carroça, chacoalhando pelas estradas de terra, enfrentando a poeira e vendo a carroça afundar na lama quando chovia muito”, lembra Philomena.
“Quando fecho os olhos parece que consigo ver o polén das sementes de centeio se espalhando pelo Santa Cândida por causa do vento”, conta Philomena.
O início da colonização polonesa
A Colônia Santa Cândida é uma das mais antigas de imigrantes poloneses do Paraná e foi implantada em terrenos adquiridos por eles nos campos do Atuba, a pouco mais de oito quilômetros do centro de Curitiba.
O historiador e escritor Felippy Strapasson explica que o nome escolhido para a colônia foi uma homenagem à santa católica e, possivelmente, a Cândida de Oliveira Lins, segunda esposa do presidente da Província, Adolfo Lamenha Lins.
Strapasson destaca ainda que a colônia foi a pioneira na política linista, desenvolvida por Lamenha Lins, baseada no planejamento socioeconômico de imigração de europeus e na produção de alimentos para abastecer o centro de Curitiba, que enfrentava a escassez de gêneros de subsistência. O objetivo era criar colônias ao redor do centro, uma espécie de cinturão verde com a produção de alimentos com base na mão de obra dos colonos imigrantes vindos da Europa, já que a capital tinha baixa demanda de escravos, uma vez que estes eram vendidos para fazendas cafeeiras de São Paulo e Minas Gerais.
“A colônia desenvolveu-se a partir da produção de centeio, milho, batata, trigo, feijão e outros cereais, os quais os agricultores vendiam para os armazéns mais ao centro da capital, na região onde fica hoje o Largo da Ordem”, ressalta Strapasson.
Crescimento
A colônia, que contava com pouco mais de 200 imigrantes em 1875, foi o bairro que registrou o segundo maior crescimento populacional de Curitiba. De acordo com o censo do IBGE, o Santa Cândida ganhou mais de 8 mil novos moradores em 2022, com uma população estimada em mais de 41 mil habitantes.
O advogado Jaime Luiz Schluga resume em poucas palavras o que significa viver no bairro. “Tenho orgulho de ajudar a construir esse lugar. Sou do tempo da carroça e vi chegar o asfalto aqui. Eu reconheço o esforço dos pioneiros, que com amor e dedicação deixaram um lugar melhor para as próximas gerações.”
Referências: História concisa dos bairros de Curitiba, do Abranches ao Xaxim. Felippy Satrapasson Hoy, 1ª ed. Curitiba. Appris, 2019.
Entre os polacos, Dom Pedro comeu broa, sob tiros de espingarda
A recém-instalada colônia polaca receberia, cinco anos depois, seu visitante mais ilustre, o então imperador Dom Pedro II. Na viagem à Província do Paraná em 1880, acompanhado da imperatriz Theresa Christina, Dom Pedro fez questão de conhecer a Colônia Santa Cândida. Os moradores aguardaram a chegada do imperador em procissão até a capela, onde estava a imagem de Santa Cândida que havia sido doada por ele.
O imperador foi recebido na casa de um dos colonos e participou da tradição popular do pão e do sal servida aos visitantes.
“Dom Pedro II experimentou a típica broa de centeio com manteiga e queijo produzidos na colônia. Ele foi recebido com muita festa, com bandeirolas nas cores do Brasil e da Polônia e tiros de espingarda, porque na época não havia foguetes”, destaca o historiador e escritor Felippy Strapasson.