
Nas últimas semanas, o mau tempo em Curitiba tem causado estragos e transtornos. Mas ainda que esses problemas acabem sendo mais noticiados em períodos chuvosos, eles ocorrem durante todo o ano. E, diferente de outras épocas, em toda a cidade. É o que revela um levantamento feito por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), que desde o primeiro semestre de 2022 vêm mapeando os pontos de alagamento da capital paranaense.
O projeto, que está sendo desenvolvido por professores e estudantes do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU), do Laboratório de Cidades (LabCidade) e do Laboratório do Clima (LabClima) da PUCPR, consiste numa consulta direta à população impactada por problemas de drenagem urbana, diferentemente das análises dos órgãos públicos sobre o tema, que costumam partir apenas de dados técnicos.
A coleta dos dados é realizada por meio do preenchimento de um formulário online que contempla questões como bairro onde presenciou o alagamento; se mora, estuda ou trabalha no local ou se estava apenas passando pela localidade durante a chuva; se o ponto de alagamento está próximo de um rio, entre outras.
Até o momento, foram coletados cerca de 1,3 mil formulários, que trazem um dado bastante interessante – e ao mesmo tempo alarmante. É que atualmente há registros de pontos de alagamento em toda a cidade. Se antes o que se via, tanto pela imprensa quanto por outras pesquisas, eram áreas centralizadas de inundação, em localidades como Fanny e Parolin, hoje se percebe que elas estão se espalhando pela cidade, ao ponto de bairros como São Lourenço e Alto da XV, que antes não constavam com frequência nas ocorrências, agora aparecerem.
Coordenador da pesquisa, o engenheiro ambiental Altair Rosa, pesquisador do PPGTU e professor da Escola de Belas Artes da PUCPR, explica que Curitiba, assim como outras metrópoles, segue em crescimento constante, o que leva a problemas decorrentes do processo de urbanização. “Precisamos nos lembrar de que os eventos de mudança climática e alagamentos não escolhem renda, classe social. Classe social não é sinônimo de impacto ambiental”, afirma Rosa.
O engenheiro ainda comenta que a metodologia adotada no projeto é chamada de “ciência cidadã”, pois consiste na parceria entre amadores e cientistas no levantamento de dados para a pesquisa científica. O projeto é integrado por estudiosos de diversas áreas, que também realizam a coleta de reportagens sobre o tema veiculadas ao longo da história e realizam a leitura de imagens de satélite para identificar as ilhas de calor na cidade.
“Nosso objetivo inicial era analisar a percepção da população sobre os alagamentos e enchentes na cidade, impulsionando a atuação educadora fundamentada nos princípios da ecologia integral para alertar, informar e capacitar pessoas e comunidades sobre esses fenômenos. Queremos, contudo, ir além e que nosso mapeamento seja uma ferramenta de gestão urbana, contribuindo com os projetos de drenagem do município”, pontua Rosa.
O projeto ainda está recolhendo participações e qualquer pessoa pode responder ao formulário, basta acessar o link: https://bit.ly/3ySWnm9.
Mudanças climáticas tornam eventos extremos mais comuns
O Paraná enfrentou, entre os anos de 2019 e 2021, uma das mais graves secas de toda a sua história. Passada a seca, desde o ano passado diversas regiões do estado têm sido castigadas pelas chuvas intensas, que provocaram alagamentos, enxurradas e inundações, provocando ainda estragos diversos (e até mesmo mortes) em estradas pelo estado por conta do deslizamento de terra e pedra.
Em entrevista recente ao Bem Paraná, inclusive, o meteorologista Reinaldo Kneib, do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (SIMEPAR), relatou que há estudos que apontam no sentido de as mudanças climáticas estarem potencializando a ocorrência de desastres, de eventos climáticos extremos.
“Alguns estudos apontam nessa direção, que o ser humano, através da emissão dos gases do efeito estufa, faz a atmosfera ficar mais quente, o que gera mais energia. Essa condição aumentaria os extremos: temos mais períodos secos e o oposto pode acontecer, de ter mais tempestades”, afirma o especialista, ressaltando ainda que Curitiba, por ficar entre duas serras, é uma região crítica para fenômenos naturais. “Podemos, inclusive, ter uma potencialização disso tudo nas próximas décadas”, alerta.
Enchentes e estiagens deixam prejuízo milionário para o Paraná
Desde o começo do milênio, em 2001, os alagamentos e estiagens provocaram um prejuízo milionário pelo Paraná. Segundo dados da Coordenadoria Estadual da Defesa Civil do Paraná, 1.420 ocorrências desses tipos já foram registradas no estado ao longo das últimas décadas, afetando 315 dos 399 municípios paranaenses (79% do total). Ao todo, 762.417 pessoas foram afetadas nesses episódios, que causaram ainda um prejuízo de R$ 573,1 milhões para o estado.
Os dados, que consideram apenas os registros oficiais da Defesa Civil, revelam ainda que a Região Metropoliana de Curitiba (RMC) é a mais afetada pelo problema em todo o estado. A capital paranaense, por exemplo, é aquela que concentra o maior número de ocorrências no Paraná, com 57 registros, sendo que outros municípios metropolitanos (como Araucária, com 35 ocorrências, e São José dos Pinhais, com 31) também aparecem entre as cinco cidades mais afetadas (numa lista que têm ainda União da Vitória, com 34 registros, e Foz do Iguaçu, com 28).
Analisando-se os dados ano a ano, é possível verificar que houve um expressivo aumento nas ocorrências de alagamento e inundação registradas pela Defesa Civil em todo o Paraná no ano passado. Em 2021, por exemplo, houve 32 registros. Em 2022, o número já cresceu 128%, com 73 ocorrências. É o maior número de alagamentos e inundações no estado desde 2013, quando foram registradas 78 ocorrências desse tipo no estado. Em 2023, até ontem às 16h19, já houve 11 notificações.